Argentina ameaça licitar licenças do Clarín se grupo não se adequar à nova lei

Democracia ameaçada – O governo argentino anunciou no último sábado (22) que se o Grupo Clarín não se adequar ao número máximo de licenças permitidas pela Lei de Meios Audiovisuais, aprovada em 2009 pelo Congresso e ratificada pela Suprema Corte, estas serão designadas a novos titulares mediante concurso público.

O anúncio foi feito por meio de um vídeo no qual se afirma que, com 240 sistemas a cabo, nove rádios AM, uma FM e quatro canais de TV aberta, o Clarín foi o único grupo que não iniciou os trâmites para enquadrar-se à lei, pela qual cada conglomerado de comunicação pode operar no máximo 24 licenças a cabo e dez pelo sistema aberto.

A data limite para que a desconcentração prevista pela Lei de Meios entre em vigor é 7 de dezembro, segundo determinação da Suprema Corte de Justiça, em maio, após o julgamento do recurso promovido pelo grupo contra o artigo 161, que tem como objetivo “evitar monopólios”. O vídeo divulgado no sábado classifica a quantidade de licenças do grupo como “uma verdadeira rede nacional ilegal”.

“Vários grupos empresariais de mídia iniciaram os trâmites para cumprir a lei nos últimos meses. E quem ainda não aceita a lei? Adivinhe: Só faltou o grupo Clarín”, diz o narrador do vídeo, antes de dizer que, apesar de transcorridos três anos desde a aprovação da Lei de Meios e quase um ano da sentença judicial que prevê o cumprimento da mesma, “o Grupo Clarín se nega a tudo”.

O vídeo enfatiza ainda que a falta de adequação à legislação “ignora os três poderes democráticos”: “Ignora o Executivo, por não reconhecer a Autoridade Federal de Serviços de Comunicação Audiovisual (Afsca), o Legislativo, por não cumprir com uma lei aprovada pelo Congresso há três anos, e o Judicial, ao desconhecer os termos da sentença da Suprema Corte”.

“Mas pode um grupo empresário estar por cima das instituições democráticas de um país?”, questiona o narrador. “Claro que não”, conclui, explicando que “se o Clarín continuar se negando a cumprir a lei, o Estado se verá obrigado (…) a adjudicar as licenças que excedam o máximo autorizado pela lei a novos titulares, que obviamente deverão cumprir todos os requisitos legais”.

O procedimento que será tomado a partir de 7 de dezembro (ou “7D”, como apelidado no vídeo), no entanto, ainda é desconhecido. A propaganda esclarece que o Estado não expropriará nem estatizará meios de comunicação, mas “garantirá as fontes de trabalho e o cumprimento de uma lei que democratiza a informação nos meios de comunicação na República Argentina”.

“No pasa nada”

A resposta do Grupo Clarín foi transmitida no mesmo dia, também através de um vídeo, no qual o maior conglomerado de comunicação argentino afirma que “no dia 7 de dezembro não deve acontecer nada” com seus veículos. Segundo a mensagem, uma liminar ratificada pela Suprema Corte, após um recurso de inconstitucionalidade contra dois artigos da Lei de Meios, prevê que o cumprimento da legislação pode ser adiado.

“Este processo está em pleno trâmite. (…) Se no dia 7 de dezembro este processo não terminou, não acontece nada. A liminar pode ser prolongada, como disse a Corte. Ou pode começar a transcorrer em um ano a mais o prazo estabelecido pela própria Lei de Medios. A Justiça tem no mínimo este ano para resolver o processo de inconstitucionalidade”, diz o vídeo do grupo sobre o prazo para ajustar-se à legislação.

Em letras maiores, o vídeo enfatiza: “Enquanto isso, não deve acontecer nada”. “É dito pela lei, é dito pela justiça, é dito por todos os constitucionalistas. Então, o que se busca com o relato oficial? Preparar o terreno para outra coisa? Terminar com o Estado de Direito na Argentina?”, questiona o narrador em resposta ao vídeo governamental.

Ambiguidade

As versões contraditórias na guerra entre as duas partes se devem a divergências sobre a aplicação da liminar obtida pelo grupo Clarín. Para Martín Becerra, especialista em políticas, planejamento e concentração de meios de comunicação, a origem da batalha interpretativa está na ambiguidade do texto da Justiça.

Segundo ele, a falta de precisão da sentença faz com que alguns especialistas considerem que a situação do grupo Clarín será difícil após o dia 7 de dezembro, enquanto outros, mais simpáticos ao conglomerado, encontram possibilidades para que atrasar a adequação à lei.

“Se o sistema se concentra durante muito tempo, como com a propriedade dos meios de comunicação, a Justiça não é alheia a isso. Neste caso, [foi] um poder do Estado que deu aval, seja por ação ou por omissão, e isso não muda da noite para o dia. Então efetivamente a justiça foi muito morosa para expedir-se sobre a questão de fundo [a desconcentração de meios de comunicação], que é provavelmente uma das batatas mais quentes da Argentina”, afirmou.

“Há um ano de diferença entre o que o Clarín interpreta e o que interpreta o governo. Pessoalmente, do ponto de vista histórico e político, acho muito difícil que aconteça algo em 7 de dezembro por uma razão simples: o sistema de meios na Argentina se concentrou durante décadas e não se desconcentra em um dia”, afirmou Becerra a uma rádio local. (Do Opera Mundi)