(*) Ucho Haddad –
Se há na sociedade um segmento onde proliferam os apelidos, esse é o esporte, o futebol em especial. Há apelidos simpáticos, lógicos, óbvios, se é que a alcunha sabe o que é obviedade, mas há outros que não têm explicação. E quando aparece em cena, a explicação torna-se esdrúxula, o avesso do avesso. O pior é que o apelido pega, vira nome e atropela a certidão de nascimento do indivíduo, que em suas linhas muitas vezes traz um nome recebido na pia batismal que é pior do que a alcunha. Sendo assim, que prevaleça o apelido.
Há mais de 45 anos acompanhando o futebol brasileiro, vi com a bola nos pés Garrincha, Pelé, Tinteiro, Grafite, Zico, Tostão, Branco, Viola, Fubá, Furacão, Capacete, Negueba, Vampeta, Alfinete, Biro-Biro, Tilico, Fio Maravilha, Caçapa, Pintinho, Caju, Batata, Pinga, Grapette, Cafuringa, Boiadeiro, Feijão, Dunga, Sheik e Cafu, entre tantos outros que certamente esqueci.
Assim é o futebol brasileiro no campo dos apelidos, tão inexplicável quanto os momentos de insanidade dos torcedores, para não afirmar que são insanos o tempo todo.
Fora do futebol também há também essas inexplicabilidades em termos de nomes e alcunhas. Norma Jeane Mortenson ou Norma Jeane Baker viveu magistralmente e morreu como Marilyn Monroe. E foi um furor com a alcunha profissional. Assim também aconteceu com os geniais e inesquecíveis João Rubinato, o Adoniran Barbosa; Sérgio Porto, o Stanislaw Ponte Preta; Milton Viola Fernandes, o Millôr. Sem a mesma importância e glamour dos acima citados, e ainda vivo, o mesmo acontece com o Ucho. Uma saudosa e querida vizinha, que, creio eu, preferiu não ofender a minha cintura me chamando de gordo ou gorducho, apelou ao primeiro metaplasmo por supressão que apareceu e lascou um “Ucho”. Gostei do fonema e adotei-o como nome, assim como o fujão Luiz Inácio fez com Lula. A diferença entre o Ucho e o Lula é que o primeiro sempre explica em detalhes as confusões que o segundo insiste em desfazer ou dizer que não sabia.
O mais interessante, no meu caso, é que minha ex-sogra, que por ser quem é e como é continua podendo tudo e mais um pouco, no começo não se acostumou com o Ucho e acabou me chamando de Shoyu. Paciência, o genro virou molho de comida japonesa e o assunto virou cônica, que prometo um dia publicar. Voltando ao futebol, o Ucho certa vez escreveu sobre o Fubá, mas o Gilmar de Lima Nascimento não gostou. Foi então que o homem da capa preta mandou intimar o Evaldo, que teve de contratar um advogado por causa do Ucho.
Deixo o passado de lado, assim como as confusões nominativas, e aterrisso no presente. Mais precisamente no Campeonato Paulista, o certame futebolístico regional mais importante do País. Por conta dessa notoriedade, apelidos absurdos e alcunhas sobram no Paulistão, transformando o esporte bretão em uma espécie de faculdade de zootecnia, sei lá o quê.
Há muito sem conquistar um título e revelar algum talento da bola, o São Paulo FC foi a Santos e, depois de muitas declarações e desmentidos, tirou Paulo Henrique Lima dos Santos da Vila Belmiro. Traduzindo, levou para o Ganso que nadava no aquário do Peixe. Tendo no elenco o jogador que carrega o apelido de ave aquática, o tricolor paulista desceu a serra no domingo, 3 de fevereiro, para enfrentar o alvinegro praiano, acreditando que Ganso, que deixou o clube da cidade portuária sob polêmica, daria boas bicadas na Baleia. O São Paulo, que contou com o ovo no derrière do Ganso, subiu a serra com a derrota na bagagem e o jogador-ave acabrunhado. O Peixe venceu por três gols a um, nadando de braçadas no aquário que é seu, a Vila Belmiro, e sacudindo a rede adversária como puçá de quem sai de madrugada na praia para pegar siri e caranguejo.
Como o futebol paulista vive um momento de animais aquáticos, o Corinthians, o Gavião, cruzou o Atlântico para fisgar na Itália, nos gramados milaneses, Alexandre Santos da Silva. Negociação pra lá, mistério pra cá, Pato alçou voo e aterrissou no Parque São Jorge, que, diz a lenda, luta diariamente contra um dragão na Lua.
Ainda sem condições físicas plenas, Pato entrou em campo no Pacaembu em dado momento da partida contra o Oeste e, diante do bando de loucos, marcou um gol, mantendo a tradição do currículo de balançar a rede adversária em jogo de estreia.
Como o futebol não é uma ciência exata e por isso tem seus antagonismos, sem contar que bruxa solta e inferno astral não marcam dia para aparecer, Ganso e Pato, que são integrantes da mesma família, a dos Anatidae (esse é o nome científico dos penosos aquáticos), precisaram de pouco mais de sessenta quilômetros (é a distância que separa o Pacaembu da Vila Belmiro) para receberem tratamentos distintos por parte dos torcedores.
Na casa do Gavião, o Pacaembu, Pato marcou um gol e foi aplaudido e festejado pela torcida. Melhor assim, pois poderia acabar virando o jantar do bando de loucos. No aquário do Peixe, lá em Santos, Ganso rodou em campo como frango de jacá e acabou ofendido pelos torcedores praianos, que arremessaram punhados de moedas na direção do jogador quando este deixava o campo. Em outras palavras, uma pataquada da torcida santista com o Ganso. O cidadão é livre para trabalhar onde quiser e se sente bem. E foi o que Ganso fez ao se desentender com a diretoria do Santos FC e mudando-se para o Morumbi.
O mais interessante, se é que assim pode ser classificado tão triste episódio, é que a insensatez do ser humano consegue inverter a lógica da sabedoria popular. Afinal, agora paga-se o Ganso, mesmo que com moedas vis e indesejáveis, e aplaude-se o Pato. E durma com um barulho desses! Com a devida licença de Vinícius de Moraes, o poetinha, agora canta-se “Lá vem o Ganso, gansa aqui, gansa acolá. La vem o Ganso para ver o que é que há…” E o que é que havia no piso do aquário do Peixe? Moedas. Eu teria recolhido todas e colocado no bolso.
Enquanto ficar nesse jogo de aplausos de um lado e ofensas descabidas e maldosas de outro, tudo bem, pois há quem risca o ganso com o tinteiro, outro marca o pato com grafite. Há aos que por um pato não dão um tostão furado e do ganso só querem o fígado. No contraponto, há os famintos que os matam com a viola, furam com o alfinete ou dão uns tilicos na cabeça até os penosos aquáticos tombarem na caçapa do fogão, como se fossem pintinho. Depois de devidamente preparados, são devorados com a força de um furacão, por brancos ou neguebas, com fubá, caju, batata ou feijão, sempre acompanhados por um dedinho de pinga ou um gole de Grapette. E por um fio qualquer acham tudo uma maravilha. Depois disso só mesmo um antiácido, porque Jorge Ben Jor pode aparecer e pedir para João Batista de Sales fazer mais um pro Sheik ver!
Bolaa pra frente que atrás vem gente e o campeonato não pode parar. Até porque, como diz o jornalista José Simão, quem fica parado é poste. Fui!