Ética: sobrou na transmissão do triunfo do Corinthians, faltou no preâmbulo da vitória de Anderson Silva

    (*) Ucho Haddad –

    O que é ética? É aquele ingrediente invisível que, do berço à idade adulta, os pais colocam sorrateiramente em nossas refeições, da mamadeira à famosa “papinha”, do acepipe à sobremesa. O doce sabor desse produto, misterioso até então, será percebido tempos depois nas estradas da vida, em suas curvas e ladeiras.

    Quando veio à baila a discussão sobre a exigência ou não do diploma universitário para o exercício da profissão de jornalista, muitos dos que defendem a necessidade do famoso “canudo” alegaram que o banco da escola é a senha para se aprender o que é ética. Em minha modesta opinião, ética, como já demonstrado, é algo que se aprende no berço, quiçá esse aprendizado não ocorra desde o ventre materno. Resumindo, muito antes de chegar à universidade o cidadão já tem enraizado em sua personalidade o conceito da ética. Sempre lembrando que há diplomados e diplomados, causa náuseas a falta de ética de alguns que andam com o “canudo” debaixo do braço como se fosse o maior dos troféus.

    Nos mais concorridos dicionários da língua portuguesa, a palavra ética é definida como a parte da Filosofia relacionada aos valores morais e à conduta humana. Sendo assim, ética no jornalismo é quando o profissional de comunicação não transgride moralmente ao noticiar determinado fato ou assunto, respeitando o próximo que é alvo da notícia, sem a ele dedicar insinuações de qualquer natureza e não importando o interesse que eventualmente exista por trás do tema. Isso não significa que a ética constitui um empecilho ao jornalismo opinativo, pois opinião é uma coisa, ofensa é outra.

    Com a obsessão cada vez maior das emissoras de televisão por elevados índices de audiência, o que representa mais dinheiro entrando nos cofres da empresa, alguns profissionais da imprensa verde-loura deixam a ética de lado e partem para a apelação desmedida quando a ordem é prender a atenção do telespectador. Muitas vezes o fazem por imposição superior, sob a desculpa da necessidade de sobrevivência. Lembre-se, contudo, que entre polêmica e falta de ética há uma enorme diferença, mas alguns profissionais simplesmente ignoram qualquer assunto relacionado ao tema. E como consequência imediata substituem a crítica embasada por um ataque insano qualquer.

    Para provar que ética, no jornalismo ou em qualquer outro ofício, é uma questão cromossômica, ou de DNA, decidi comparar dois recentes e concorridos eventos esportivos. Para que a comparação tenha uma lógica sequencial começarei pelo fim, ou seja, pelo último evento em questão.

    No último final de semana, sob um punhado de polêmicas declarações de parte a parte, o brasileiro Anderson Silva subiu no octógono do UFC, em Las Vegas, para derrotar o norte-americano Chael Sonnen em mais um duelo truculento que colocou em jogo o cinturão da categoria. Como se sabe, o lutador brasileiro venceu a peleja e manteve o título. Pois bem, com a audiência do UFC crescendo a passos largos no Brasil, a fórmula para atrair para a telinha os adeptos da violência se resume em um trinômio condenável: entrar na polêmica dos lutadores, incorporar o vocabulário que domina o esporte e abusar da verborragia irresponsável.

    Possivelmente um dos narradores esportivos com maior índice de rejeição em toda a história da televisão brasileira, Galvão Bueno, antes do início do confronto, rotulou Sonnen como “gladiador bandido”. Tudo porque o lutador norte-americano já teve problemas com a Justiça do seu país, que o acusou de fraude imobiliária e lavagem de dinheiro. Considerando que a Justiça ianque não é tão frouxa como no Brasil, Chael Sonnen por certo está em dia com os tribunais norte-americanos. Do contrário, estaria contemplando o nascer do astro-rei de forma geometricamente distinta. De igual modo não importa se Sonnen foi condenado, pois se isso de fato ocorreu o cumprimento de eventual pena o reabilitou, ao menos em tese.

    A abusada fala de Galvão Bueno mostra não apenas o preconceito do ser humano com aqueles que por um acidente de percurso tiveram de acertar as contas com a Justiça, e que depois não podem acertar, mas deixa claro que a guerra pela audiência é um vale-tudo com direito a rapapés de última hora. Se decidir processar o narrador da Vênus Platinada, Sonnen decerto avançará no bolso de Galvão Bueno com a devida autorização judicial.

    Mas nem só de abusados e soberbos vive a emissora da família Marinho, considerada por muitos como um dos mais nocivos tumores da vida nacional. Na quarta-feira, 4 de julho, o Corinthians pisou no gramado do Estádio Paulo Machado de Carvalho, o lendário Pacaembu, decidido a derrotar o forte Boca Juniors e levar ao Parque São Jorge o título de campeão da Libertadores da América. No comando do microfone “globeleza” estava o competente e correto Cléber Machado, cuja trajetória profissional fala por si só e dispensa salamaleques de companheiros de profissão.

    A conquista corintiana, como escrevi em artigo anterior, só foi possível porque triunfou o lado viável da ousadia e prevaleceu a pujança do sonho. Naquela noite, porém, o responsável por derramar alegria no Pacaembu foi o atacante Emerson Sheik, brasileiro naturalizado qatariano. Em 2006, o jogador foi preso pela Polícia Federal no aeroporto do Rio de Janeiro no momento em que tentava embarcar para os Emirados Árabes com um polêmico passaporte. A certidão de nascimento, usada para a emissão do referido passaporte, informava que o atleta nascera em 6 de dezembro de 1981, em Nova Iguaçu, com o nome Márcio Emerson Passos, mas sua certidão original atesta que ele nasceu em 6 de setembro de 1978, com o nome Márcio Passos de Albuquerque. Resumindo, Sheik fez o que no futebol é conhecido por “gato” e rebatizou o felino.

    Recentemente, Emerson Sheik foi denunciado pelo Ministério Público Federal por lavagem de dinheiro e contrabando no caso da compra de um carro de luxo importado dos Estados Unidos de forma ilegal. O jogador que fez a alegria dos corintianos tem, sim, problemas com a Justiça, mas nem por isso foi rotulado por Cléber Machado de “goleador bandido”, até porque não o é.

    Diferença entre Emerson Sheik e Chael Sonnen inexiste, pois ambos são atletas competentes e já tiveram problemas com a Justiça, o que não os faz piores. Porém, entre Galvão Bueno e Cléber Machado a diferença está na forma como os pais de cada um preparam a mamadeira que deram aos seus filhos, pois diferentemente do que alegam os enraivecidos defensores do diploma de jornalista, ética não se encontra debaixo da carteira escolar.

    É possível que surja algum incauto ou ousado para afirmar que Galvão Bueno não é jornalista, mas acima do enfadonho e soberbo narrador há, com boa dose de certeza, um diretor de jornalismo que se até agora não percebeu a extensão da bobagem cometida, ainda há tempo para consertar o estrago.