(*) Renata Amável –
Janeiro de 2012 foi o mês que a vida escolheu para que eu corrigisse um erro imperdoável em relação ao meu conhecimento sobre cidades brasileiras: com quase 38 anos, finalmente tive a oportunidade de ir a Brasília. Apenas uma noite na cidade. Passagem rápida para algumas reuniões de trabalho e apreciação da paisagem longínqua. Ainda assim, consegui visualizar alguns dos prédios oficiais pelos quais a cidade é conhecida. E são lindos. Contrariando todas as expectativas, achei a cidade simpática, limpa, civilizada e verde, muito verde. Okay, estamos no verão e hoje completam cerca de quinze dias de chuvas diárias, mas a primeira impressão foi muito melhor do que eu esperava. Gostei de Brasília. Amor de verão, talvez.
Terminado meus compromissos profissionais, me dirigi ao aeroporto com certa antecedência, pois desde minha saída de São Paulo me abateu uma (já conhecida) vontade louca de comprar um livro novo, afinal estou lendo apenas três no momento. Como estava atrasada no embarque da ida, deixei para meu retorno de Brasília o momento mágico da viagem: quando eu ficaria fuçando a livraria do aeroporto, até encontrar meu próximo grande amor, aquele livro cujo nome não sei, cujo tema mal imagino, mas que, quando encontrar, saberei que foi amor à primeira vista. Diante de tudo isso, você pode imaginar a ansiedade com que fiz check-in e me dirigi à livraria, ao lado da sala de embarque. Tinha tempo, mais de uma hora até chamarem meu voo. Ótimo!
Minha busca começou um pouco chata. Não me lembro de ter visto num aeroporto tantos livros sobre política, Estado, líderes, poder e afins. Não estou falando dos clássicos de Maquiavel, que batem cartão nas livrarias de aeroportos, mas dos mais novos títulos sobre o tema: passando pelas biografias de Dilma e Lula, até o livro de FHC, livros sobre Justiça, líderes, também o livro da primeira-dama do Estado de São Paulo falando sobre caridade, mas curiosamente exposto com os demais livros de política. Definitivamente esse não era o tipo de amor que estava procurando. Tinha pensado em ler alguma coisa (a mais) sobre Tarsila do Amaral, Frida Kahlo (saiu uma biografia nova dela fantástica, que vi no embarque da ida – deveria ter comprado em SP), ou então alguma coisa entre a filosofia e a psicologia, mais de Clarice Lispector, os novos livros do Luís Fernando Veríssimo, ou Martha Medeiros, qualquer coisa da Lia Luft, ufa! Como você vê, em termos de amor literário sou bem democrática. Mas não, o que tinha era política: normal para uma cidade que é a capital do “Império”.
Apesar de a minha bagagem de mão estar pesando no meu ombro esquerdo, e volta e meia dando um puxão no meu cabelo, continuei minha busca, determinada a encontrar aquele que me faria feliz durante os noventa minutos de retorno a minha cidade. Fui andando por corredores mais suaves da livraria, onde se via os grandes livros do momento, mas nada que realmente me atraísse: Steve Jobs, as dezenas de edições de Cavalo de Tróia (você já viu o tamanho do nono fascículo? Devia ser vendido por peso, para que os editores não tenham prejuízo), tudo sobre Vampiros e livros para adolescentes, guias de viagem (se tivesse um do Marrocos, a minha busca terminaria ali, mas não!). Esses setores se limitavam a mais ou menos dois metros de prateleiras, muito pequeno para o tamanho da livraria. Contudo, grande parte do restante da loja era ocupada por livros de… adivinhou? AUTO-AJUDA! Absolutamente nada tenho contra quem deseja melhorar seu autoconhecimento, pelo contrário. Ler sobre Psicologia, Filosofia, Poesia é tão fundamental quanto beber água. Mas sinceramente acho que os livros de auto-ajuda deveriam ser censurados. Pense comigo: um livro que diz na capa o que você deve fazer para ser linda, poderosa e os homens caírem aos seus pés deveria ser proibido… Simplesmente porque ser linda e poderosa é uma questão de ponto de vista (tem gente que acha o pessoal do BBB lindo e poderoso). E ninguém, repito, NINGUÉM sabe a fórmula para em 100 páginas ensinar a uma mulher como os homens cairão aos pés dela…. Olha o perigo. A mulher compra esse livro e acha que é verdade! Imagine a decepção, coitada. E não param por aí… Há livros que ensinam a amar e fazer sexo (separadamente), outros como fazer para enriquecer em um ano sem abrir mão de nada, outros ainda como criar filhos, netos e bisnetos felizes, ricos e magros. MEU DEUS! Que horror! Esses livros mentem! Não acreditem neles, pois se houvesse alguma maneira mágica de você ser rico, feliz, magro e ter todos os homens ou mulheres aos seus pés, o Bill Gates já teria comprado a fórmula e adaptado para um software.
Agora, reparou na correlação? Livros de política e poder de um lado, livros sobre como ser mais feliz de outro? Quase como se fossem complementares… Será que a política deixa você infeliz? Ou é por ser infeliz que você tenta a política? Alguém me ACODE com um Ariano Suassuna urgente? Até Jô Soares tô aceitando…
E a mala tá pesada… mas não desisto, estou no final da livraria quase desesperada, há de existir algo que faça essa minha saga valer à pena.
Eis que num momento de luz algo me chama a atenção. Um livro cujo título é “O Sorriso da Cachorra”. Poderia ser um livro de filosofia, de suspense, ou até mesmo sobre animais, se não tivesse na capa uma foto de um coito humano… para tudo!
ABRI O LIVRO! Não consegui ler nada que confirmasse minha suspeita, então li a orelha do livro: Sim, eu leio orelhas de livros. E leio bulas de remédios também… mas isso é outra história. A orelha confirmava: era a história tórrida de amor e sexo de um casal jovem na cidade de Maceió. O texto era tão ruim, tão ruim, que usava onomatopeias em grande parte da narrativa. Era um tal de HUU pra cá, ARGH pra lá que conseguiu arrancar de mim uma sonora e deliciosa gargalhada no meio da livraria.
Política, auto-ajuda e o “Sorriso da Cachorra”! Saí da livraria sem comprar livro algum e decidi que quem me faria feliz naquele dia seria uma farta fatia de bolo de chocolate com café, no aeroporto de Brasília, de onde eu feliz da vida escrevo essa crônica.
(*) Renata Amável, paulista de Santo André e atenta fiscal do cotidiano, é formada em Ciências da Computação com especialização em Marketing e Negócios