Mineiraço: torcer contra foi, mais uma vez, a melhor decisão, apesar das críticas

(*) Ucho Haddad –

ucho_20Quando ouvi, imediatamente após a vergonhosa e catastrófica derrota da seleção brasileira, que todo o Brasil chorou, logo pensei que esses proxenetas da tragédia não me conhecem. Não derramei uma lágrima sequer diante do pífio espetáculo que os jogadores do “onze canarinho” protagonizaram no evento que ficará marcado na história do futebol nacional como “Mineiraço”. Ao contrário, torci contra a seleção brasileira, como faço há mais de três décadas

Cá não estou a posar de profeta do apocalipse e muito menos querendo pegar carona na incompetência de um grupelho de enganadores. Como sabem os leitores, muito antes da Copa publiquei artigo em que, mais uma vez, assumi publicamente que torço contra a seleção brasileira, aproveitando para de novo expor minhas razões. Por questões óbvias fui criticado por alguns, mas não arredei pé. Aprendi a torcer contra ainda na Copa da Espanha, em 1982.

Foi na terra onde surgiu o personagem Don Quixote, no vácuo da genialidade de Miguel de Cervantes, que descobri a podridão que reina no futebol brasileiro. Um escândalo capaz de fazer qualquer um corar de vergonha. Foi conhecendo essas entranhas putrefatas que tomei a decisão de torcer contra. Muitos entendem que quando torço contra a seleção estou a torcer contra o Brasil, mas nada disso é verdade. Aliás, sei que muitos torcem pelo Brasil – não pela seleção –, mas ninguém torce mais pelo País do que eu.

Ademais, o meu patriotismo não sofre de lampejos quadrienais e de igual modo não se esparrama em qualquer ponto de arenas esportivas ou diante de um televisor alimentado pela energia burra do ufanismo. Sou patriota diuturnamente e disso não me arrependo. Minha devoção à pátria é tão intensa quanto a competência que os jogadores alemães mostraram no Mineirão. Ser patriota é uma questão de perseverança, de obstinação. Não temo em afirmar que sou um patriota obsessivo, mas decerto essa conduta patriótica não carece de um divã.

Quem entende minimamente de futebol sabe que a seleção comandada pelo nada educado Luiz Felipe Scolari chegou longe demais. É impossível acreditar que uma equipe que se alimenta no cocho da soberba seria capaz de vencer a mais importante competição futebolística do planeta. Quem acreditou nisso se agarrou à tese esdrúxula e mentirosa de que Deus é brasileiro ou, então, é um eterno dependente da enganação.

Longe de ser um especialista no esporte bretão – por isso não ouso me misturar aos 200 milhões de técnicos de futebol existentes nessa louca terra de Macunaíma –, apenas valho-me do raciocínio lógico e coerente, o que muitas vezes me traz inimigos. Nem de longe me incomodo com tal fato, pois não vivo à base de devaneios ou ilusões. Quando amigos e pessoas próximas me questionaram sobre quem venceria a partida no Mineirão, sem pestanejar respondi que os alemães não apenas sairiam vencedores, mas proporcionariam aos torcedores um espetáculo de técnica, humildade, determinação e entrosamento.

Bola de cristal? Não! Arrogância, antipatriotismo, messianismo de quinta? Nada disso. No período em que morei na Alemanha pude conferir in loco a capacidade de superação de um povo que causa inveja e serve de lição. Aprendi que somente com disciplina – diria até que com existência cartesiana – é que a superação desponta no horizonte. Isso não significa que os alemães são superiores ou que jamais erram. Pelo contrário, são seres normais que, como outros povos, sabem tirar o melhor de um fracasso.

Deixando de lado as conjecturas, passo à realidade. Na seleção brasileira, ao contrário da alemã, sobraram soberba, arrogância, irresponsabilidade e incompetência. Nenhuma equipe é capaz de vencer a reboque desse coquetel da idiotia. A derrota se anunciou muito antes do pontapé inicial da Copa do Mundo. Acreditar que o fracasso era algo impossível foi mais um equívoco dos que se deixam enganar e gostam dessa situação.

O prenúncio da tragédia surgiu com a declaração de Carlos Alberto Parreira, que sem qualquer esboço de humildade disse “o campeão voltou”. Não descarto a possibilidade de Parreira ter se referido à seleção alemã, até porque ele não é um estreante no mundo do futebol, mas incentivar uma equipe é muito diferente do que enganar uma nação. Sempre lembrando que não se motiva uma equipe na esteira da mentira. Parreira errou e foi endossado por Scolari.

Quando os jogadores brasileiros adentraram ao gramado do Itaquerão, em São Paulo, para a partida de abertura da Copa, contra a seleção da Croácia, ficou claro que algo errado existia nos bastidores da pomposa e nababesca Granja Comary. Assim como a seleção, o Brasil vive um momento de decrepitude institucional, sem que os brasileiros esbocem qualquer reação. A seleção é a pátria de chuteiras, escreveu certa vez o genial e polêmico Nelson Rodrigues, que não poderia ter sido mais preciso e visionário. O Brasil, assim como a seleção, vive tropeçando em meio a espetáculos ufanistas, propagandas enganosas, compadrios nefastos e escândalos de corrupção.

Por outro lado, não se vence uma competição esportiva pintando o cabelo, usando penteados típicos de outras galáxias ou cantando o Hino Nacional com cara de pitbull. Assusta-me o histrionismo desses jogadores que desconhecem os próprios limites. Preocupam-se apenas e tão somente com os saldos bancários, com a valorização dos passes e os possíveis reajustes salariais. Enquanto isso, uma massa formada por muitas dezenas de milhões de desavisados se descabela por causa de um bando de irresponsáveis, desmancha-se em lágrimas porque acreditou em um grupo de mentirosos.

De igual modo, lembro-me dos milhões de brasileiros que colocaram em xeque a masculinidade do português Cristiano Ronaldo apenas porque sua vaidade incomoda essa turba de maledicentes. Nenhum jogador conquista um campeonato sozinho, mas é preciso reconhecer que alguns dos que foram duramente criticados pelos brasileiros, ao longo dos anos, fazem a diferença quando entram em campo.

Por falar em corrupção, a Confederação Brasileira de Futebol precisa ser implodida, não fisicamente, mas em termos conceituais. Ricardo Terra Teixeira deixou a presidência da CBF para não acabar na cadeia, mas no seu lugar deixou alguém que exibe o mesmo ranço, quiçá não seja muito pior. José Maria Marin é o mais fiel exemplar da decadência, representante de uma geração que matou a sede na fonte da truculência e do desmando. Como o Brasil é o país da piada pronta, Marin elegeu por antecipação o seu sucessor, Marco Polo del Nero. Outra figura canhestra que já deveria ter sido ejetada do futebol nacional.

Bom seria se a CBF revelasse como se dá a convocação dos jogadores da seleção. Quem sabe o povo brasileiro pudesse compreender como funciona a entidade máxima do futebol nacional, assim como as razões da minha torcida contrária. Futebol é negócio bilionário e como tal serve de palco para episódios nada ortodoxos. Quem conhece os bastidores da seleção brasileira sabe ao que me refiro. Sem dúvida o Brasil é um celeiro de talentos futebolísticos, mas jamais deixará de ser o paraíso dos truques e da impunidade.

O legado negativo e criminoso da Copa ficou por conta dos envolvidos na promoção do evento, não que seus organizadores tenham escapado da responsabilidade. Profissionais de comunicação, cientes da realidade da seleção, não se incomodaram em enganar a nação. Embalados pelo tilintar dos milionários contratos de publicidade, vociferaram aos quatros cantos o que era impossível: a conquista do hexa. Agiram dessa forma porque foram pagos para acionar a catapulta da mitomania. Não importa o fato de despejar um cipoal de mentiras sobre a opinião pública, mas, sim, os polpudos depósitos que surgem nas contas bancárias. Afinal, futebol é negócio.

Muitos hão de dizer que estou sendo cruel ao retalhar a própria classe, mas na condição de jornalista mantenho o compromisso de revelar a verdade aos leitores e seguidores. Mesmo que para tanto seja necessário surfar na contramão da onda. Não há riqueza maior do que a consciência leve e o sono tranquilo. Morro à míngua, mas não traio o compromisso primeiro que é manter o leitor informado com base na verdade dos fatos.

A divulgação da Copa do Mundo no Brasil, por alguns veículos de comunicação, transformou-se em coquetel de fim de noite em um bataclã de quinta, quando as “moças que dormem à tarde” se esforçam para exalar puritanismo. Reconheço que sou irritante – muitas vezes antissocial – por ser lógico ao pensar, mas causou-me náuseas ver a Vênus Platinada, que vinha incensando a seleção brasileira, ter de mudar de postura em pouco mais de uma hora. A festa antecipada do hexa virou tragédia e vergonha nas manchetes, reportagens e comentários veiculados pela emissora carioca.

Foi de embrulhar o estômago ver o narrador Galvão Bueno, cuja trajetória dispensa maiores apresentações, ter de criticar a seleção brasileira, mesmo que com punhos de renda. Um dos mais rejeitados integrantes da imprensa tupiniquim, que tanto gazeteia sua intimidade, muitas vezes forçada, com os bastidores esportivos, teve a sua enfadonha soberba atropelada pelo óbvio que se fez presente na vitrine da realidade. Assim como o narrador platinado, muitos outros conhecem os bastidores da seleção, mas não se coram de vergonha ao sistematicamente lançar balões de ensaio que flanam nos ventos da mentira e da incoerência.

Como se fosse o derradeiro profeta da montanha, Galvão Bueno, sem ter muito que falar, destacou em seus insuportáveis comentários de encomenda a tristeza dos brasileiros, as lágrimas dos torcedores, o choro convulsivo de brasileirinhos que, por conta da peçonha midiática, acreditavam que os jogadores jogariam por eles. Nessa receita bizarra e imunda o fermento que faz a massa crescer é o vil metal.

Causou-me arrepios no pensamento ouvir o cântico entoado pela torcida “sou brasileiro, com muito orgulho, como muito amor”…, como se ser patriota é lotar um estádio de futebol. Deixo aqui a esses brasileiros orgulhosos e devotos um desafio: juntemo-nos diante do Palácio do Planalto para impedir a prorrogação da roubalheira, do desmando. Cobremos desses alarifes com mandato que soprem o apito final para a inflação, que coloquem a incompetência na marca do pênalti. Isso certamente não acontecerá, pois o povo precisa de estímulo, algo que a mídia amestrada dificilmente fará, pois o caixa oficial fala mais alto.

Os brasileiros que lavaram as arquibancadas do Mineirão com lágrimas de decepção dirão que compromissos pessoais – viagem de final de semana, churrasco na laje, regabofe com amigos e outros quetais – os impedem de protestar contra o poder e a favor da nação. São patriotas de aluguel que se exibem nos estádios como fazem nas noitadas em que mergulham. Querem ver e ser vistos, desde que o compromisso não seja exaustivo.

Continuo com a consciência tranquila, algo que, com a licença de uma conhecida empresa de cartão de crédito, não tem preço. A Copa do Mundo acabou para os brasileiros que acreditaram que o impossível transformar-se-ia em realidade absurda. Sorte do Brasil!

Camisas amarelas e bandeiras verde-louras estão no varal para tirar o olor da decepção, mas em breve estarão no fundo das gavetas. De onde sairão daqui alguns anos, quando começar a fase classificatória para a Copa de 2018. As insuportáveis vuvuzelas terão o merecido descanso, uma vez que as caxirolas, que surrupiaram o dinheiro público, não puderam entrar em campo. Melhor assim, pois os brasileiros terão uma tralha a menos dentro do armário.

Torci contra, sim, sem me envergonhar da decisão que tomei décadas atrás. Torci contra a seleção porque torço ininterruptamente pelo Brasil. Sou “menos ruim” escrevendo do que com a bola nos pés, mas continuarei sendo o zagueiro implacável da minha pátria.

A Copa acabou, graças a Deus, por isso continuarei lutando pela vitória do Brasil. Até porque, “sou brasileiro, com muito orgulho, como muito amor”. Quem vem comigo?

(*) Ucho Haddad é jornalista político e investigativo, analista e comentarista político, cronista esportivo, escritor e poeta.

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