Especialistas aconselham pais a ficarem alertas e a guardarem provas em casos constatados. Indenizações podem chegar a 150 salários mínimos.
(*) Ana Carolina Castro
P.N., 14 anos, foi vítima de ciberbullying. “Ficavam me xingando e me perseguiam no recreio, na saída e até dentro do shopping. Eles iam até onde eu estava e começavam a me xingar, me davam tapinhas na cabeça”, conta o adolescente. Em 2008, quando cursava a sétima série em um colégio particular no Tatuapé, zona leste de São Paulo, pediu à direção da escola para mudar de turma, pois queria estudar com seus amigos de outra sala. “Como eu mudei de sala, alguns alunos começaram a implicar comigo e colocaram o resto da sala contra mim”, explica. O aluno procurou a diretoria da escola mas, segundo ele, a diretora “fazia um discurso bonitinho e ficava por isso mesmo”.
Giovana Del Prette, psicóloga no Paradigma – Núcleo de Análise do Comportamento, explica quais são os fatores que levam uma criança ou adolescente a praticar o bullying: “Os membros do grupo elegem uma ou mais crianças para rejeitar e, enquanto se rejeita, não se é rejeitado, mantendo a coesão da turma”.
A implicância sem motivos com P.N, no entanto, ganhou maiores proporções. “Como eu fui falar com alguém da escola, a situação piorou. Eles ‘hackearam’ meu Orkut, excluíram meus amigos e escreveram coisas horríveis no meu perfil”. Para ele, colocar as ofensas na internet foi a pior agressão, pois “na internet todos podiam ver o que eles tinham escrito”. Os xingamentos eram impronunciáveis, e foram retirados do perfil com a ajuda do irmão de P.N. Mas as sequelas ficam.
O pai do aluno conta que ficou revoltado, pois “colocar na internet uma informação que é mentira acaba denegrindo a imagem da pessoa”. Ele participou de diversas reuniões com coordenadores e psicólogos da escola, mas ressalta que não houve iniciativa em punir os responsáveis. “Há casos que chegam ao limite. Na própria escola eu ouvi o caso de um rapaz que era perseguido e ninguém se deu conta. Ele não teve estrutura para suportar esse tipo de pressão e acabou cometendo o suicídio”, relata. Procurada pela reportagem, a escola afirma que comunicou os pais dos alunos envolvidos sobre o bullying no Orkut, mas ressalta que a instituição desconhece a perseguição sofrida pelo aluno dentro da escola. Os pais, no entanto, afirmam que o caso foi relatado à diretoria diversas vezes e que, não havendo retorno por parte da escola, a única solução foi mudar P. N. de escola.
Especialista em Terapia Analítico-Comportamental, Prette afirma que tanto a vítima quanto o agressor são prejudicados pela prática. “O agressor cria inimizades que podem se reverter e fazer com que, cedo ou tarde, ele se torne vítima. Já a vítima, muitas vezes, isola-se e perde oportunidades de interações saudáveis, passa a ter medo de ir para a escola, de falar em sala de aula, tem sentimentos de baixa autoestima, sente vergonha de contar o que está acontecendo para os adultos e, quando possível, reproduz o comportamento agressivo diante de alguém mais fraco do que ela.”
A psicóloga afirma que para lidar com essa situação os pais devem monitorar os filhos de forma positiva, nem negligenciando, nem superprotegendo. Devem também ensinar a criança a se proteger, para que ela própria aprenda a solucionar problemas. Ou seja, intervir só quando for realmente preciso.
Segundo Prette, o diferencial do ciberbullying consiste na facilidade para agredir, pois o internauta não precisa nem sair de sua própria casa e pode agir muito rapidamente em curtos espaços de tempo e simultaneamente em vários sites. Outro fator importante é a dificuldade de ser pego, já que o internauta pode utilizar lan-houses, nicks, omitir características pessoais, e diminuir muito a probabilidade de ser punido por seus atos.
O ciberbullying na Justiça
Juiz de Direito aposentado, Antonio Jeová da Silva Santos analisa que “nem pais, nem crianças, nem adolescentes ainda se deram conta do quanto o Orkut pode avassalar a intimidade”. Santos também explica: “Se considerarmos que em nosso país existe uma deliberada vontade em fofocar, em destilar maldades em comentários, notamos que é necessário redobrar o cuidado e atenção quando crianças e adolescentes se debruçam no computador e resolvem, com um clique, navegar pelos mares áridos e estranhos da Internet”.
Em seu livro “Dano Moral na Internet”, Santos relata um caso ocorrido no Chile. Um grupo de adolescentes colocou o nome de uma colega em um site pornográfico como prostituta. A Justiça do país determinou a retirada da suposta propaganda e condenou os pais dos menores a pagar uma indenização. No Brasil, a decisão seria semelhante. O valor da indenização por dano moral, que varia entre 50 e 150 salários mínimos, depende de vários fatores, como o grau de intensidade da lesão provocada no espírito da vítima e as condições pessoais do ofendido. O Projeto de Lei do senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG) estabelece novas formas de enquadramento para crimes na internet, mas há muitos ativistas que o questionam.
Santos acredita que o PL será benéfico, mas ressalta que, mesmo sem uma lei específica vigente, o crime na internet não fica impune. Para ele, é “claro que algum diploma legal que disciplinasse de forma específica a internet iria ajudar muito”, mas “não é a ausência de lei que deixa o ofendido sem a reparação necessária”. O juiz complementa: “Cheguei a estudar o projeto de Azeredo e ele me parece muito bom. Suprirá a lacuna, pois a internet é terra de ninguém.”
Para pais de agressores, é importante saber que, se um adolescente usa a internet para ofender um colega, os responsáveis pelo menor respondem ao processo. Já para pais de vítimas, Santos aconselha: “Dependendo do grau de intimidação, o pai deve ignorar. Agora, se a intimidação é capaz de aterrorizar a criança, a solução é colher provas e procurar a polícia.”
* O advogado da escola citada na matéria contatou a redação para intimidar nossa reportagem, mas salientamos que o nome da instituição foi mantido em sigilo para preservar a identidade do aluno.