Sociedade de consumo e comunicação social: a confusão está estabelecida

(*) Rizzatto Nunes

A confusão está estabelecida.

Nas redes sociais (o que é compreensível), mas também nos veículos de comunicação (infelizmente, o que não seria de se aceitar), estabeleceu-se uma confusão enorme no significado das palavras. O que era para ser claro e objetivo semanticamente falando ganhou sentidos opostos; o que devia ser obscuro em sua essência mais profunda, parece muito simples.

Vou citar dois exemplos trazidos por meu amigo Outrem Ego. Ele, sempre preocupado com a clareza das comunicações, me perguntou: “Como é que alguém pode ser contra uma política de Direitos Humanos? Estes não seriam os direitos fundamentais de todas as pessoas?”. Sim, sem dúvida.

E colocando a questão da obscuridade onde deveria tudo ser claro, questionou: “Onde está escrito que quem é a favor dos Direitos Humanos é ao mesmo tempo a favor de bandidos?”. De fato, não só não está escrito, como ninguém duvida que quem comete crimes deve ser punido e cumprir a pena a qual foi condenado (a).

Entrando mais ainda na seara do obscuro tratado com singeleza, perguntou: “Quer dizer que quem é contra o aborto é fundamentalista religioso ou antifeminista? Pois saiba meu amigo, que não sou fundamentalista religioso, embora cristão e sempre fui feminista, sempre defendi o direito à igualdade de todos, homens e mulheres”. Realmente, essa retórica é simultaneamente simplista e superficial. Há muitas mulheres contra o aborto e a favor de seus direitos como iguais, feministas sem serem abortistas.

São apenas dois casos, mas simbolicamente importantes para que possamos refletir sobre o problema.

Não estamos vivendo apenas uma era de radicalizações de lado a lado. É pior: as pessoas estão confundindo os significados de conceitos que são muito caros para um bom entendimento das virtudes dos seres humanos.

Some-se a isso a ideia (e realidade) de que a pós-verdade é um dos elementos mais marcantes da sociedade atual e corremos o risco de viver um caos comunicativo.

Eu sei que existem comunicações claras e comunicações obscuras. Entre os dois extremos há, certamente, uma ampla zona cinzenta na qual cada um pode tomar o partido que quiser, mas é preciso que nos extremos nós possamos ter certeza do que está sendo dito, feito e comunicado, sob pena de tudo se perder num enorme cipoal de palavras.

Nós que somos da área jurídica, muitas vezes, pensamos que tudo pode ser dito ou escrito e a respeito de qualquer coisa. Mas, não é nem pode ser assim. Ainda que a chamada Ciência do Direito não seja exata como as matemáticas, tem que haver um núcleo de comunicação em que a segurança se estabeleça.

Segue um exemplo que eu gosto de dar: num estádio de futebol estão 1.000 bacharéis em física e química. No centro do gramado está colocada uma vasilha cheia de água sobre a boca de um fogão acesso. A água começa a ferver. Distribui-se um questionário com a seguinte pergunta: “A água está fervendo. Qual é a temperatura dela em Celsius: a) 80 graus; b) 100 graus: c) 30 graus e d) 55 graus”. A resposta todos conhecem. Não é uma questão de opinião. Se algum dos bacharéis presentes não quiser apontar 100 graus porque pensa diferente, então, ele simplesmente errou a resposta. E ponto.

No Direito, isso é possível? E nas comunicações sociais seria possível também?

No Direito, tem que ser, em alguma medida. Por mais que a linguagem jurídica seja fortemente retórica, certamente há de haver algumas questões que se possa fazer a bacharéis em direito a que eles respondam num mesmo sentido. Aliás, se assim não fosse, como é que os professores fariam avaliações na Faculdade de Direito? Ou como é que se fariam avaliações nos exames da OAB ou para ingresso em qualquer carreira jurídica?

E nas comunicações sociais?

Parece mais difícil, isso é certo. Mas, nem tudo o que se diz pode passar como verdadeiro ou como falso. Nem tudo o que se diz pode ficar sujeito a diversas interpretações díspares. Afinal, quando alguém dá “bom dia”, o sentido imediato deve ser o de um cumprimento, ainda que o dia não esteja lá essas coisas.

A verdade é que, com ou sem eleições, com ou sem paixões exacerbadas pela defesa de temas novos ou antigos, como ou sem defesa de assuntos polêmicos, a manipulação das comunicações sociais fica cada dia mais clara, ainda que, para nosso espanto, nem sempre seja fácil identificar o agente manipulador.

(*) Luiz Antônio Rizzatto Nunes é professor de Direito, Mestre e Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP); Livre-Docente em Direito do Consumidor pela PUC-SP e Desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo.