Medida provisória: o bicho-papão que divide o governo e o Congresso Nacional

(*) Mariana Jungmann, da Agência Brasil –

Enquanto o Senado negocia uma proposta de emenda à Constituição (PEC) para modificar o rito das medidas provisórias (MPs) e dar mais tempo à Casa para analisá-las, analistas políticos avaliam que a melhor solução seria retirar essa prerrogativa presidencial da Constituição.

Não há data certa para a votação da PEC, que precisa ser aprovada em dois turnos de votação no Senado antes de seguir para a Câmara dos Deputados.

De acordo com o cientista político Otaciano Nogueira, da Universidade de Brasília (UnB), a instituição da medida provisória é incompatível com o sistema presidencialista. O professor diz que a ideia da MP foi copiada da Constituição italiana, de 1946, para a Constituição de 1988.

“Só que copiaram da maneira errada. Na Itália, a medida só pode ser usada em casos de calamidade pública ou emergência, não em qualquer situação como aqui. Além disso, lá o regime é parlamentarista, então se o primeiro-ministro envia uma MP e ela é rejeitada, o gabinete cai. Portanto, ele pensa muito antes de enviar uma”, explica o cientista político.

Para Nogueira, nenhum presidente optaria por esperar um projeto de lei tramitar por três ou quatro anos no Congresso Nacional se tiver a possibilidade de editar uma MP – que tem validade imediata e tramitação máxima de 120 dias.

O professor também acredita que a solução não está nas mudanças propostas pela PEC do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP). Atualmente, as medidas provisórias valem por 60 dias, prorrogáveis por mais 60, sem tempo determinado para votação em cada Casa do Congresso.

O texto de Sarney propõe que o rito das MPs mude e que elas passem a ficar no máximo 55 dias na Câmara. Caso não sejam votadas nesse prazo, elas seguiriam para o Senado, onde o prazo para votação seria de novos 55 dias e não haveria abertura para novas emendas de deputados. Caso os senadores propusessem mudanças, a MP seguiria para sanção presidencial. Caso fosse aprovada sem alterações, seguiria para promulgação, como ocorre hoje.

Algumas emendas já foram apresentadas. A que teve mais aceitação foi a do senador Aécio Neves (PSDB-MG), que relatou a proposta na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado. A alteração apresentada por ele, e aprovada na comissão, sugere que o prazo da MP passe a ser de 60 dias para a Câmara, 45 dias para o Senado e, em seguida, mais 15 dias de retorno para avaliação dos deputados, caso haja modificações. A proposta de Aécio prevê ainda que se a medida não for votada pela Câmara em 60 dias, será automaticamente arquivada.

A mudança mais polêmica feita pelo senador, no entanto, foi a de criação de uma comissão de 24 deputados e dez senadores que ficaria responsável por avaliar a admissibilidade da MP e que teria o poder de rejeitá-la antes da apreciação dos outros parlamentares.

Apesar de ter sido aprovada na CCJ do Senado por acordo com a base aliada do governo, o líder do PT no Senado, Humberto Costa (PE), declarou que essa ideia estaria condenada depois do último embate entre governo e oposição, em que duas MP foram arquivadas por decurso de prazo. No dia da votação dessas medidas – último dia de prazo – a oposição obstruiu os trabalhos do plenário e conseguiu que elas não fossem votadas antes da meia-noite. Desde então, as negociações para a votação da PEC ficaram suspensas e ela não foi posta em votação.

“Ainda vai haver uma tentativa [de votar a proposta]. Tem o projeto original [de Sarney], o substitutivo [de Aécio Neves] e a Emenda Valadares”, afirmou Costa na última semana, referindo-se a uma emenda apresentada pelo senador Antônio Carlos Valadares (PSB-SE). Na proposta, as comissões responsáveis por avaliar a admissibilidade da MP ficam sendo as de Constituição de Justiça do Senado e da Câmara.

Humberto Costa reconhece ainda que a PEC precisa ser aprovada, porque tem havido reclamações tanto da base aliada quanto da oposição de que a Câmara dos Deputados atualmente consome praticamente todo o prazo de 120 dias para votar as medidas, deixando o Senado sem tempo para analisar e discutir adequadamente. “Vai sair [a votação], agora se vai ser consensual ou não, eu não sei”, completou o líder do PT.

Para o senador Pedro Taques (PDT-MT), é importante promover as mudanças o mais rápido possível. Na opinião dele, o Poder Executivo tem legislado no lugar do Legislativo por meio das medidas provisórias. “Está no momento de modificarmos o rito das MPs para dar ao Legislativo o poder de legislar. Eu acho que seria bom um recurso ao plenário [para avaliar a admissibilidade da medida], mas também pode ser pela CCJ da Câmara e do Senado”, avaliou o senador, lembrando a Emenda Valadares.

O oposicionista Demóstenes Torres (DEM-GO) defende as propostas feitas pelo senador Aécio Neves (PSDB-MG) e aprovadas pela CCJ do Senado. Segundo ele, foi feito um acordo com os governistas, que ainda não procuraram a oposição para desfazer o entendimento em torno do substitutivo do senador tucano. Apesar disso, Torres reconhece que a Emenda Valadares pode ser aprovada. “É possível, mas por enquanto o que existe é o texto do senador Aécio. Ninguém nos procurou para dizer o contrário”, afirmou .

Para o cientista político Otaciano Nogueira, nenhuma dessas propostas resolverá o problema. “Isso é remendo. A solução é acabar com a MP. A culpa pelo problema é coletiva: do Executivo, que usa excessivamente a MP, e do Congresso, que tem a solução nas mãos para o problema e não o faz”, conclui o professor, referindo-se a uma PEC que retiraria a MP da Constituição.