O homem: de carnívoro a herbívoro

(*) Régis Salgado –

Quando falamos em cadeia alimentar, temos de ter em mente o motivo de sua existência. Para compreendermos esta pirâmide temos de entender, antes de tudo, os seus “porquês”. Por que comemos? Antes de ser um prazer, como muitos acreditam, a alimentação é o ato de fornecer ao nosso sistema (corpo) elementos necessários à sobrevivência.

O nosso organismo requer uma quantidade de energia para manter-se em funcionamento. O cérebro coordena esta função, mas quem a realiza são as células (menor unidade viva do nosso corpo) através de uma reação química envolvendo dois elementos: glicose e oxigênio. Desta reação ocorre a formação de uma substância chamada Adenosina Trifosfato e a liberação de energia, que é convertida em trabalho, ou seja, fazendo nossa máquina funcionar.

Os seres vivos responsáveis pela síntese (fabricação) de glicose são os vegetais. Quando falamos em carboidratos é preciso destacar que se trata de cadeias de glicose. Em outras palavras, quando comemos um carboidrato estamos ingerindo glicose.

Na cadeia alimentar as plantas são a base, o que não lhe confere o status de principal patamar, mas, sim, o último. Considerando a interpretação errônea da verdadeira função dos vegetais, atribuindo posição de destaque na cadeia alimentar, carnívoros comem herbívoros, que por sua vez comem vegetais.

Os vegetais fabricam glicose a partir da clorofila, que irradiada pelo sol libera o açúcar (glicose). Mas é só isto que os vegetais fornecem? Não, fornecem também minerais e vitaminas que são utilizados nas reações químicas próprias de cada vegetal. (Lembrando que muitos ou a quase totalidade dos medicamentos derivam de vegetais).

Se voltarmos no tempo, encontraremos o nosso primitivo Homo Sapiens, que para sobreviver alimentava-se de animais, os quais caçavam geralmente herbívoros. A caça nem sempre foi abundante e próxima à casa destes seres ancestrais, o que explica o fato de eles terem sido nômades. O ritmo de alimentação não passava de duas a três refeições semanais. O grande problema era como ter energia para sobreviver, caçar e lutar, às vezes contra predadores e outros “homens”. Para garantir a sobrevivência, o nosso corpo desenvolve uma substância derivada da glicose, que tem como uma de suas funções a geração de energia. Para isso o sistema fermenta (reação sem presença de oxigênio) a glicose e forma um álcool chamado Glicerol, combina com um ácido em menor porcentagem e forma o lipídeo, conhecido como gordura.

Assim como nós, homens modernos, o Homo Sapiens tinha o pior sistema de defesa, ou seja, não sentia cheiro a médias distâncias, não enxergava na ausência da luz e não tinha um sistema auditivo bem desenvolvido. De tal modo foi obrigado a desenvolver armas para caçar e se proteger, o que resultou no desenvolvimento da inteligência acima da média de outros animais.

Com o passar do tempo, o Homo Sapiens estabeleceu território e defesas, passando, assim, de pequenos grupos de 4 a 5 elementos a tribos e, por conseguinte, a povos.

Até esta fase a alimentação ainda era carne de caça (animais herbívoros), mas o homem (agora já desenvolvido) resolveu agregar territórios aos seus domínios e assim começaram as guerras.

Na Idade do Ferro, o homem guerreava com armas metálicas que pesavam em torno de 10 kg. As lutas duravam meses, até anos durante, mas era uma operação diurna, pois à noite os exércitos se recolhiam para descansar e se alimentar. Mas quem foi caçar para alimentar o exército? A caça era abundante noslocais de guerra? Com o barulho das guerras os animais fugiam, portanto caça não era o alimento.

O que comiam os exércitos? O que havia em abundância nos campos de batalha: vegetais. Os exércitos comiam raízes, folhas, frutos, sementes e caules dos vegetais que estavam nos campos próximos. A partir daí, os vegetais entraram na nossa alimentação.

Com o passar dos anos veio a industrialização, a era das máquinas, do trabalho operário, mas principalmente trabalho braçal e mal remunerado. Novamente: o que vai servir de alimento para esta população? O mais barato dos alimentos, os vegetais.

Os vegetais geram energia, mas também geram formação de gordura. Na guerra, assim como no trabalho braçal, o gasto energético do organismo é alto, o que faz com que a gordura formada seja consumida.

A proteína vinda dos animais, devido ao preço elevado, passou a ser ingerida em menores quantidades.

Chegamos aos dias de hoje: a produção em larga escala de vegetais, com preços menores e com mais variedades de subprodutos, acabou por tornar nossa alimentação praticamente vegetariana. Diria que 80% do nosso prato diário são representados por carboidratos. E isso ocorre por várias razões: facilidade, comodidade, custo, modismo, entre outros.

Teria a nossa herança carnívora desaparecido? Não, continuamos carnívoros, temos dentes caninos (só os carnívoros têm), precisamos de proteínas, ferro, ácido fólico, complexo B (composição da Hemoglobina, nosso sangue), etc.
Conseguimos retirar todos esses ingredientes dos vegetais? Nem sempre e em poucas quantidades. Por outro lado, estamos acumulando mais gorduras, pois não temos mais tanto trabalho físico como antes. Nunca na história da humanidade o homem esteve com tanta gordura acumulada.

A mudança de animal carnívoro para herbívoro não se fez por evolução ou por adaptação como prevê a Lei de Darwin, mas, sim, por uma imposição de necessidade. Nos dias atuais, essa imposição se dá por razões mercadológicas, relacionadas à produção de alimentos, que nem sempre buscam a real necessidade de nutrição, mas de comercialização.

Nesta mudança de posicionamento, de carnívoro para herbívoro, acabamos por criar condições favoráveis para o desenvolvimento de doenças ditas metabólicas, provocadas por mau funcionamento do sistema ou, quem sabe, por alimentos inadequados ao nosso organismo.

O homem é o animal que melhor se adapta a qualquer condição, por isso somos a espécie dominante na Terra, a que melhor desenvolveu o sistema intelectual. Porém, não houve mudança no nosso funcionamento e ainda mantemos as mesmas funções fisiológicas dos nossos ancestrais Portanto, por mais que comamos vegetais e seus subprodutos, ainda somos carnívoros.

(*) Régis Salgado é médico endocrinologista