Filme reconta massacre na Noruega no pós-guerra

O diretor Erik Poppe diz que seu filme faz parte do processo de cura das cicatrizes deixadas pela pior atrocidade da história do pós-guerra na Noruega, o massacre de 69 pessoas, a maioria menores, em um acampamento da ala jovem do Partido Trabalhista, na ilha de Utoya.

O filme “U-July 22”, que estreou na última quarta-feira (21) na competição oficial do Festival de Cinema de Berlim, narra a carnificina promovida pelo extremista de direita Anders Behring Breivik no dia 22 de julho de 2011 – horas depois de ele ter matado oito pessoas em um atentado a bomba em Oslo.

Rodado em outra ilha perto de Utoya, o filme segue, em única sequência, um grupo de jovens, principalmente a personagem fictícia Kaja, enquanto ela corre para se salvar do atirador através dos bosques e praias.

A produção norueguesa – uma das 19 que concorrem ao Urso de Ouro – narra, em tempo real, a luta dos adolescentes pela sobrevivência, durante 72 minutos, a exata duração da carnificina, enquanto Breivik, disfarçado de policial, vai abatendo a tiros os jovens, um por um, até a polícia finalmente chegar.

A plateia vê Katja procurar desesperadamente sua irmã mais nova – Emilie, de quem se perdeu quando se ouvem os primeiros tiros –, confortar uma adolescente à beira da morte e cantar para si próprio para afastar o pânico, enquanto se esconde atrás de um penhasco.

Celulares no modo silencioso começam a vibrar abandonados na mata, à medida que os pais, que receberam as notícias em casa, tentam entrar em contato com seus filhos. Tiros podem ser ouvidos, mas o atirador só é visto à distância.

Foco nos adolescentes

A obra procura retratar o massacre do ponto de vista dos adolescentes. Poppe ressaltou, durante entrevista coletiva no festival, que nos sete anos desde a tragédia, Breivik repetidamente roubou a cena com aparições extravagantes no tribunal e a cobertura genérica da imprensa, que ofuscou a memória das crianças mortas.

“À medida que iam se passando os meses, os anos, fomos vendo a memória do que aconteceu naquela ilha se apagar, mais e mais”, disse o cineasta norueguês, ex-fotógrafo de guerra. “Encontrei sobreviventes daquela ilha. Eles compartilharam aquele sentimento, e isso os estava preocupando”, completou.

O assassino nunca expressou remorso pelo que fez. Ele disse que matou suas vítimas porque elas eram a favor do multiculturalismo.


Poppe entende as críticas de que o filme veio cedo demais, mas contou ter ouvido dos próprios sobreviventes que era a hora de abordar o assunto no cinema.

“Eu diria que, se não doesse ver esse filme, então ele viria tarde demais. Então eu diria que, claro que é duro, mas também faz parte do processo de cura”, sublinhou.

A produção coletou o testemunho de vários sobreviventes para criar uma trama fictícia, baseada em dolorosa realidade e encenada, em maior parte, por atores sem experiência.

“Decidimos fazer uma ficção por razões éticas, para que os pais, irmãs e irmãos não precisassem ver e pensar: Será que é minha irmã ou meu irmão?”, disse o diretor.

Segundo ele, psicólogos estiveram nas locações para ajudar os atores e residentes da ilha onde as filmagens ocorreram. Também três sobreviventes acompanharam o desenvolvimento da produção desde o começo.

Alguns sobreviventes na Noruega criticaram severamente a decisão de fazer o filme. “Erik Poppe pegou o pior pesadelo da minha vida e transformou em entretenimento”, acusou Kent Rune Pedersen, que escapou vivo de Utoya.

Ele diz ser perseguido por “recordações, sonhos, barulho, choros e imagens”. “Está fora de questão que eu vá ao cinema ver tal filme”, afirmou.

Outro filme sobre o mesmo acontecimento está sendo rodado pelo diretor britânico Paul Greengrass, produzido pelo serviço de streaming Netflix. (Com agências internacionais)

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