Na ditadura das malhadas e siliconadas, mulheres com neurônios perderam o reinado

    (*) Ucho Haddad –

    Sempre teimei em traçar a vida a partir dos detalhes, pois creio na teoria de que é a parte que faz o todo. E quem desconhece a parte jamais compreenderá o todo. Filosoficamente isso é lógico e bonito, mas nos dias atuais pode ser um tormento e tanto.

    Como tornei-me um dependente dos detalhes, não consigo deixar de prestar atenção no cotidiano e seus contraditórios. Nos últimos dias, recebi diversas mensagens de restaurantes e outros quetais que participaram do “Restaurant Week”, evento que dura duas semanas e mostra a qualquer um o quanto é caro comer em São Paulo nos outros 350 dias do ano. Paciência, assim funciona o capitalismo selvagem. Durante quinze dias mostra-se quanto de fato pode valer um prato mais ajambrado, mas no restante do ano bate-se a carteira sem cerimônia e com o maitre atormentando e destilando palavras que sequer sabe o significado.

    Na sequência dessas mensagens deparei-me com uma notícia interessante, porém antagônica, se considerarmos as duas semanas de comilança na maior cidade brasileira. Cirurgiões plásticos de todo o planeta desembarcaram no Brasil em busca de referências estéticas femininas. Traduzindo para o bom e velho idioma, as “boazudas” turbinadas dessa tresloucada Terra de Macunaíma são a bola da vez ao redor do mundo. O que significa que a Barbie deve se apressar, pois seu reinado nas prateleiras das lojas de brinquedos está perto do fim. E de agora em diante seios fartos sem anca só serão permitidos em duas situações específicas: quando a Gisele estiver na passarela e o chester escancarado na mesa da ceia de Natal.

    Apesar de ter uma cintura que não combina com o abusivo culto ao corpo, se é que isso já não migrou para a seara da obsessão, a minha fome maior é de aprender, de compreender o mundo. Eis o meu cardápio predileto, que nos últimos tempos tem provocado azia no pensamento. Quem quer aprender precisa ler. Quem lê acaba não compreendendo o mundo que o cerca. Longe de querer me fazer de incompreendido, mas há situações no dia a dia que são de difícil assimilação.

    Certo de que minha indignação pararia na busca pelas curvilíneas verde-louras, continuei a leitura em um dos grandes sites de notícias. Eis que me deparo com uma notícia que confirma que Brasil é sinônimo de bunda e vice-versa. “Ex-Fazenda exibe bumbum nos bastidores do ensaio de nudez”. Pelo menos prevaleceu a lógica, já que o ensaio era de nudez. E há tanta bunda circulando pelo Brasil, que esse tipo de situação não deveria merecer destaque na imprensa. Mas bunda é bunda e no Brasil vale ouro.

    Há dias conversava com um amigo sobre determinada bailarina aposentada, cujo nome deixo de citar como forma de evitar polêmicas. Triste fim o dessa moça que não é mais tão moça assim. Caso precise procurar o emprego, o currículo será uma foto da bunda. De outrora, claro! Imagine uma turbinada explicando aos netos a sua maior conquista ao longo da vida: uma bunda e um par de seios de silicone.

    Essa psicose pelo corpo perfeito tem levado a maioria das pessoas ao lado obtuso da vida. O importante nos dias de hoje é ter curvas voluptuosas, mesmo que de mentirosas e de silicone. A mulher espremer o corpo dentro de uma roupa justa e “causa”, como dizem os mais atuais. Não importa se os neurônios da mulher estão desligados ou não funcionam. Ser “boazuda” no Brasil é senha para o sucesso, mesmo que passageiro.

    Conheço algumas mulheres inteligentes que cuidam do corpo, o que aprovo como ferramenta da autoestima e da manutenção da saúde, mas a obsessão é o mais burro dos caminhos que alguém pode seguir. Esse é o meu pensamento, porque o ortodoxismo, o comportamento doentio, me assusta sobremaneira. Todo radicalismo é perigoso.

    Esse padrão de beleza que se instituiu em nossa “xavantina” e que os cirurgiões plásticos estrangeiros estão à caça, como se buscassem a arca do tesouro perdido, é um desrespeito à mulher brasileira, que nem de longe reflete a realidade. Essas mulheres ditas perfeitas em termos estéticos só dão lucro para alguns segmentos da economia: fábrica de espelho, banca de jornal, cirurgião plástico e academia de ginástica.

    Alguém pode perguntar se não faz bem contemplar o belo. Sim, claro que faz bem. Mas o belo sem conteúdo torna-se feio. Se for para admirar uma beleza exterior, sem direito a pelo menos um diálogo edificante, o melhor é ir a um museu qualquer da Europa. No Velho Mundo há um sem fim de obras de arte para serem admiradas.

    Os homens ainda têm o péssimo hábito de correr atrás de uma oca com curvas e exibi-la aos amigos como troféu. Confesso que não consigo compreender que tipo de conversa é possível ter com uma mulher desse naipe. O que não significa que inexistam curvilíneas que atiçam a libido masculina com o neurônio. Mas preciso reconhecer que é uma exceção, para não cometer a ousadia de afirmar que é mercadoria em extinção ou obra do imaginário.

    A grande questão nessa epopeia do corpo perfeito é que o tempo passa e a força da gravidade é implacável. Fora isso, o avanço da idade patrocina a preguiça e abre o apetite. Em outras palavras, estou certo de que o melhor é ter ao lado uma mulher despeitada e “desbundada”, mas que goste do parceiro a partir dos seus defeitos.

    Resumo da ópera, com as devidas desculpas aos amigos que se dedicam à cirurgia plástica: troco quatro malhadas e com silicone por uma com celulite e neurônios na garantia. Até porque, não tenho vocação para Apolo e nem sou babá de mulher narcisista, mas levo o cérebro todos os dias na academia.