Os sobreviventes e os muitos vivos

(*) Carlos Brickmann –

Dizem que o que engorda não é o que comemos entre o Natal e o Ano Novo: é o que comemos entre o Ano Novo e o Natal. O que enriquece não são os presentes que recebemos nos Dias de Festas; são os presentes do ano inteiro.

Feliz porque ganhou, digamos, um carro novo? É um presente belíssimo, raro e caro. Mas não chega aos pés do que vereadores e prefeitos de cidades muito pobres, habitadas por gente paupérrima, por sobreviventes do Fim do Mundo, deram de presente a si mesmos. A excelente repórter Sílvia Amorim, de O Globo, levantou alguns exemplos.

Carira, Sergipe, tão pobre que sofreu intervenção judicial para garantir o pagamento do funcionalismo, aumentou o salário do prefeito para R$ 24 mil – mais que Salvador, mais que São Paulo. Alagoa Grande, Paraíba, recebe água em caminhões-pipa que o Governo do Estado paga, já que não há dinheiro na Prefeitura nem para isso (nem para concluir a reforma do hospital, várias vezes adiada). Só há dinheiro para pagar 80% de aumento ao prefeito, que vai ganhar R$ 18 mil. E para elevar em 62% os ganhos dos vereadores. Em Arneiroz, Ceará, o prefeito eleito já recebeu aumento de 272%. Em Aroeiras do Itaim, Piauí, o aumento dos vereadores será de 79%.

Uma exceção louvável: em Sousa, na Paraíba, o prefeito Fábio Tyrone, do PTB, vetou o reajuste dado pelos vereadores para seu sucessor. Vetou também a duplicação do salário dos secretários municipais.

As cidades têm como pagar? Não. E daí? Eles vão dar um jeito de receber.

Mais vivos, mais gente

Mas não faça o cálculo simplista de multiplicar os aumentos pelo número de vereadores. É um erro aritmético. Suas Excelências já tomaram antes a providência de aumentar em 10% o número de vereadores do país. É mais caro ainda.

Investigar? Isso não!

A melhor maneira de combater acusações de ladroeira é impedir que sejam investigadas. Há grandes especialistas no país: não é só o Genial Guia Que De Nada Sabe que se irrita com essas democratices. Cinco governadores (dois do PMDB, partido-chave da base aliada; e três do PSDB, partido-chave da oposição) brincam de esconder, para evitar processos criminais. E ninguém brinca de graça. Todos sabem direitinho o que fazem. De acordo com leis estaduais, há governadores que só podem ser processados com autorização legislativa. Mas os deputados estaduais não querem que o cabrito morra nem que a onça passe fome.

Investigar os governadores, donos daquela caneta mágica, nem pensar; negar a autorização e ficar expostos ao eleitor, dono do voto, pior ainda. Então, sentam em cima dos pedidos de abertura de processos criminais. São protegidos, pelas respectivas Assembleias, os governadores de Goiás, Marconi Perillo; de Roraima, José de Anchieta; do Paraná, Beto Richa (os três do PSDB); do Rio, Sérgio Cabral; do Mato Grosso do Sul, André Puccinelli (os dois do PMDB).

Acreditam no velho provérbio: Roubar não é feio. Feio é ser apanhado.

Também queremos

Frase de Gilberto Carvalho, secretário-geral da Presidência, ao explicar que está convencido de que o ex-presidente Lula não sabia do Mensalão: “Lula me chamou, já com a denúncia na rua, e disse: ‘Gilbertinho, eu quero que você vá para São Paulo, sentar com o Delúbio, e eu quero que ele explique para você que coisa é essa que está acontecendo’”. Gilberto Carvalho é eficiente, e se recebeu a ordem logo a cumpriu e Delúbio lhe explicou “essa coisa que está acontecendo”.

Será que Gilberto Carvalho não poderia nos dizer que explicação foi dada?

Melhorando

Excelente notícia em São Paulo: o governador Geraldo Alckmin, PSDB, convidou o prefeito de São Caetano, José Auricchio, PTB, que deixa o cargo nos próximos dias, a assumir a Secretaria Estadual de Esportes. Boa escolha: Auricchio foi prefeito em São Caetano por dois mandatos, deixou a cidade em ordem, manteve o saneamento básico em alta e a mortalidade infantil em baixa, seu índice de aprovação foi sempre muito alto. O sucessor eleito foi secretário em sua gestão e vai manter no cargo oito dos atuais ocupantes.

Vale a pena prestar atenção em Auricchio: tem tudo para ser um político de projeção nacional.

Conta, ministro!

O deputado federal Aldo Rebelo, PCdoB – SP, disse no Canal Livre, da Bandeirantes, que ONGs e Governos estrangeiros sabotam nosso desenvolvimento e violam nossa soberania (www.youtube.com/watch?v=M9oaRSkv9lI). Entre as ONGs, citou WWF e Greenpeace; entre países, Holanda, Inglaterra, EUA, Alemanha e Bélgica. Aldo é ministro dos Esportes há mais de um ano. Luiz Otávio da Rosa Borges, leitor desta coluna, quer saber se a opinião do ministro Aldo Rebelo é a mesma do deputado.

Se mudou, por que mudou? Se não mudou, qual a providência que, como autoridade, tomou contra os inimigos do país? Perguntou ao Ministério dos Esportes. Responderam que, como deputado federal, Aldo Rebelo era inviolável por opiniões, palavras e votos. Mas quem falou em puni-lo? O ministro poderia contar se mantém a opinião ou se a mudou, e por que; e, caso a tenha mantido, que fez para garantir a soberania nacional.

É pedir muito?

(*) Carlos Brickmann é jornalista e consultor de comunicação. Diretor da Brickmann & Associados, foi colunista, editor-chefe e editor responsável da Folha da Tarde; diretor de telejornalismo da Rede Bandeirantes; repórter especial, editor de Economia, editor de Internacional da Folha de S. Paulo; secretário de Redação e editor da Revista Visão; repórter especial, editor de Internacional, de Política e de Nacional do Jornal da Tarde.