Livro de Saulo Ramos mostra que o então estreante Celso de Mello se preocupava com a imprensa

Saia justa – O Brasil é o país do eterno faz de conta, situação que torna-se cristalina quando em cena entram os poderosos. É neste momento que prevalece a tese redundante e óbvia do “uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa”.

Decano do Supremo Tribunal Federal, o ministro Celso de Mello caiu em desgraça após proferir o voto de Minerva que garantiu a uma dúzia de mensaleiros o absurdo direito a novo julgamento. O ministro foi acusado de maneira equivocada de corrupto, mas não é essa a realidade dos fatos. Até porque, esse tipo de acusação carece de provas, algo inimaginável no caso de Celso de Mello.

É fato que a decisão desapontou uma sociedade vilipendiada em seus direitos e cansada de tantos escândalos de corrupção, mas na democracia o contraditório também tem o seu espaço garantido. A única questão é que os doze mensaleiros podem ter as respectivas penas anuladas, por causa da nova composição do tribunal, ou prescritas, devido à procrastinação que será adotada pelos advogados de defesa.

O grande erro do ministro Celso de Mello, na opinião do ucho.info, foi dar eco à tese utópica do colega Luís Roberto Barroso, que afirmou não se importar com o clamor popular ou com o que publica a imprensa um dia depois de decisão judicial polêmica.

O ministro decano não poderia ter se posicionado desta maneira, mesmo que discordando de alguns editoriais e matérias jornalísticas, até porque ele próprio não rebateu afirmação do advogado Saulo Ramos, já falecido, que ao então presidente José Sarney sugeriu seu nome para integrar o STF.

No livro “Código da Vida”, Saulo Ramos transcreve um diálogo telefônico que manteve com Celso de Mello, que na ocasião tinha pensamento distinto em relação ao conteúdo da mídia nacional.

Escreveu o advogado Saulo Ramos em seu livro ao discorrer sobre sua decepção com Celso de Mello:

“Apressou-se ele próprio a me telefonar, explicando:

(CM) – Doutor Saulo, o senhor deve ter estranhado o meu voto no caso do Presidente.

(SR) – Claro, o que deu em você?

(CM) – É que a F. de São Paulo, na véspera da votação, noticiou a afirmação de que o Presidente Sarney tinha os votos certos dos ministros que enumerou e citou meu nome como um deles. Quando chegou minha vez de votar, o Presidente já estava vitorioso pelo número de votos a seu favor. Não precisava mais do meu. Votei contra para desmentir a Folha de São Paulo. Mas fique tranquilo. Se meu voto fosse decisivo, eu teria votado a favor do Presidente.

Não acreditei no que estava ouvindo. Recusei-me a engolir e perguntei:

(SR) – Espere um pouco. Deixe-me ver se compreendi bem. Você votou contra o Sarney porque a F. de São Paulo noticiou que você votaria a favor?

(CM) – Sim.

(SR) – E se o Sarney já não houvesse ganhado, quando chegou sua vez de votar, você, nesse caso, votaria a favor dele?

(CM) – Exatamente. O senhor me entendeu?

(SR) – Entendi. Entendi que você é um juiz de merda!

Bati o telefone e nunca mais falei com ele”.

Que cada leitor tire a conclusão que melhor lhe convier, pois o Brasil ainda é uma democracia, mesmo que na teoria, o que garante o direito ao contraditório.