Decisão tomada – Como informou o ucho.info em matéria anterior, o Supremo Tribunal Federal (STF) levou ao plenário da Corte, nesta quarta-feira (11), o julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 54, que versa sobre a legalidade da interrupção de gravidez de feto anencéfalo (sem cérebro).
O Supremo Tribunal Federal retomou nesta quinta-feira (12) o julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 54, protocolada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS), para declarar inconstitucional a interpretação dada aos artigos 124, 126 e 128 (incisos I e II) do Código Penal que criminaliza a antecipação terapêutica de parto nos casos de anencefalia. Relator da matéria, o ministro Marco Aurélio Mello, que julgou procedente a ADPF, declarou em seu voto, ao defender a descriminalização do aborto nesse caso específico, que “a incolumidade física do feto anencéfalo, que, se sobreviver ao parto, o será por poucas horas ou dias, não pode ser preservada a qualquer custo, em detrimento dos direitos básicos da mulher”
Iniciado na manhã de quarta-feira (11), o julgamento foi suspenso ao final do dia pelo presidente do STF, ministro Cezar Peluso, em função dos compromissos dos magistrados no Tribunal Superior Eleitoral. Na ocasião, a Corte já contabilizava cinco votos favoráveis ao pleito da CNTS – Marco Aurélio Mello, Rosa Maria Weber, Joaquim Barbosa, Luiz Fux, Cármen Lúcia Antunes Rocha e Luiz Antonio Dias Toffoli. O voto contrário proferido na sessão de ontem foi do ministro Ricardo Levandowski. O ministro Carlos Ayres Britto, primeiro a votar na sessão desta quinta, deu parecer favorável à interrupção da gravidez de anencéfalos.
Confira abaixo como votaram os ministros
Marco Aurélio Mello – relator (a favor): “Aborto é crime contra a vida. Tutela-se a vida em potencial. No caso do anencéfalo, não existe vida possível. O feto anencéfalo é biologicamente vivo, por ser formado por células vivas, e juridicamente morto, não gozando de proteção estatal. […] O anencéfalo jamais se tornará uma pessoa. Em síntese, não se cuida de vida em potencial, mas de morte segura. Anencefalia é incompatível com a vida.”
Rosa Maria Weber Candiota da Rosa (a favor): “É de se reconhecer que merecem endosso as opiniões que expressam não caber anencefalia no conceito de aborto. O crime de aborto quer dizer a interrupção da vida e, por tudo o que foi debatido nesta ação, a anencefalia não é compatível com essas características que consubstanciam a ideia de vida para o direito.”
Joaquim Barbosa (a favor): O ministro não apresentou seu voto durante o julgamento, pois precisou deixar a sessão plenária, mas pediu a juntada de seu voto aos autos do processo que tem como objeto a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 54.
Luiz Fux (a favor): “Um bebê anencéfalo é geralmente cego, surdo, inconsciente e incapaz de sentir dor. Apesar de que alguns indivíduos com anencefalia possam viver por minutos, a falta de um cérebro descarta complementarmente qualquer possibilidade de haver consciência.[…] Impedir a interrupção da gravidez sob ameaça penal equivale à tortura.”
Cármen Lucia Antunes Rocha (a favor): “Não é escolha fácil. É escolha trágica. Sempre é escolha do possível dentro de uma situação extremamente difícil. Por isso, acho que todas as opções são de dor. Exatamente fundado na dignidade da vida neste caso acho que esta interrupção não é criminalizável.”
Luiz Antonio Dias Toffoli (impedimento): O ministro declarou-se impedido, pois no passado, enquanto Advogado-Geral da União, atuou no caso como representante do governo federal e manifestou-se favorável à interrupção da gravidez no caso de anencéfalos.
Ricardo Lewandowski (contra): “Uma decisão judicial isentando de sanção o aborto de fetos anencéfalos, ao arrepio da legislação existente, além de discutível do ponto de vista científico, abriria as portas para a interrupção de gestações de inúmeros embriões que sofrem ou viriam sofrer outras doenças genéticas ou adquiridas que de algum modo levariam ao encurtamento de sua vida intra ou extra-uterina.”
Carlos Ayres Britto (a favor): “Se o homem engravidasse, a autorização a qualquer tempo para interrupção da gravidez anencéfala já seria lícita desde sempre. […] É um direito que tem a mulher de interromper uma gravidez que trai até mesmo a ideia-força que exprime a locução dar à luz. Dar à luz é dar à vida e não dar à morte. […] Não se pode tipificar esse direito de escolha como caracterizador do aborto proibido pelo Código Penal.”
Gilmar Mendes (a favor): “”O aborto de fetos anencéfalos está compreendido entre as duas causas excludentes já prevista no Código Penal, não citada pelo legislador de 1940 até pelas limitações tecnológicas, imagino. Pode ser considerada uma omissão legislativa não condizente com o próprio Código Penal. Não parece tolerável que se imponha à mulher esse tamanho ônus à falta de um modelo institucional adequado para resolver esta questão. […] A falta de modelo adequado contribui para essa verdadeira tortura psíquica e física causando danos talvez indeléveis na alma dessas pessoas.”
Celso de Mello (a favor): “O crime de aborto pressupõe gravidez em curso e que o feto esteja vivo. E mais, a morte do feto vivo tem que ser resultado direto e imediato das manobras abortivas. […] A interrupção da gravidez em decorrência da anencefalia não satisfaz esses elementos. […] A interrupção da gravidez é atípica e não pode ser taxada de aborto, criminoso ou não.”
Cezar Peluso – presidente do STF (contra): “”Ao feto, reduzido no fim das contas à condição de lixo ou de outra coisa imprestável e incômoda, não é dispensada de nenhum ângulo a menor consideração ética ou jurídica nem reconhecido grau algum da dignidade jurídica que lhe vem da incontestável ascendência e natureza humana. Essa forma de discriminação em nada difere, a meu ver, do racismo e do sexismo e do chamado especismo. Todos esses casos retratam a absurda defesa em absolvição da superioridade de alguns, em regra brancos de estirpe ariana, homens e ser humanos, sobre outros, negros, judeus, mulheres, e animais. No caso de extermínio do anencéfalo encena-se a atuação avassaladora do ser poderoso superior que, detentor de toda força, infringe a pena de morte a um incapaz de prescendir à agressão e de esboçar-lhe qualquer defesa.”