UFC+BBB: sopa de letrinhas ou convite à degradação humana?

    (*) Ucho Haddad –

    Quando penso que já vi de tudo na vida, não demora a surgir algo para me surpreender, para mostrar que sou um inocente incorrigível, um crédulo, um esperançoso. Nos últimos dias fiquei diante de fatos que proporcionaram estarrecimento, para não ser exagerado. A involução do ser humano é algo que me assusta sobremaneira, não é de hoje, o que torna difícil a compreensão da humanidade. Sempre gostei de sugar a sabedoria dos mais velhos, pois a experiência não deve ser desprezada em momento algum. Dizem os mais experientes que o mundo está a um passo do fim, algo que o cotidiano tem provado com surpreendente acerto.

    Diz a minha mãe que a maldição que ronda o dinheiro vem de muito longe e é inquestionavelmente irreversível. Lembra a minha genitora que por questões apenas materiais até Judas traiu Jesus Cristo. Deixando de lado essa passagem bíblica, aprendi ao longo de mais meio século que o homem é capaz de trair a si próprio por causa de um amontoado qualquer do vil metal.

    Na madrugada do último domingo (15) decidi acompanhar uma etapa brasileira do UFC, o Ultimate Fighting Championship, modalidade esportiva (sic) que só perde em selvageria para o Coliseu, nos tempos em que a insanidade dos governantes romanos fazia parelha com o poder.

    Quando vi na telinha da TV uma multidão incontrolável aglomerada em torno de um octógono que servia como arena para os gladiadores, no Rio de Janeiro, logo conclui que o fim do mundo está mais perto do que muitos imaginam. Pode parecer discurso de gente velha, ultrapassada, mas beira a sandice engrossar a claque de um esporte que tem a violência desmedida como ponto de partida. Sem contar que o evento aconteceu duas semanas depois da virada do ano, quando dez entre dez seres humanos desejam aos seus semelhantes no mínimo um ano de paz.

    Chamou a atenção o fato de o selvagem UFC ter lugar na principal rede de televisão do país, como se a intensa troca de golpes e agressões fizesse parte de um projeto para elevar a capacidade de convivência do ser humano. Atrelado à sensação de impunidade que reina no Brasil, o UFC funciona como endosso àqueles que fazem da violência o dogma maior da existência do homem. O mais impressionante é ver empresas conhecidas patrocinando um evento que é uma ode à degradação humana.

    Para completar essa ópera bufa tupiniquim, o locutor da Rede Globo anuncia o fim de um combate como se estivesse narrando a conquista de uma Copa do Mundo. Televisão é negócio, todos sabem, mas é preciso doses mínimas de bom senso e coerência no momento em que se decide a programação de uma emissora. A quantidade de dinheiro envolvida nessa operação é tamanha, que a lógica é nocauteada muito antes do primeiro golpe levar ao chão um dos gladiadores que fazem a alegria de uma sociedade que chegou ao fundo do poço.

    Se o domingo não começou da melhor forma, a segunda-feira não terminou de maneira diferente. Para encerrar mais um dia de trabalho decidi pinçar algumas informações nos sítios noticiosos, quando deparei-me com a notícia de que um integrante do BBB fora expulso da disputa sob a acusação de estupro. Como tudo inicialmente ficou no campo da mera suposição, o tema ganhou força nas redes sociais, como se fosse o mais normal dos assuntos. E nos próximos dias o imbróglio global será o cardápio de todas as conversas dessa louca Terra de Macunaíma, do Oiapoque ao Chuí.

    Trata-se de uma ofensa ao raciocínio, até mesmo do mais imbecil dos seres humanos, imaginar que uma mulher deita-se com um reles desconhecido acreditando que nada acontecerá depois de roçadas perversas e entrelaçar de pernas propositais. A suposta vítima de estupro disse que pegou no sono e nada mais percebeu. As câmeras do BBB registraram movimentos que remetem o pensamento à conjunção carnal, mas é impossível adivinhar o que ocorreu debaixo de uma coberta global, num quarto onde o entra e sai é constante e ausente de pudor.

    Diz a lenda popular que quem sai na chuva é para se molhar. Isso não significa que o milionário BBB é uma versão moderna e televisada de um lupanar de quinta, da mesma forma que não está em questionamento a idoneidade da suposta vítima. Mas sabe-se também que o vale-tudo é o atalho mais curto para conquistar o prêmio prometido ou galgar a fama depois que o pífio espetáculo terminar. Porém, tirante o prêmio que todos os participantes do degradante programa sonham em conquistar, merece destaque o fato de que o ato sexual em questão, classificado prematuramente de estupro, não foi sentido em momento algum pela mulher que se diz vítima.

    Até mesmo no mais simples dicionário da língua portuguesa o significado da palavra estupro é grafado como um crime em que o agente obriga a vítima a manter relação sexual mediante ameaça ou violência. No caso do BBB não houve consentimento explícito, mas também não existiu violência ou ameaça por parte do acusado. Em outras palavras, será difícil acusar o expulso de estupro. Sem contar que a acusação deve render entrevistas e dinheiro ao degolado.

    A decisão da emissora carioca de eliminar sumariamente o acusado não tem qualquer relação com a violação das regras do BBB, o que a Vênus Platinada nega, mas trata-se apenas e tão somente de uma tentativa desesperada de manter intacta a reputação duvidosa de um programa desqualificado e que desde a primeira edição tem mostrado sua incansável disposição para cornucópia dourada. Por outro lado, não se pode esperar algo diferente de um programa chulo que tem patrocinadores cujas marcas empurram a sociedade à devassidão.

    Depois de alguns longos anos vivendo fora do Brasil, voltei disposto a salvar minha terra natal das garras peçonhentas e imundas dos que frequentam o poder. Uma década depois retomei o projeto de novamente viver longe da usina de desmandos e escândalos em que se transformou esse país tropical, abençoado por Deus e bonito por natureza. Depois do que presenciei nas últimas horas confesso que meu desejo maior é comprar um terreno em Marte, pois a Lua ficou perto demais dessa barafunda que alguém decidiu batizar de Terra.