A ponta do iceberg da corrupção no Rio de Janeiro e seus subterrâneos

(*) José Paulo Grasso –

O Rio precisa acordar para a importância decisiva da participação ativa da sociedade na construção do seu próprio futuro. É uma aberração ver a nossa economia, que foi ao fundo do poço, ser vendida como que saneada por uma insólita governança “Cabral/Paes” sem planejamento algum, a não ser o fato de ser blindada por uma suspeitíssima coligação de vinte partidos políticos mancomunada com uma mídia que nos “vende” uma realidade virtual, totalmente dissociada da das ruas.

Resultado: crescemos 4,5%, mesmo gastando bilhões a mais que outras unidades federativas, enquanto a média nacional foi de 7,5% (IBGE). Até quando assistiremos indolentes aos bilhões investidos nos eventos mundiais serem “torrados” sem a menor chance de retorno, mesmo sabendo que a conta chegará e que nós teremos que pagá-la, sentindo na carne as consequências da nossa apatia?

O Prefeito, logo após ser reeleito, fez questão de deixar claro o seu “caráter” à TV Folha: “Esse negócio de olimpíada é sensacional, preciso usar como desculpa para tudo. Tem coisa que tem a ver com a olimpíada. Tem coisa que não tem nada a ver, mas eu uso”.

Ou seja, o negócio é ele e seu bando faturarem bilhões e ainda impedir que o Rio se desenvolva através de uma proposta que una toda a sociedade e injete U$ bilhões/ano na nossa combalida economia, com todos ganhando, para que nada mude.

Não há planejamento na saúde, educação ou mesmo nos transportes, mas para mamatas milionárias há, e como! O parque natural de Marapendi foi acintosamente invadido para que um bando, isto mesmo, um bando ganhe bilhões. Descaradamente, regras lesivas aos interesses municipais foram rapidamente legisladas para permitir essa marmelada. Do nada, surgiu uma estação do BRT em frente a um desconhecido golfe olímpico e mais rápido ainda aconteceu a autorização para a construção do tal campo “público”, bem como 23 torres de 22 andares em 7% da área total, quando antes se poderia, eventualmente, construir em até 5% e com gabarito muito menor. Ato contínuo registrou-se terrenos com problemas cartoriais há décadas, com excepcionais vantagens construtivas para todos os envolvidos. Foi autorizada também a construção de mais quatro prédios de seis pavimentos com 3 andares subterrâneos, dando um total de mais de 436 apartamentos para uma rede de hotéis, além de dois condomínios residenciais de luxo com outras 80 unidades. Só uma jovem parcela da população organiza manifestações contra estas negociatas. E você, cidadão?

Ultrajante: vereadores, que durante suas legislaturas, como comprovado, só se preocupam em delimitar seus currais eleitorais (favores como podas de árvore, iluminação pública, tapar buracos e outras ações estritas da prefeitura), além de dar medalhas ou homenagens com claros propósitos políticos, aprovam isso na calada da noite. É o plenário que mais dilapida numerário no país, não apresentando nenhum resultado, a não ser essas “jogadas”. Seu interesse é que tenhamos um cipoal de leis municipais, algumas ainda do século XIX, apresentando dificuldades, para que “supostamente” alguém possa lhe achacar ou vender facilidades.

Como nenhum dos novos vereadores quer mudar esse quadro absurdo, o Acorda Rio propõe que pressionemos a OAB, para que junto com os mais notáveis juristas do Rio modernizemos a legislação municipal. O munícipe terá direito de influenciar o retorno de seus impostos em serviços dignos para sua qualidade de vida, além de ter leis que estimulem a autossustentabilidade e a sustentabilidade da atividade socioeconômica, cultural e ambiental, de forma ética e transparente, como onde a economia funciona para os seus cidadãos, ao invés de para extorqui-los como é hoje. Temos que acabar com essas maracutaias, que nos afligem há décadas.

Precisamos nos unir e lutar por esse direito democrático que marcará o início de mudanças críveis. Como se constatou, as leis que demarcam a reserva, assim como todas as outras, foram maliciosamente feitas para serem burladas de acordo com interesses escusos de bandos que lucrarão absurdamente em cima do patrimônio público, em detrimento do interesses da população, como observamos.

Vamos aos fatos: Não construíram ali antes porque havia um impedimento, suspeição de que a área é pública. Agora, sub-repticiamente, pode. Então, o valor de um apartamento normal lá é de X. Quanto valerá se for dentro de um campo de golfe olímpico? Um triplo “X”; pornográfico, não? Esse “Green” terá um padrão arbóreo completamente diferente do resto da reserva, mas isto não interessa, assim como a eliminação de uma área de reserva ambiental, matando um projeto antigo de golfe que não era danoso. Para esculachar ainda mais, eles se oferecem para fazer “grátis” as ligações de esgoto que hoje é despejado na reserva com a nova rede sanitária. Imaginem para quanto irá subir aquele valor “X” ao serem oferecidos imóveis dentro de uma linda reserva sete vezes maior do que o Jardim Botânico, com exemplares de fauna e flora típicas de Mata Atlântica, agora despoluída? Ganharão bilhões nessa mutreta!

Claro que não será feito o estudo de quanto essa empresa terá que ressarcir a prefeitura (os milhares de imóveis irão impactar o esgotado trânsito da área), já que serão necessárias obras infraestruturais para aumentar a fluidez do tráfego. A manutenção do campo de golfe é caríssima; quem a pagará? Na primeira oportunidade será adotado pelo condomínio e quem são os jogadores de golfe “grátis” que irão reclamar? É uma torpe tacada bilionária, brilhantemente executada! Temos o dever de inviabilizar esta “jogada”, para servir de exemplo a esses “mequetrefes” que agem como se a população do Rio fosse alienada.

Repare os lucros que essas empresas têm há décadas ao, criminosamente, construírem sem planejamento urbano e burlando o saneamento básico. A poluição da Baía de Guanabara é um crime ecológico, os interceptores oceânicos perpetuam isso de forma lesiva aos interesses dos cidadãos, que, em breve, perderão a oportunidade de usufruírem das praias porque é notório que o Rio virou uma imensa cloaca a ponto de explodir, jogando dejetos sanitários para todos os lados. Na contramão de outras sociedades que estão despoluindo seus passivos, como no rio Tâmisa, que hoje leva hordas de turistas para ver salmões pulando rio acima até a desova nas nascentes.

A Baía de Guanabara deveria estar despoluída, incorporando por ano bilhões de dólares através do turismo, à economia do Rio, dando alegria aos cariocas, que desfrutariam de praias usadas por nossos avôs e que hoje estão nojentas. Onde estão os bilhões já investidos? Não podemos passar vergonha nas Olimpíadas e perder a bilionária atividade turística que mudará os rumos do Rio. Precisamos nos unir em prol de uma legislação que ponha estas coligações corruptas na cadeia.

Agora se entende porque uma empresa, dona de um terço dos terrenos da Barra, declarou que construiria “trinta anos em cinco”, aproveitando os eventos midiáticos. Sabia que os milhares de imóveis construídos tumultuariam o problemático trânsito local e esgotariam toda a precária infraestrutura local de luz, água e esgoto e mesmo assim as executa. Repare que ruas e calçadas da zona sul são muito mais largas que as da Barra, sendo que os edifícios são muito mais baixos que suas torres. Como ficarão as ruas que hoje estão completamente engarrafadas quando esses imóveis forem ocupados? Como se autorizou isso? Essas foram as empresas que bancaram a reeleição do Eduardo Paes.

Quanto se faturou nessas licenças? Em São Paulo, pouco tempo atrás, estourou um escândalo similar e descobriu-se que só o diretor municipal que as liberava comprou mais de 100 imóveis em seis anos. E o tal Porto Maravilha? Sua inspiração vem do que houve de pior em São Paulo, proibido por lá, tamanho o dano causado na qualidade de vida. De lá surgiu o logro das CEPACs que “custearão” a demolição da perimetral, permitindo “supostamente” polpudas comissões, já que até hoje os custos não são conhecidos e trocando o seis pelo meia dúzia, sem resolver gargalos de décadas, mas permitindo a construção de 5 mil edificações, a maioria com 50 andares, como se aquela região central permitisse esta loucura. Isso liquidará a qualidade de vida da cidade ao paralisar comprovadamente seu principal eixo viário.

Esta irracional especulação imobiliária provocará o caos, já que se admite publicamente que a Barra, por exemplo, terá mais habitantes do que Niterói em 2020, mesmo sem planejamento para isso, num disparate total. Quem comprar um imóvel pelos preços atuais ficará com prejuízo nas mãos, sendo que, todas as áreas periféricas a Barra têm licenças de obra, estão construindo e vendendo como se fossem na Barra. No pós-2016, as contas chegarão, enquanto as obras de infraestrutura, dos eventos e as da especulação imobiliária cessarão, provocando um desemprego maciço, que arrastará à falência as empresas periféricas ao setor, junto com uma queda do preço dos imóveis estimada em até 50% do valor, porque a FGV já disse que esse movimento é irracional e despencará junto com a descoberta de que a realidade do Rio não mudou, em cima das promessas midiáticas de transformação da Copa e das Olimpíadas.

Só que o movimento mundial é claro: as megalópoles vão inchar cada vez mais porque a cada dia menos pessoas trabalham no campo. Em função dessa realidade, a construção civil e imobiliária se tornaram os pilares econômicos, sendo necessário ter planejamento urbano para que ela se desenvolva de forma uniforme e contínua, porque a economia dependerá dela. Sabendo disso, por que aqui no Rio as coisas caminham deliberadamente para o caos, conforme estamos vendo?

É muita falta de civilidade “deixarmos” esta vil administração pública arrasar nosso futuro. Repare que além de deliberadamente provocar o caos administrativo para “supostamente” enriquecer ilicitamente, ainda exigem que a população a apoie na questão dos royalties (estudos comprovam que esta grana some e não traz nenhuma consequência positiva para a população), mentindo quanto a sua necessidade, já que fazem uso dela de forma incompatível com sua real destinação. Como na CEDAE, que não tem previsão de expansão, mas irá à bolsa para conseguir três bilhões “suspeitamente” para uso do governo estadual. Isso tem que acabar!

Vejamos a indecência do Maracanã. Na Alemanha, a construção da Allienz Arena, onde se jogou a final da Copa de 2006, englobou um complexo de sete andares (quatro de garagens) com shopping. Tudo construído por menos do que o gasto exclusivo com o estádio no Rio. Não há explicação para os valores contratados, nem para os atrasos que aumentarão ainda mais os custos finais. O dinheiro do investimento jamais será recuperado e agora farão uma licitação por 30 anos em que receberão R$ 7 milhões anuais para cobrir um rombo estimado acima de 100 milhões anuais, só de juros, sem falar no principal e na mora. Ignorando-se totalmente qualquer escrúpulo com o bem público, resolveu-se encomendar um estudo para tornar esta estrutura obsoleta em algo que desse lucro para “alguém”. Para isso contratou-se uma empresa “parceira” (empresta aviões e outros “favores”), que recebeu “um qualquer” para fazer os estudos e o edital e ignorar que o Maracanã é um complexo educativo/esportivo da população, resolvendo-se pela destruição fortuita dos patrimônios históricos, culturais e esportivos próximos, ignorando totalmente a sociedade. Agora teremos um misto de shopping, mega shows e estádio de futebol numa nova mamata descarada. E os nossos “vereadores” permitem isso… Eles não são uma gracinha?

Nos EUA, não se faz mais este tipo de coisa há mais de uma década, porque fatalmente criará problemas infraestruturais nos serviços básicos centenários locais, além de esvaziar por completo o comércio de ruas próximas, que ficarão desertas, provocando insegurança. Chovem protestos, mas os dirigentes blindados pelo “apoio” da suspeita coligação partidária de vinte partidos ignoram por se acharem acima da lei.

Todos os legados olímpicos foram impiedosamente criticados, por serem falaciosos. É emblemático que queiram fazer um Centro de Convenções Internacional (CCI) no desértico e fedorento Canal do Mangue. O negócio é fazer obras, ganhar “supostamente” uma comissão, porque o contribuinte não reclama se elas não dão retorno no capital investido. Só que o Ministério Público anulou a licitação e mandou devolver prêmios e dinheiro ao constatar diversas irregularidades, além do que o mentor do imbróglio confessou sua total ignorância na matéria.

Agora se discute o sexo dos anjos, se o píer em Y atrapalhará ou não a vista do Mosteiro de São Bento, enquanto o escândalo de se colocar verbas públicas para privilegiar um consórcio vencedor de uma licitação, coisa estranhíssima, não é levado em consideração, aliado ao fato que o projeto não tem a menor funcionalidade e promoverá um furdunço no desembarque, evidenciando internacionalmente a incapacidade administrativa do Rio. É interessante destacar que esse descompromisso com o retorno do capital investido é uma constante na nossa administração, ou seja, não querem deliberadamente que nada mude!

Reparem que nem toquei nos escândalos da Delta com os telefonemas para o nosso alcaide apurados na CPI que, casualmente, antecedem liberações para obras municipais que, por serem emergenciais, foram generosamente dispensadas de licitação, nem dos problemas na saúde, na educação e em todos os outros setores, porque não há espaço para citá-los.

Querem licitar o aeroporto Tom Jobim (Galeão) internacionalmente. Com planejamento associado a um conceito de CCI que leve o Rio à vanguarda mundial do setor, haverá até tumulto para assumir sua gestão, incrementando a economia em centenas de bilhões de reais. Temos o maior potencial do mundo, o Tom Jobim poderá virar um cluster, mas a reforma é para adaptá-lo para só 44 mi/ano, porque até agora não “acordamos” para o nosso potencial e para a importância da indústria do turismo na geração de empregos, de renda, de estímulos empresariais, na atração de fábricas, indústrias e do atual filé – o setor internacional de serviços. Isto atrairá investidores nacionais e internacionais para dotar o Rio da melhor infraestrutura turística mundial, aproveitando nossa incontestável beleza natural.

Dá para imaginar o aumento de milhões de empregos, nas vendas de produtos e serviços, além do ganho simultâneo de todos os diversos segmentos da sociedade, produzindo um natural desenvolvimento econômico e da qualidade de vida em todos os sentidos. O Rio precisa se unir para receber anualmente um valor similar ao seu PIB na economia, em curto e médio prazos, produzindo um desenvolvimento socioeconômico, cultural e ambiental ímpar que acabará com a violência e o atual abismo social, promovendo uma sociedade mais justa.

Em 2013 receberemos o Papa e cerca de dois milhões de visitantes, mais do que a Copa e as Olimpíadas somadas e multiplicadas. Não há previsão de gastos? Quanto renderá isso? Como poderemos receber tais milhões de pessoas? Não há o menor planejamento… Mas, por quê? Se o turismo religioso, por exemplo, pode ser estimulado no Rio e gerar bilhões anualmente?

Será que não está na hora de acordarmos, nos unirmos e reinventarmos o Rio, com ética, transparência, planejamento de curto, médio e longo prazos, com metas críveis, apoiados na melhor âncora do planeta, a nossa indiscutível vocação natural, o turismo, como outras cidades que tinham problemas iguais ou piores do que os nossos fizeram e que hoje tem economias saudáveis ostentando uma qualidade de vida impecável e com uma população consciente do seu poder de transformação?

Por que numa empresa privada existe governança e as coisas são feitas para dar lucro e nesta democracia as coisas são feitas para dar lucro para os políticos e arrasar a qualidade de vida do contribuinte que os sustenta?

Por que só há planejamento para jogadas bilionárias em detrimento de um desenvolvimento do Rio, que nos leve a uma qualidade de vida única, onde deixemos de morar atrás das grades?

A partir deste questionamento podemos começar a promover as necessárias mudanças.

Acorda, Rio! Há um planejamento pronto para nos unir e nos levar à vanguarda mundial com resultados que nos proporcionarão um futuro radiante em que todos se sentirão inseridos, com uma qualidade de vida que, bem administrada por nossa democracia carioca, se eternizará de forma única. Acorda, Rio!

(*) José Paulo Grasso é engenheiro e coordenador do “Acorda Rio”.