(*) Ucho Haddad –
Foram necessários dez anos para provar a alguns desqualificados do jornalismo nacional que não sofro de esquizofrenia ou qualquer transtorno psíquico. Em 2005, quando afirmei que estava em marcha no Brasil um recém-nascido esquema de corrupção para substituir o malfadado Mensalão do PT, alguns jornalistas, que até hoje não compreendem como consigo informações exclusivas nos bastidores da política brasileira, preferiram atacar-me como forma de justificar a própria incompetência. Chamaram-me de esquizofrênico, pois só assim esses alarifes das letras puderam explicar aos seus superiores a “barriga jornalística” que impus a muitos consagrados.
Sem a infraestrutura que os grandes veículos midiáticos disponibilizam aos seus contratados, sequer pensei em desistir do meu propósito ou cheguei a duvidar de tudo o que descobrira. Enfrentei poderosos em todos os setores, corri riscos dos mais banais aos mais intricados, mas sempre estive confiante na minha missão. Afinal, foi pelo Brasil que voltei ao Brasil depois de duas décadas longe da terra natal, mesmo que recheadas por hiatos de idas e vindas.
Quatro anos se passaram do primeiro alerta e, no início de 2009, levei ao Ministério Público Federal as primeiras denúncias sobre o tal esquema de corrupção, arquitetado com o aval de Lula e seus sequazes, o qual culminou na Operação Lava-Jato. Naquele momento, ao noticiar as denúncias, também fui acusado por supostos colegas de profissão de ser um psicopata que diariamente criava um inimigo novo para ter com quem digladiar. Determinado que sou, sem me deixar abater com as críticas covardes e infundadas, segui adiante no embalo da convicção de que estava no caminho certo. E de fato estava!
Neste histórico domingo, 15 de março, o dia começou misterioso e irrequieto. Pela primeira vez, nos últimos anos, tive a certeza de que uma manifestação surpreenderia. Como de fato surpreendeu. Ao sair de casa rumo à Avenida Paulista, os poucos quarteirões que percorri a pé foi como se estivesse a caminho do desconhecido. Mesmo assim, a sensação do dever cumprido aflorou na alma e no coração mais uma vez, de maneira forte e plena. Nada fiz além da minha obrigação como cidadão, mas a plenitude foi inconteste. O que não me faz melhor, apenas cônscio do meu papel dentro do ofício que escolhi e ao qual dedico-me de forma incondicional e ininterrupta.
No curto e quase infindável trajeto até o palco do maior e melhor recado ao desgoverno petista, dividi a reflexão com pensamentos múltiplos. Caminhava a passos cadenciados, mas precisava que o destino demorasse a chegar. Essa tal necessidade encontrou explicação no momento em que dobrei uma determinada esquina. A imagem da multidão, manchada de verde e amarelo, foi extasiante, principalmente para alguém que por defender o País da peçonha dos saltimbancos teve de enfrentar ameaças torpes e acusações rasteiras.
Nesses dez anos, com ênfase nos últimos seis, a sequência dos dias foi marcada pela dificuldade, às vezes extrema, enquanto o cotidiano se desenhava no traço de um furacão. Tudo aconteceu comigo e com todos que estão na órbita da minha vida, que passou a ser fechada como o mundo de um autista. Mesmo assim, desistir jamais esteve no meu cardápio. Aliás, desistir do Brasil nunca foi meu forte – e jamais será –, apesar de inúmeras vezes ter deixado o País na esteira do trabalho. Mas foi para cá que sempre voltei.
Quando a presidente Dilma Rousseff venceu a corrida presidencial de 2014, minha resposta aos que disseram que deixariam o Brasil foi que aqui ficaria para continuar lutando, pois não sei guerrear à distância e por controle remoto. Gosto do bom combate, de estar no campo de batalha, como sempre fiz ao longo de quase quarenta anos de carreira. Para muitos é excesso de ideologia, para outros é patriotismo exacerbado. Para mim, obrigação inquestionável de um cidadão que tem acesso à informação.
Fiz, não me arrependo. Faria tudo outra vez, certo de que jamais me arrependeria. Fiz não por mim, não pelos meus, mas por todos, por cada um dos brasileiros angustiados diante dos desmandos oficiais, da incompetência palaciana, da roubalheira sem fim. Fiz pelo amanhã, pelo depois, pelo sempre. Fiz, faço, continuarei fazendo. Até quando? Não sei! Em algum momento hei de parar, pois a última década foi cruel e desgastante. De tudo tentaram contra mim. Fracassaram! De tudo tentaram contra a minha família e as pessoas que amo. Fracassaram! Tentaram, erraram. Tentaram me comprar, me calar, me matar. Tentaram me arruinar, me sufocar, me aniquilar. Fracassaram! Tiraram o sossego, o dinheiro, a paz. Tiraram o presente, o sono, o lazer. Não tiraram a determinação.
Quando, no domingo, desci do carro de som de onde registrei incríveis imagens da manifestação na Avenida Paulista, tive a certeza de que havia lavado a alma ao som do brado retumbante de mais de um milhão de brasileiros do bem. Os detratores não conseguiram me destruir, pois a razão maior do meu trabalho está no desejo quase teimoso de deixar a todos um Brasil melhor e coerente. Não importa que esse sonho demore a se realizar, até porque um dia a realidade baterá à porta de cada um dos que hoje defendo de maneira determinada e incondicional.
Em meio à multidão, caminhando com os dois costumeiros lenços e o documento no bolso, ouvi algumas recomendações, dentre elas “não vai mentir”. Mal sabia aquela pessoa que fazer jornalismo está além de escrever para apenas informar, mas, sim, agir com coerência e responsabilidade para que o próximo reflita e alcance uma concepção correta de determinado fato. Mal sabia aquela pessoa que por ter falado a verdade paguei preços altíssimos e intangíveis. Mal sabia aquela pessoa que por acabar com a farra alheia construí o próprio calvário. Como escrevi, não me arrependo, não me arrependerei. Começaria tudo outra vez se preciso fosse.
O som da manifestação apresentou-se aos meus ouvidos como uma valsa. Na memória ficou como sinfonia. Na alma, como afago. Na consciência, como suspiro. A todos que acreditaram no meu trabalho, muitíssimo obrigado. Aos que me criticaram, principalmente, meu eterno agradecimento. Sem a covardia de vocês este domingo não teria sido como foi. Cada bandeira, cada desejo de mudança, cada grito rasgado, cada indignação manifesta… Tudo funcionou como elixir da libertação. Em nome do Brasil, muito obrigado a todos, muito obrigado a cada um.
(*) Ucho Haddad é jornalista político e investigativo, analista e comentarista político, cronista esportivo, escritor e poeta.