(*) Kleber Luiz Zanchim –
Independentemente das causas do evento, é preciso admitir que há um longo caminho a percorrer até o país alcançar níveis confortáveis de segurança no fornecimento de energia. Existem, porém, algumas inconsistências, especialmente de ordem regulatória, que representam barreiras no desenvolvimento do setor. O artigo 11 da Portaria nº 735, de 14 de agosto de 2010, do Ministério de Minas e Energia (MME), é um exemplo.
Essa Portaria trata da revisão da garantia física das termelétricas em decorrência do acréscimo de disponibilidade de combustível e/ou da capacidade de produção de energia. “Garantia física, como a própria expressão sugere, é o “lastro” concreto da geração de uma usina. Indica as quantidades máximas de energia e potência elétricas associadas a determinado empreendimento. Em outros termos, mostra qual é de fato o “poder de fogo” de uma unidade de geração. Quanto maior o “lastro”, mais energia a termelétrica pode oferecer ao sistema”, afirma o especialista Kleber Zanchim*.
Para o advogado, é de se imaginar que o interesse nacional seja aumentar o máximo possível a garantia física das usinas. “Porém, do ponto de vista regulatório esse aumento está limitado a 10% ao ano pelo artigo 11. Ou seja, mesmo que uma termelétrica movida a bagaço de cana apresente crescimento anual de 100% na sua disponibilidade de combustível ou na sua capacidade de produção, somente poderá ampliar em 10% sua oferta de energia”, completa.
A restrição, vigente desde meados de 2010, afetou diretamente empreendimentos em início de operação. Nesse estágio, as usinas não estão produzindo em plena capacidade. Por isso, não faz sentido disporem desde logo de todo o combustível que terão condição de utilizar apenas quando alcançarem seu pico produtivo. “O natural é preverem em seu plano de negócios um acréscimo paulatino do insumo, na medida em que vão se organizando para consumi-lo. No cenário atual é muito comum esse acréscimo ser superior a 10% ao ano, especialmente diante do estímulo criado pela grande demanda de energia no país”.
Contudo, o artigo 11 da Portaria MME nº 735/10 não permite que o sistema tire proveito do crescimento das usinas. Sem qualquer motivação sustentável, a norma trava a produção, penalizando o empreendedor e a sociedade brasileira. Trata-se de regra que agride o bom senso e não tem amparo econômico ou social. Ao invés de induzir o progresso, bloqueia-o, com consequências negativas também para o ambiente de investimento no setor de energia.
A restrição causa desânimo em relação à maneira como as autoridades reguladoras administram o sistema elétrico. Sinaliza que o discurso desenvolvimentista do contexto político brasileiro não tem a devida ressonância na elaboração das normas jurídicas. “Qualquer investidor verá nisso um fator de dúvida sobre a efetiva posição do Estado diante do parque energético nacional. “Afinal, os empreendimentos de geração são de longo prazo, já enfrentando diversos riscos e incertezas que impactam sua equação econômico-financeira. Quando se somam incongruências no marco regulatório, agregam-se ainda mais custos e, por decorrência, a decisão sobre o investimento perde incentivo. Isso significa não somente menos energia, mas também menos emprego e renda”.
Dessa forma, o artigo 11 da Portaria MME nº 735/10 é o mesmo que uma descontinuidade elétrica. Precisa ser reparado para que as expectativas dos empreendedores, investidores e consumidores de energia não sejam frustradas. “A regulação está entre os itens mais relevantes do planejamento e deve ser fomentadora da cadeia de geração de eletricidade. Estipulações não razoáveis têm de ser expurgadas para não macular a credibilidade dos que orquestram o sistema. A verdade é que ninguém precisa de mais problemas. Bastam os apagões”, finaliza Zanchim.
(*) Kleber Luiz Zanchim. Doutor pela Faculdade de Direito da USP. Professor da Fundação Instituto de Administração – FIA, do Insper Direito e do GVLaw da Fundação Getúlio Vargas. Sócio de Souza Araujo Butzer Zanchim Advogados.