Trabalhador brasileiro perde R$ 1,1 bi por ano com financiamento do BNDES à exportação de serviços

bndes_04Dinheiro a rodo – Segundo estudo do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper), o apoio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) à exportação de serviços de construtoras em obras de infraestrutura em países como Cuba, Venezuela e Angola gera custo financeiro de US$ 351,7 milhões, isto é, R$ 1,1 bilhão por ano aos trabalhadores brasileiros.

O estudo também mostrou que esses empréstimos são bancados pelo Tesouro Nacional. O fato é que o Tesouro capta recursos com juros muito maiores do que os fornecidos pelo Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) ao BNDES.

Elaborado pela Faculdade de Economia da USP de Ribeirão Preto, outro levantamento mostra que, nessas operações, o FAT acaba desrespeitando a Constituição ao obter remuneração abaixo da inflação para os recursos dos trabalhadores.

O BNDES destinou, desde 2007, US$ 11,9 bilhões para a exportação de serviços em 11 países, ou cerca de R$ 37,2 bilhões na cotação atual. Para efeito de comparação, esse valor equivale a 17 meses do Bolsa Família.

O banco de fomento empresta para um país que, em troca, contrata uma empresa nacional para a execução da obra. Foi esta abertura que permitiu os cálculos que mostram o impacto no fundo dos trabalhadores. Além de apoiar o BNDES, o FAT, formado por recursos do PIS/Pasep, é o caixa do abono salarial e do seguro-desemprego, alvo de cortes no reequilíbrio das contas públicas.

O BNDES nega que estas operações ocorreram com subsídios ou com custos financeiros, uma vez que os recursos para estes empréstimos são oriundos do FAT.
Desde 1996, o FAT tem o FAT Cambial, que destina parte de seus recursos para o apoio de empresas brasileiras no exterior. Nestes casos, o fundo empresta ao BNDES com a Taxa Libor, uma das mais baixas do mundo, atualmente menos de 1% ao ano. E essa é a base para os empréstimos do BNDES, que acrescenta à Libor o seu spread, ou seja, um percentual adicional que embute seus custos, o risco de inadimplência e o lucro. Do ponto de vista do BNDES, não há prejuízo.

Entretanto, a conta fica para o FAT. O fundo tem registrado prejuízos há anos, principalmente pelos fortes aumentos dos gastos com seguro-desemprego. Só em 2014, o rombo foi de R$ 12,9 bilhões. E é o Tesouro Nacional que acaba socorrendo o fundo. Porém, o Tesouro não é superavitário, inclusive todo ano ele precisa captar recursos, até no exterior, para o país fechar suas contas. Aí é que o custo financeiro da operação fica latente.

“A operação do FAT Cambial impacta no total do fundo que, por sua vez, tem prejuízo e é socorrido pelo Tesouro. Mas o Tesouro capta no mercado financeiro internacional em taxas muito mais salgadas que a Libor, oferecida pelo FAT ao BNDES. Ou seja, há custos que são repassados ao Tesouro Nacional”, ressalta o professor Lazzarini.

O BNDES emprestou aos países com juros anuais que variaram de 2,79% a 8,61%. O Tesouro, por sua vez, capta recurso pagando de 4,68% ao ano a 9,47% ao ano. “Estimativas indicam que, no total, há um custo de US$ 351,7 milhões por ano com esses contratos de financiamento. Os maiores custos são dos contratos com a República Dominicana e com a Venezuela, totalizando US$ 82,6 milhões e US$ 60,8 milhões por ano, respectivamente”, afirma o estudo.

O Insper ainda calculou o “custo de oportunidade” destes recursos. O exercício leva em conta quanto o FAT poderia ter recebido se tivesse aplicado em papéis que rendem a Taxa Selic (atualmente em 13,75% ao ano). Assim, a conta vai a US$ 968,3 milhões por ano, ou R$ 3,028 bilhões.

Todavia, o estudo ressalva que é possível que esses custos sejam compensados com ganhos na economia local, como geração de emprego e renda, que precisam ser claramente demonstrados. “É preciso avaliar se os mesmos benefícios sociais não poderiam ser obtidos com outras atividades de maior impacto social que exijam menor custo financeiro para o Tesouro”.

“Recursos são escassos, e seu eventual uso para beneficiar alguma atividade implica restringir outras políticas públicas ou onerar a população com maiores tributos. Toda distribuição de recursos públicos deve avaliar custos e benefícios dos seus usos alternativos, de modo a permitir a deliberação democrática da escolha social”, alertou o presidente do Insper, Marcos Lisboa.

Alberto Borges Matias, professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP-Ribeirão Preto, ressaltou que a operação implica custo financeiro ao FAT. Ele lembra que o FAT Cambial está delimitado no artigo 239 da Constituição, que determina sua remuneração. “O parágrafo primeiro é claro quando diz que ‘pelo menos 40% serão destinados a financiar programas de desenvolvimento econômico, através do BNDES, com critérios de remuneração que lhes preservem o valor’. Deduz-se que o termo ‘que lhes preservem o valor’ refira-se ao mínimo equivalente à inflação. Isso não ocorre quando o FAT empresta ao BNDES com taxa Libor, muito inferior à inflação”.

O professor ainda lembrou que todo o risco cambial do empréstimo do BNDES fica com o FAT, ou seja, com os trabalhadores. Caso o real se valorize, os empréstimos em dólar gerariam prejuízo ao FAT. “Não há representatividade do FAT no Conselho de Administração do BNDES condizente com os recursos fornecidos”, afirmou.

Quintino Severo, presidente do Conselho Deliberativo do FAT (Codefat), que é representante da CUT, admite que o apoio a exportações gera prejuízo aos trabalhadores, porém minimiza o impacto. “O trabalhador não sente, pois não há uma conta individualizada no FAT e seus direitos, como seguro-desemprego e abono, são garantidos pelo Tesouro”, disse, lembrando que o FAT fica com o risco cambial dos empréstimos. “Podemos ter ganhos ou perdas com o câmbio. Mas como são investimentos de longo prazo, isso pode se diluir”, finalizou. (Danielle Cabral Távora)

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