Pode? Não, não pode!

(*) Lígia Fleury –

ligia_fleury_04Senhores pais, senhores educadores, estamos vivendo um período de incertezas? O dizer não causa dúvida ou medo? É mesmo mais fácil dizer sim? Ou até fingir que não sabe, não viu? Quem perde com tanta ausência do não?

Pois é, limite parece que virou até palavra proibida, pior que palavrão. Estão fazendo com o significado do limite o mesmo que fizeram com o da palavra decorar. Decorar, no sentido utilizado na aprendizagem, é tão somente memorizar saberes que precisam mesmo estar armazenados, para serem utilizados nos recursos do raciocínio.

Vejam o caso da tabuada! Anos atrás era preciso decorar a tabuada e hoje não é mais? Claro que sim; é necessário, porém, que a criança compreenda o significado da multiplicação, como ela acontece, qual o cálculo utilizado, como se pensa para multiplicar e, depois disso, decorar as tabuadas. Decorar, sem medo e sem sinônimos.

Por que temos medo de utilizar o termo correto? Só porque descobrimos, por meio de teorias de estudiosos e da prática de cada um que para aprender é preciso viver as próprias experiências, conectar-se ao mundo, compreender textos, partilhar ideias, argumentar, saber expressar-se, arriscar-se, o decorar virou palavra proibida? Não! Decorar é memorizar, é fazer uso das diferentes memórias, é recorrer a este recurso para auxiliar na busca do resultado trilhado pelo raciocínio.

Da mesma maneira que fizemos com o termo decorar, estamos fazendo com o não, com o limite. Se há teorias apresentando que o sim é mais saudável, mais motivador, vamos conhecê-la, analisá-la e avaliar se é adequada para as diferentes situações.

Hoje, tudo é negociado com as crianças e jovens, tudo. Nas escolas, chamamos regras de combinados. Que medo é esse de assumirmos que o mundo é feito de regras?

Este assunto me mobiliza nesta semana, em especial, pelo fato do jogador de futebol ter mordido um adversário, em pleno jogo de Copa do Mundo. E se não fosse na Copa? E se fossem crianças se mordendo? Estas são as questões.

Quem morde ou é bicho ou é criança até os dois anos e meio, mais ou menos, fase em que, ingressando na escola, precisa buscar recursos para dividir espaços e objetos; por vezes, um destes recursos é a mordida, em uma demonstração de força, mesmo que de maneira incorreta.

É neste momento que o não é fundamental, para explicar que morder machuca, agride, destrói. Em pouco tempo, a criança aprende e não é a maioria que experimenta esta sensação de morder o colega, mas é sim algo que acontece em todas as escolas. Mas com crianças!

Em jogo de Copa do Mundo, com atletas adultos? Some-se a isso o fato do mordedor ser reincidente.

E tem gente que acredita que penalizá-lo com a exclusão dos jogos por sua seleção é uma pena dura demais! Incompreensível é o ato irracional da mordida adulta, mas também é assustador que pessoas avaliem a penalização como excessiva. A quem queremos educar? Que modelo queremos transmitir? Que mundo estamos construindo? Sem medo de colocar limites, por favor. O limite é protetor, o não é um cuidado, o não é protetor. Regras existem para serem cumpridas e viver em sociedade é complexo. Não pode morder. Pode decorar a tabuada e pode sim dizer o não. Pode também utilizar o bom senso, não faz mal a ninguém!

(*) Lígia Fleury é psicopedagoga, palestrante, assessora pedagógica educacional, colunista em jornais de Santa Catarina e autora do blog educacaolharcomligiafleury.blogspot.com.