O impossível acontece

(*) Carlos Brickmann –

A história oficial dos boatos sobre o Bolsa-Família mostra que aqui tudo pode acontecer. No Brasil, elefantes voam e centopeias mancas correm na maratona.

Pois na véspera da corrida à Caixa, funcionários de escalão inferior, veja só, tomaram sozinhos a decisão de antecipar pagamentos e colocar mais de R$ 150 milhões nos guichês. Não contaram nada, os distraídos, nem ao presidente da Caixa, Jorge Hereda, nem ao vice-presidente de Governo e Habitação do banco, José Urbano Duarte, nem à ministra do Desenvolvimento Social, Tereza Campello. Nenhum dos três ficou bravo por ter sido ignorado. Numa empresa comum, pessoal de baixo escalão não toma essas decisões. Mas aqui é Brasil, zil, zil, que é rico porque é um país sem pobreza e por decreto aboliu a miséria.

Bom, houve toda a confusão. Aí o vice-presidente Urbano Duarte disse que a antecipação dos benefícios não tinha sido a causa da corrida de sexta, porque só ocorreu no sábado. Estava errado: quando aqueles funcionários atrevidinhos de baixo escalão lhe contaram a história, trocaram as datas. O presidente da Caixa, Jorge Hereda, logo descobriu o erro. Mas, como é ocupadíssimo, tem muita coisa a fazer, levou pelo menos uma semana para corrigir o equívoco do seu vice.

E quem foram os funcionários distraídos e atrevidos que extrapolaram sua competência e tomaram decisões importantes à revelia de seus superiores? Ora, temos o pré-sal, o trem-bala, a Copa, as Olimpíadas, estádios novinhos com pequenos desabamentos, e querem saber o nome dos responsáveis. Responsáveis?

Brasil de sempre

Há uns 70 anos, o grande cineasta americano Orson Welles veio ao Brasil filmar dois episódios de um filme, É tudo verdade. Welles era gênio, tinha apoio de Washington, mas É tudo verdade, no Brasil, não chegou a ser concluído.

Bons, lá fora

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, disse que a dívida dos Estados brasileiros com a União não será renegociada. Não há possibilidade sequer de redução de juros. Em compensação, a presidente Dilma Rousseff perdoou a dívida de US$ 900 milhões de 12 países africanos: Congo, Costa do Marfim, Gabão, Guiné, Guiné-Bissau, Mauritânia, República Democrática do Congo, São Tomé e Príncipe, Senegal, Sudão, Tanzânia e Zâmbia.

E por que não há concessões aos Estados brasileiros, enquanto se concede tudo aos africanos? Simples: os africanos talvez votem para colocar o Brasil no Conselho de Segurança da ONU.

Paz pacífica

Lembra das festas, com direito a muita TV, muita entrevista de autoridades, quando as favelas do Alemão, no Rio, foram pacificadas – ou seja, ocupadas pela Polícia e pelas Forças Armadas? Deu até roteiro de novela das nove. E, para comemorar de novo a grande vitória, o Governo fluminense promoveu a Corrida da Paz no domingo, 26. Claro que o Governo sabe direitinho os limites da pacificação e escalou 200 PMs para proteger os corredores.

O secretário da Segurança, José Mariano Beltrame, sabe ainda melhor, e escalou 20 seguranças para ele correr em paz. Não adiantou: os narcotraficantes, aqueles que tinham sido expulsos, lembra?, promoveram pesado tiroteio, aterrorizando os atletas. Foram mais de dez minutos de fogo com armas de mão de combate, de longo alcance.

O Rio é governado por Cabral, mas o Porto Seguro fica muito, muito longe.

Uma, duas abobrinhas

A campanha “Conte até 10” é federal, mas por sua pertinência não podia prescindir do apoio de São Paulo e do governador tucano Alckmin. Abobrinha fica ótima com chuchu. O objetivo da campanha é evitar assassínios cometidos por impulso, no momento da raiva. Ótimo – só que quem mais está matando não tem raiva nenhuma de quem é morto. Cobiça, talvez, por seus pertences, um celular, uma mochila; e insensibilidade total, já que se mata até por divertimento.

Em São José dos Campos, SP, mais um dentista foi queimado por bandidos, depois de ser banhado em álcool (seu estado de saúde é gravíssimo).

É o segundo caso no Estado: o primeiro foi o de Cinthya Moutinho de Souza, queimada viva por ter só R$ 30,00 na conta do banco. O caso atual é idêntico: dois bandidos entraram no consultório, acharam que o dinheiro era pouco e incendiaram a vítima. A Polícia pede informações pelo Disque-Denúncia, 181. OK: tentemos prender os bandidos em vez de contar até seja que número for. Mas há tempos o radialista João Alkimin, na mesma São José dos Campos, foi alvejado na rua. Havia testemunhas, o atentado foi filmado por câmeras de rua, os donos de caça-níqueis, que ele enfrenta, são suspeitos óbvios, mas a Polícia nada apurou.

O prefeito moto-serra

O prefeito paulistano Fernando Haddad, PT, autorizou um megadesmatamento para a construção de um condomínio de alto luxo, o Golf Village. Serão derrubadas 1.787 árvores, muitas de um trecho sobrevivente da Mata Atlântica. Licença ambiental demora? Não nesse caso: saiu em quatro meses. Segundo a Prefeitura, cortar as árvores é necessário para a descontaminação do terreno (que, até agora, ninguém sabia que estava contaminado).

Quanto são 1.787 árvores? Mais de 10% das que existem no Ibirapuera, um dos maiores parques da cidade.

(*) Carlos Brickmann é jornalista e consultor de comunicação. Diretor da Brickmann & Associados, foi colunista, editor-chefe e editor responsável da Folha da Tarde; diretor de telejornalismo da Rede Bandeirantes; repórter especial, editor de Economia, editor de Internacional da Folha de S. Paulo; secretário de Redação e editor da Revista Visão; repórter especial, editor de Internacional, de Política e de Nacional do Jornal da Tarde.