Bélgica anuncia novas medidas antiterrorismo, mas caos burocrático dificulta ação

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Depois da direta conexão de cidadãos belgas com os atentados em Paris, a Bélgica anunciou na quinta-feira (19) que disponibilizará 400 milhões de euros extras para o combate ao extremismo islâmico. O primeiro-ministro belga, Charles Michel, prometeu repressão do terrorismo e rejeitou as críticas sobre a eficiência das forças de segurança do país.

Em discurso no Parlamento belga, Michel afirmou que o governo introduzirá leis que possibilitem a prisão de jihadistas que retornarem da Síria, o banimento de pregadores de ódio e o fechamento de locais de culto que não estiverem devidamente registrados.

“Também não aceito críticas que tentam denegrir nossos serviços de segurança, que fazem um trabalho duro”, rebateu o primeiro-ministro, que mencionou “células franco-belgas” e se recusou a declarar que os ataques teriam sido planejados na Bélgica.

O distrito de Molenbeek, em Bruxelas, tornou-se centro das investigações dos ataques em Paris, depois da descoberta de que dois dos terroristas envolvidos nos ataques de 13 de novembro viviam no local. De acordo com o presidente francês, François Hollande, os atentados foram planejados na Bélgica.

Ainda se defendendo das críticas, Michel ressaltou que os ataques planejados pelo grupo em Saint-Denis, em Paris, foram prevenidos graças à inteligência belga. “Gostaria de agradecer aos nossos magistrados, nossos agentes policiais e nossos serviços de inteligência pela sua coragem e mobilização. Obrigado pelas vidas que foram salvas”, declarou.

Em reação aos ataques, o governo belga pretende ainda alterar a legislação para impossibilitar a venda anônima de chips de celular e permitir que a polícia realize buscas em residências em qualquer momento do dia ou da noite.

Burocracia caótica favorece extremistas

Quem é o responsável pela segurança da capital da Bélgica, Bruxelas – a cidade apontada como o local de origem de alguns dos terroristas que executaram os atentados em Paris? A pergunta é simples. A resposta, nem tanto.

Desde o surgimento do “Estado Islâmico” (EI), a Bélgica encabeça a lista de países europeus com proporcionalmente mais cidadãos recrutados para as fileiras do grupo jihadista. As autoridades do país estimam que mais de 450 belgas partiram para a Síria e outros centros controlados pelo grupo terrorista que insiste na instalação de um califado nos moldes medievais. Considerando o tamanho da população do país, de 11 milhões, o número dos que aderiram ao EI é o dobro do registrado na vizinha França e o quíntuplo do verificado na Alemanha.

No meio dessa equação preocupante está Bruxelas, que já vem recebendo por parte da imprensa europeia o apelido de “capital da Jihad” e “celeiro do terrorismo”. Com cerca de 1,2 milhão de habitantes, Bruxelas está longe de ser uma das maiores metrópoles da Europa, mas tem uma estrutura municipal e política extremamente complicada – e críticos do sistema apontam que esse enrosco dificulta os esforços para melhorar a segurança e combater o terrorismo.

“Em termos de segurança, Bruxelas é um exemplo perfeito de verdadeiro caos”, afirmou o prefeito de Vilvoorde, Hans Bonte, à rede de TV RTBF. Sua cidade nos arredores da capital também já foi apontada como um epicentro de terrorismo, mas desde janeiro tem liderado esforços para erradicar o problema.

Dezenove prefeituras

Bruxelas não tem uma administração centralizada, mas um total de 19 comunas, extremamente autônomas e que dispõem de seus próprios prefeitos, vereadores e regras locais. Alguns dos conselhos municipais dessas áreas contam com até 50 membros. Esse modelo administrativo descentralizado e confuso não colabora com o combate ao terrorismo.

Aos prefeitos, cabe administrar não apenas a educação e os bens públicos, mas também manter a segurança em suas áreas. E muitas vezes suas administrações dependem de coalizões frágeis para se manter no poder. Entre essas prefeituras está a de Molenbeek , apontada por órgãos de inteligência como o local de concentração de muitos terroristas que atacaram Paris.

Toda a área que compreende as prefeituras é, em princípio, comandada por uma espécie de primeiro-ministro, mas na prática ele tem pouco poder – e a questão da segurança não faz parte das suas atribuições.

Para complicar ainda mais, também existe a figura de um governador para toda a área, uma função burocrática que representa os interesses do governo federal na região. Por fim, a capital ainda tem três comissões para atender suas comunidades linguísticas em assuntos como educação e cultura, cada uma com seu próprio parlamento.

Seis departamentos de polícia

Essa fragmentação administrativa também se faz presente na estrutura da polícia local. A cidade não possui um departamento de polícia, mas seis – todos independentes –, cujas zonas de atuação se estendem por várias prefeituras. O efetivo policial total da área da capital inclui 5 mil homens, só que eles não respondem a um comando unificado, mas a seis colégios formados pelos prefeitos que estão na área de cada uma das zonas de atuação – e esses prefeitos têm interesses que muitas vezes não coincidem, além de serem rivais no plano federal (vários deles também são deputados).

Há também outros complicadores, como o fato de a vigilância no interior dos trens de Bruxelas ser uma atribuição da polícia federal e o policiamento das estações de trem ser responsabilidade das polícias locais.

As próprias autoridades belgas reconhecem as dificuldades. “O fato de a política e a polícia de Bruxelas serem mais divididas do que seria aconselhável numa cidade desse tamanho cria problemas adicionais para a vigilância”, afirmou o Ministro da Justiça, Koen Geens, à rede CNN.

“Temos 1,2 milhão de habitantes e seis departamentos. Nova York, com seus 11 milhões de habitantes, tem só um”, disse o ministro do Interior, Jan Jambon, ao site Politico, apenas dois dias antes dos ataques em Paris. A cidade também não conta com uma divisão antiterrorista, a exemplo de outras grandes cidades, incluindo Nova York.

Problemas em dois idiomas

Outras peculiaridades do Estado belga – tradicionalmente dividido entre os valões no sul, que falam francês, e os flamengos no norte, falantes do holandês – também jogam contra a eficiência da polícia local.

Como Bruxelas é oficialmente considerada uma área bilíngue franco-flamenga (embora a maioria da população fale francês), é exigido que os policiais também sejam fluentes nos dois idiomas. Segundo a imprensa belga, isso dificulta o recrutamento local. Consequentemente, a maioria dos policiais de Bruxelas vem de outras cidades e não está tão familiarizada com as comunidades locais. Segundo um censo elaborado este ano, apenas 8% dos policiais são originários das zonas em que atuam.

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