Consumada a demissão de Geddel Vieira Lima, um dos homens fortes do governo federal, a ordem no Palácio do Planalto é desconstruir a imagem de Marcelo Calero, ex-ministro da Cultura e responsável por acusações graves que envolvem inclusive o presidente da República.
Para Michel Temer, a essa altura dos acontecimentos, resta apenas uma saída, a de sair atirando na direção de Calero, que não apenas acusou o presidente de tê-lo “enquadrado”, mas gravou conversa com o chefe do Executivo.
É nesse exato ponto, o da gravação da conversa com Michel Temer e Eliseu Padilha, é que está calcada a investida palaciana. O presidente rebateu a acusação de enquadramento, mas, mesmo assim, o assunto é de extrema gravidade. “Ora vejam, quem me conhece sabe que eu não sou de sair ‘enquadrando’ ninguém. O que eu falei a ele foram coisas absolutamente normais”, disse Temer.
O caso ganhou contorno de escândalo porque falta coragem para demitir Geddel tão logo o assunto veio à tona. Michel Temer, sempre pronto para colocar água fria na fervura, classificou o entrevero como “um episódio menor”, como se a coisa pública não exigisse impessoalidade.
A questão não é o motivo que levou Geddel a pressionar Marcelo Calero, mas o ato em si, que afronta contra a moralidade pública, uma vez que ficou patente, por parte do ministro demissionário, a advocacia em causa própria.
Conhecido como renomado constitucionalista e autor de vários livros sobre o tema, Michel Temer não precisaria enfrentar essa turbulência política, inclusive mantendo no cargo o chefe da Secretaria de Governo. Bastava dar a Geddel um exemplar da Constituição Federal de 1988, com destaque à página onde encontra-se o artigo 30, inciso IX, da Carta Magna.
“Art. 30. Compete aos Municípios:
IX – promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.”
Mesmo que o presidente desconheça a íntegra da Constituição Federal, há, entre as centenas de servidores palacianos, alguns especialistas no assunto. A quizila só não foi resolvida porque prevaleceu o desejo de cometer a ilegalidade no vácuo do enfadonho pensamento “você sabe com quem está falando?”. E quem conhece Geddel sabe que o desenrolar dos fatos não se deu com a diplomacia que muitos têm sugerido.
Há nesse imbróglio dois fatos distintos a serem analisados. O primeiro, que vem sendo deixado de lado, é a postura condenável de Geddel Vieira Lima, que usou o cargo em benefício próprio. No final, a arrogância custou mais caro do que se imaginava. O segundo fato é a suposta gravação feita por Marcelo Calero. Se isso realmente aconteceu, o presidente está diante de inequívoca quebra de confiança, o que é inaceitável.
Em suma, Michel Temer deve aproveitar o caso para tirar lições, se é que o presidente está disposto a aprender a essa altura da vida: a necessidade de escolher bem os assessores, não confundir tráfico de influência com briga entre ministros e ler com mais atenção a Carta Magna. Respeitados os ensinamentos, episódios semelhantes deixarão de acontecer.