Uruguai mantém perseguido político na cadeia a pedido do “cocalero” Evo Morales

(David Mercado - Reuters)
(David Mercado – Reuters)
Compadrio criminoso – Há cerca de um ano, José “Pepe” Mujica, então presidente do Uruguai, declarou que acolher cinco ex-detentos de Guantánamo era uma questão de princípios, pois o seu país era “historicamente um local de refúgio”. Assim, em 2009, o advogado boliviano Alejandro Melgar Pereira, que também tem cidadania uruguaia, mudou-se para Montevidéu para viver juntos aos seus pais. Porém, em abril de 2012, Melgar foi preso pela polícia uruguaia a pedido da Bolívia.

A ordem de captura era uma solicitação sem valor legal, visto que não tinha a chancela da Interpol, a organização internacional de cooperação policial. Três dias depois, a própria secretaria-geral da Interpol enviou um e-mail para Montevidéu negando ter emitido a ordem de prisão e afirmando que a instituição não poderia ser usada para prisões políticas.

A polícia e a Justiça do Uruguai ignoraram o blefe da Bolívia e mantêm Melgar preso até hoje. Inclusive, nos últimos três anos, os familiares e defensores do advogado boliviano reuniram um conjunto de provas que colocam sob suspeita o processo legal conduzido pelas autoridades bolivianas. Entre os documentos, confissões de desertores que afirmam ter o governo Morales armado um processo judicial para desqualificar e prender opositores políticos.

A trama teve início em 2009, quando Melgar estava na Argentina representando a Bolívia em uma competição internacional de tiro e o governo de Evo Morales deflagrou uma operação na cidade de Santa Cruz de La Sierra, resultando na morte de três pessoas e na prisão de outras duas, todas acusadas de fazerem parte de uma “célula terrorista” que tinha como objetivo matar o presidente.

Depois das execuções, grupos de elite do Exército invadiram dezenas de casas em busca dos cúmplices da suposta trama. Uma das casas invadidas foi a de Melgar, que por causa da ameaça de ser preso, ou morto, jamais voltou ao seu país. Essa ação serviu de desculpa para o governo indiciar 39 dissidentes políticos marcados por Evo como líderes dos protestos contra o seu governo em 2008. O responsável pelo indiciamento foi o promotor Marcelo Soza.

Soza desembarcou no Brasil em 2014 e apresentou um pedido de refúgio ao governo brasileiro. O promotor entregou ao Ministério da Justiça uma carta em que diz ser perseguido por Evo Morales. O motivo, segundo ele, é o fato de ser um arquivo vivo das ações de fachada para perseguir os opositores do governo, entre as quais o processo contra Melgar.

Ainda de acordo com o promotor, a suposta célula terrorista de Santa Cruz de La Sierra não passou de uma armação do governo para justificar as perseguições. Em documento protocolado junto ao Ministério da Justiça no Brasil, Soza revela que a trama foi comandada diretamente pelo presidente Evo Morales e pelo vice-presidente Alvaro Linera, que designou o seu irmão Raúl para comandar as fraudes.

“A organização da investigação, a infiltração entre os supostos terroristas, o atentado contra a casa do arcebispo e a própria operação que resultou na morte de três pessoas foram coordenadas pelo irmão do vice-presidente”, destacou Soza.

Mesmo com a confissão de que o processo contra Melgar foi uma armação, o governo uruguaio não se se moveu no sentido de contrariar o pedido de Evo Morales. Melgar continua preso e sem julgamento.

Somente em abril de 2015, um mês após a posse do presidente Tabaré Vázquez, um tribunal de primeira instância decidiu pela extradição de Melgar, que recorreu. (Danielle Cabral Távora)

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