Bola de Cristal

    Eu olho, olho, me concentro, e não vejo nada na minha bola de cristal. Limpo, desembaço e me concentro novamente. Nada. Mudo as perguntas, os temas, e só vislumbro se desenhando ali dentro um imenso e traquinas bocejo no meio de muita fumaça.

    (*) Marli Gonçalves

    O que será do amanhã?
    Só pode ser. O bocejo que vejo deve ser o do Gênio da Lâmpada que se mudou para a Bola de Cristal, porque o aluguel ficou muito caro, e essa crise… Sabe como é? – está acabando com a gente. Ou você acha que só a lamparina pode ter, atrair ou conter um gênio? Abra seus horizontes. Olhe longe. Saia esfregando tudo o que encontrar. Quem sabe não sai uma fumacinha? E alguém te dando três desejos?
    Já estou fazendo isso. Esfrego tudo o que acho que pode me dar sorte, se é que entendem. Não é uma mania nova essa minha, mas agora anda muito mais frequente e, digamos, mais popular. Outro dia no supermercado esfreguei um lindo mini-bule de louça até para ver se ele baixava o preço. Nada. Desde pequena mantive o hábito de ao avistar o Rolls Royce do Chiquinho Scarpa & Família parado na porta dos lugares, parar para ir lá passar a mão naquela dourada “Flying Lady”, aquela mulherzinha alada, maravilhosa, que fica em cima do radiador, também conhecida como “Spirit of Ecstasy”. Sempre acreditei que ela é de ouro maciço e dava sorte, como uma imagem de santo de devoção chic. E deve dar: ele próprio, o Chiquinho, acaba de sobreviver, depois de tomar duas extremas-unções e tudo. Quase que empacotou.
    Também sempre achei que não custa nada acreditar em algumas coisas. Pelo menos até provas definitivas em contrário. Se a Xuxa disse que dorme com duendes, acredito. Se o povo garante que viu disco voador, deve ter visto mesmo. Tem tanta coisa voadora por aí – porque não teria um disquinho? E os abduzidos? O cara some e quando volta diz que foi abduzido. Só não contam como ela era, mas babam inventando mil e uma variações. Então, tem saci, sapo que fala, Madame Min, tem Collor-chuck; a Heloisa Helena como a mulher-de-branco, o cara do massacre-da-serra-elétrica, a mula-sem-cabeça (me poupe de nomeá-la); as duas-faces-de-Lula, todas sem memória; muitas pessoas-medusa, só com cobras na cabeça, no lugar de cabelos. E muitas línguas de fogo. A lista é enorme. De mitos e lendas a assombrações e fantasias reais, muito reais, e que surgem de cada coisa que a gente lê, vê, ouve ou fica sabendo.
    Mas o que sei é que por aqui nem olhando a Bola de Cristal dá para prever nada. Nem com toda a concentração do mundo. Sempre fica nebulosa, enfumaçada, qualquer previsão. Ou porque dependem do PMDB, ou do PT. Opps, falei o nome de uns eguns espíritos zombeteiros. Sal grosso, rápido. Sete ervas.
    Pego a Bola de Cristal e tento de novo. Forço a vista e lá está de novo o bocejo de tédio. Queria tanto saber se esses próximos meses serão melhores, se a crise vai amainar, se a vida pública e política vai tomar jeito e tento, para resolver tantas coisas paradas. Queria saber se alguém vai tomar providências com os reajustes dos seguros-saúde, com as obras do PAC emperradas, com a empáfia dos poderosos. Ih, cheiro de enxofre! O Gênio deve estar queimando um. Incenso, para melhorar o astral.
    O que será do amanhã? Teremos trabalho? Teremos saúde? Teremos ao menos um país? Vamos parar de perder gente boa que faz e que fez? Quando nos livraremos dos medíocres, dos preconceituosos, dos pobres de espírito, dos hipócritas? Vamos ter de continuar votando no menos pior, contra o pior, ladeados do piorzinho e do bonzinho? Qual será afinal a taxa de crescimento, de evolução, que fica sendo revista para cima e para baixo no tobogã durante o ano inteiro? E quando chegar o final do ano, a gente sabe bem o que foi que cresceu. E onde. E não se excita com isso, ao contrário. Dói.
    Não há baralho, tarô, I-Ching, runas ou borra de café capaz de dar conta de qualquer previsão nesse momento. Só há mágicos e ilusionistas jogando esse jogo – e mágicos, vocês sabem, nos enganam, nos iludem, nos mostram coelhos e pombos achatados em suas cartolas, serram nossas pernas, fazem jogos de luzes e de sombras. Sorriem e manobram para desviar nosso olhar enquanto somem com as outras coisas que não vemos. Manipulam as leis. As investigações. As taxas de juro. As linhas de crédito. Pobres se iludem que podem; ricos apostam e perdem. Quem não tem, acha que conseguiu e quem tinha vê que na verdade não conseguiu pegar e pagar. Só provou o gosto de quanto seria bom.
    Só posso propor um combinado: cada um de nós se concentrando. Já. Quem vislumbrar alguma coisa primeiro na Bola de Cristal avisa o outro. Se for o Gênio da Lâmpada que aparecer, use os três pedidos, mas pense em todo mundo; seja mais magnânimo, vai! Mas se a Bola de Cristal esfumaçar muito, primeiro veja se não é alguém fumando escondido do Serra por perto. Ou se nada está pegando fogo. Finalmente, caso algum encosto te propuser fazer um “trabalho” de abrir caminhos, por favor, não os deixe usar e nem sacrificar nenhum animalzinho, que eles não têm nada com essa nossa incapacidade total não só para prever, como de fazer acontecer.

    São Paulo, indefinidos esses próximos dias de 2009

    (*) Marli Gonçalves é jornalista. Não usa turbante. Psicografa ela própria com a imposição de mãos sobre o teclado, mas tem recebido vibrações incríveis de muitos leitores gentis. Adoraria poder rever em uma bola de cristal a aura de todo esse povo. Acredita cada vez mais em São Longuinho. Três pulinhos.