Quebra-cabeça – O ucho.info retoma a série de reportagens sobre a cegueira tendenciosa e nada inteligente da Justiça. Para tal, volta à pauta o caso da empreiteira Semenge, que em passado não tão distante foi a quinta maior empresa do setor no País.
O caso da Semenge ganhou destaque extra por conta do misterioso e não elucidado assassinato do engenheiro Leonardo Drumond, morto por um pistoleiro de aluguel quando saía do escritório da empresa, no centro do Rio de Janeiro. Leonardo era filho de Sebastião Cantídio Drumond, acionista majoritário da empresa.
No rastro de um desentendimento entre os acionistas, a empreiteira foi arrastada para uma administração judicial determinada pela Justiça paulista, situação em que um preposto do Judiciário passou a gerir a empresa como forma de solucionar crises. É nesse exato ponto que começam as estranhezas do caso Semenge.
Os minoritários, liderados pelo sócio Jorge Getúlio Veiga Filho, acusavam o majoritário [Sebastião] de dever à empresa algo em torno de R$ 70 milhões, valor de 2007. À época, a Semenge, conforme relatório apurado pelo primeiro interventor judicial (nomeado pelo juiz), tinha R$ 124 milhões de patrimônio líquido, valores a receber decorrentes dos contratos em curso, além do bom e respeitado nome no mercado, ou seja, se colocada à venda a empresa valeria mais de R$ 300 milhões. Somente no caixa, no mesmo ano de 2007, a empresa tinha quase R$ 70 milhões.
Antes disso, em 2006, a ministra Nancy Andrighi, do Superior Tribunal de Justiça, tentou conciliar os divergentes grupos de acionistas em audiência especial na Corte, com o objetivo de colocar um ponto final na disputa. Sebastião Drumond, o acionista majoritário, concordou em pagar mais de R$ 88 milhões pela parte de Jorge Getúlio Veiga Filho, o minoritário, mas este não aceitou o acordo.
Meses depois, o filho de Sebastião [Leonardo Drumond] foi executado no centro da capital fluminense, sendo que as suspeitas rondaram a órbita do rival Jorge Getúlio. Muito estranhamente, a Justiça do Rio de Janeiro arquivou o caso, que até hoje permanece sem solução, como se um a vida do ser humano nada valesse.
Decisão obtusa e desnecessária
Contudo, assombra de maneira brutal a não necessidade de intervenção da Justiça na empresa que, em 2007, estava operante, com muitos contratos em andamento e cumprindo a sua função perante a sociedade.
A Justiça paulista, além de atender aos reclamos do grupo de Jorge Getúlio – de que Sebastião Drumond não poderia administrar a empresa sendo devedor da mesma (sempre lembrando que a aludida dívida era – como ainda é – passível de questionamento judicial) – decretou a intervenção judicial e retirou o direito de voto em assembleias de Sebastião e seu grupo, concedendo o usufruto das respectivas ações ao administrador judicial. Decisão no mínimo canhestra para um Poder do Estado que se vangloria da folclórica cegueira.
Entretanto, Sebastião Drumond não poderia e nem deveria ser afastado, pois na condição de detentor de 55% das ações da empresa – considerando o relatório feito pelo primeiro administrador (que permaneceu um mês no cargo), e a suposta dívida alegada pelos minoritários – a conta, mesmo que indevida, poderia ser paga, por Drumond, apenas com os valores que estavam no caixa da empresa e dos contratos a receber.
A solução não era apenas aritmética, mas lógica. Bastavam doses de bom senso e uma calculadora confiável, pois do patrimônio líquido (R$ 124 milhões) Sebastião Drumond tinha direito a aproximadamente R$ 68,2 milhões (valor também de 2007). Com esse valor, o majoritário conseguiria quitar a suposta dívida, manter suas ações e continuar no comando da empresa.
Jogo sujo de minoritários rasteiros
Acontece que o objetivo da contenda não era buscar o consenso, mas criar um tumulto para, em seguida, permitir que os minoritários pudessem assumir o controle da empreiteira. Para que o plano pudesse avançar, os sócios minoritários contaram com a bizarra falta de visão da Justiça, que preferiu não enxergar o óbvio.
A partir de então, o caso da Semenge, que até hoje tramita em várias esferas do Judiciário, passou a frequentar a seara do incompreensível, pelo menos para os reles mortais e com direito a níveis aceitáveis de compreensão.
O segundo administrador judicial ficou à frente da empresa de 2007 a setembro de 2008, acompanhado por um conselho criado por determinação da Justiça e que contava com seis integrantes.
De maneira abrupta, sem qualquer justificativa, houve a renúncia do segundo administrador e o ingresso de um terceiro. Cenário que se mostrou vasto para o surgimento de fatos inexplicáveis, que começaram a ganhar o cotidiano da Semenge, inclusive com direito a movimentações de contas bancárias sem autorização judicial, levantamentos de valores bloqueados judicialmente, sem explicações sobre a finalidade, entre outros tantos desmandos.
Após intensa batalha judicial, a Justiça paulista determinou que o conselho fosse reduzido de seis para três integrantes. Entretanto, como a Justiça tinha retirado o direito de voto do grupo de Sebastião Drumond, embora majoritário, seu grupo não pode indicar um dos representantes. Ou seja, prevaleceu a ilógica. O conselheiro que representava a empresa na administração judicial foi indicado pelos sócios minoritários, que colocaram seus advogados na diretoria da empresa e à frente de um nada confiável Conselho de Administração. Em outras palavras, a tal administração judicial começava a fazer fumaça, como sempre acontece na maioria de casos empresariais semelhantes.
Empresa voltada à construção e às obras públicas, a Semenge estava em pleno funcionamento quando a Justiça determinou a administração judicial. Acontece que nenhuma companhia, por mais capitalizada que seja, resiste a ultrajes, principalmente quando cometidos por pessoas inescrupulosas e com objetivos nada ortodoxos.
Um dos absurdos desta fase da administração judicial foi a compra, por R$ 11 milhões, de uma gleba de terra na Serra da Cantareira, em São Paulo, sem qualquer verificação documental, de uma empresa inidônea, negócio que gerou considerável prejuízo para os cofres da empreiteira.
Se uma empresa sadia financeira e administrativamente não suporta um revés desse naipe, não é difícil imaginar o que acontece com uma companhia que está sob administração judicial, nas mãos de alguém que não é do ramo e que conta com os conselhos de pessoas pouco confiáveis.
Nova invencionice de vulto surgiu em seguida
Um contrato de prestação de serviços advocatícios no valor de R$ 10 milhões para que um grande escritório defendesse a empresa – e indiretamente os minoritários – na ação movida contra Sebastião Drumond que já tramitava no STJ foi o golpe subsequente no caixa que já apresentava fraquezas
Ora, no momento em que a administração judicial caminhava para dominar a cena, a parte que cabia ao sócio majoritário no caixa da empreiteira não foi utilizada para quitar sua aludida dívida com a empresa, mas tempos depois serviu para custear os honorários de um caro e badalado advogado contra ele próprio. Traduzindo para o velho idioma deste país dito democrático e respeitador das leis, os inocentes minoritários, com a benção da administração judicial, usaram o dinheiro da empresa que era gerida por Sebastião Drumond, o majoritário, para contratar um grande escritório para acompanhar um processo movido contra o mesmo Sebastião. Seria o equivalente a cometer um “harakiri” financeiro.
O escritório de advocacia, contratado pelo administrador judicial, com as bênçãos do Conselho de Administração e da Diretoria (todos nomeados pelo acionista Jorge Getúlio), está no rol dos mais respeitados do País, é verdade, mas o valor do contrato soa estranho quando considerado o fato de que o serviço prestado se limitou ao ingresso, no Superior Tribunal de Justiça, de defesa em Recurso Especial já julgado em favor dos sócios minoritários.
A estranheza cresce quando percebe-se que o tal recurso repete os mesmos argumentos que rechearam a petição protocolada anteriormente pelos minoritários. Em suma, prevaleceu nesse caso o que no mundo da informática é conhecido popularmente como “Ctrl C, CtrlV”, ou “copiou, colou”.
Diante de tamanho atentado contra o caixa da empresa, não configura equivoco concluir que o tal contrato, literalmente milionário, trazia em suas entranhas ao menos uma justificativa entre duas: serviu para dar ares de legalidade a mais um desvio de dinheiro do caixa da empresa ou, então, respaldou uma operação de tráfico de influência no Judiciário. O que não é tão raro quanto imaginam os incautos brasileiros.
CONFIRA ABAIXO AS REPORTAGENS ANTERIORES DA SÉRIE SOBRE A CEGUEIRA DA JUSTIÇA
07 de Abril de 2014 – Da morte de um engenheiro ao assassinato de uma história empresarial de sucesso