Uma solução viável

(*) Lígia Fleury –

É imprescindível compreender que há uma enorme diferença entre o desejável e o possível. Desejar que médicos e professores façam de suas profissões um sacerdócio é, no mínimo, indecente, uma afronta. É o retrato da ignorância, momento em que se confunde vocação com sacerdócio.

Os religiosos fazem voto de pobreza, de trabalho voluntário. Optam por dedicar a vida em prol dos outros, pregando valores, acolhendo aos que neles procuram afeto, paz, dignidade etc. São profissionais que escolhem essa vida de dedicação, sem recursos materiais. É opção por uma vida desprovida de apegos! É realização pessoal no encontro da vocação com o sacerdócio!

Experimente perguntar ao jovem vestibulando quais seus sonhos, seu Projeto de Vida e, seguramente, a resposta será, em todas as áreas: melhorar a vida, ter minha casa, sustentar minha família trabalhando naquilo que gosto.

Essa opção não é sacerdócio. É uma escolha que determina o estilo de vida e merece ser respeitada. E tem a ver com vocação, com competências. Ninguém, muito menos o governo, tem o direito de mudar os planos de um jovem, de tripudiar em cima de um sonho, de aumentar a distância no seu percurso dos desejos possíveis.

Vejamos a evolução na Medicina. Tempos atrás um médico era um médico de família, um clínico geral. Ele ia até o paciente. Hoje há especializações dentro da própria especialização: um ortopedista é indicado para o joelho, o outro para a mão, o outro para coluna. É o resultado dos estudos avançados que permitem, cada vez mais, o conhecimento específico para auxiliar nos tratamentos. As especializações são resultados da evolução humana, dos estudos, das pesquisas. Mas o médico escolhe sua especialização, o médico escolhe quanto quer investir na própria qualificação e quando quer fazer esse approach, sempre com a responsabilidade e consciência de que de suas ações dependem a qualidade de vida e a própria vida de seus pacientes. Assim o é ou deveria ser com todas as profissões.

Mas agora, outra “ideia brilhante” do incompetente governo brasileiro: mais dois anos de Medicina para os jovens que não escolheram o sacerdócio.

Ser humano é cobaia? O cidadão menos favorecido é diferente dos demais a ponto de ser atendido por um estudante? E como fica a prática ilegal da profissão?

Se para receber o diploma de médico o estudante é obrigado a trabalhar nas redes públicas de saúde como médico sem o ser, por dois anos, estará exercendo a prática ilegal da profissão. E por que com a população carente?

Minha solução viável é para que os estudantes que serão obrigados a exercer dois anos de prática ilegal da profissão – calma! eles terão a autorização temporária proposta pelo governo-, o sejam sim, devidamente remunerados, desde que seus pacientes sejam os políticos e seus familiares, dentro de um hospital público, com os recursos locais. E cada um seria atendido na sua cidade de origem, certamente sem a supervisão de seus professores, pois na prática, se fossem atender pelo SUS é isso que aconteceria. Não tenho dúvida alguma sobre isso. E nem pensar usar avião da FAB para se locomover!

Não se muda regra no meio do jogo! Ser humano não é cobaia, não pode ser experimento para teorias que afetam diretamente sua saúde física, emocional ou espiritual. Nem os estudantes são cobaias nem a população.

Cidadãos também não são marionetes.

É urgente que se fechem cursos marretas não só de Medicina, mas de todas as profissões. A falta de seriedade, no Brasil, na formação profissional, resultou nesse caos que hoje vivemos. É passada a hora de permitir apenas cursos de excelência. Mas se estamos nesse caos, a responsabilidade é de um governo medíocre e de um povo acomodado. Acomodado pela própria ignorância.

As Faculdades/Universidades precisam ter escolas associadas para que seus estudantes estagiem sob a supervisão de seus competentes mestres, durante a graduação. É essa prática, supervisionada, que faz a diferença na formação profissional. Não é, seguramente, jogar jovens não diplomados em áreas de risco, sem supervisão e com autorização especial para exercer a profissão que mudará o resultado caótico da Saúde no país.

Chega de remendos, de “puxadinhos” em qualificação profissional. Faz-se matriz curricular adequada, qualifica-se os professores, exige-se estudo de alunos e mestres, oferece-se local adequado para estudo e trabalho. E exige-se, principalmente, que o MEC cumpra sua função de avaliar cursos e permitir que apenas os bem avaliados tenham autorização para funcionar. Pronto! Isso acaba com autorização especial, com gambiarras para o exercício da profissão. Isso traz qualidade de vida, dignidade! A questão continua sendo a qualificação e essa só será melhorada se houver investimento em qualidade e não no tempo! Não serão mais dois anos de trabalho obrigatório que irão melhorar a saúde no país, mas sim a qualidade dos cursos. Enquanto nós sabemos que o importante é melhorar a formação profissional e oferecer condições dignas aos profissionais, as ideias mirabolantes desse irresponsável governo se pautam em tapar o sol com a peneira, em um emaranhado de “pseudosoluções” que só tem um objetivo: enganar a população, na ilusão de estar sendo atendida pela quantidade de médicos deslocados para tal.

O desejo do governo brasileiro em trazer médicos estrangeiros para trabalhar em áreas precárias é ofensivo para nós, brasileiros, e deveria ser, também, para os próprios estrangeiros, já que seriam contratados para locais onde ninguém quer trabalhar. Não pelas pessoas carentes que ali residem, mas pela pouca vergonha da falta de estrutura local, pelo não acesso à higiene, remédios, aparelhos, exames e condições de vida para os moradores e profissionais.

O que o governo precisa fazer, e isso nós bem sabemos, é oferecer higiene, rede de esgoto, água limpa, saúde, educação para a população. Não é fazendo caridade com chapéu alheio, colocando jovens recém formados – nesse caso nem formados – obrigados a estarem onde sequer escolheriam estar, que o país sairá desse caos que o próprio governo criou.

Sabemos que a alteração proposta para os estudantes de Medicina a partir de 2015 e a contratação de médicos estrangeiros sem o devido reconhecimento do diploma pelos órgãos competentes – leia-se competentes -, caso esses atos abusivos contra a população sejam aprovados, não será nem ao menos política, já que a população desprovida de conhecimento terá a ilusão de ser atendida e terá a ilusão de que há mais médicos e melhor qualidade de vida em seus municípios quando, na verdade, o que está por trás dessa aberração – para os analfabetos funcionais-, são mais eleitores para um governo corrupto e incapaz de exercer com dignidade suas ações políticas. É o mesmo estilo de governar dos últimos dez anos. É o Bolsa- Saúde sendo implementado, às custas do desejo alheio. Isso deveria ser crime!

(*) Lígia Fleury é psicopedagoga, palestrante, assessora pedagógica educacional, colunista em jornais de Santa Catarina e autora do blog educacaolharcomligiafleury.blogspot.com.