(*) Ucho Haddad
Na última eleição, estava certo de que meu dever como cidadão era escolher um candidato capaz de comandar o País. Contudo, ao que parece, tomando por base a sempre colérica reação de boa parte da opinião pública, agora cada cidadão tem a obrigação de torcer para que tudo dê certo. Pelo que sei, a única obrigação que temos no Brasil é pagar impostos elevadíssimos, sem a devida contrapartida. E sem direito a reclamar. Aliás, torço pelo Corinthians, o Alvinegro Paulistano, o que já me dá muito trabalho e dores de cabeça.
Quando Jair Bolsonaro, enquanto candidato, fugiu dos debates eleitorais, usando os problemas de saúde como desculpa, não hesitei em afirmar que as seguidas desistências poderiam lhe garantir a vitória nas urnas, pois seu despreparo como político era avassalador (e continua sendo) e a pouca intimidade com a oratória, evidente. E que ninguém ouse afirmar o contrário, já que negar o óbvio é assassinar a coerência.
Governar um país com a complexidade do Brasil não é tarefa fácil. O desafio torna-se hercúleo quando há uma crise grave e múltipla pelo caminho, como a que enfrentamos no momento. Em outras palavras, governar não é para amadores adeptos da fanfarronice, que usam o populismo barato e visguento como armadilha para abduzir o eleitor. Assunto que os brasileiros de bom senso conhecem com largueza.
Mesmo assim, ciente da própria incompetência e da incapacidade de realização do Estado no curto prazo devido às contas públicas, Jair Bolsonaro insistiu em “vender-se” aos eleitores como o salvador dessa barafunda em que se transformou o Brasil. Para tal, o agora presidente adotou um discurso perigoso, mas sedutor, que prometia o resgate de valores, o combate à corrupção e o fim da esquerda.
Como disse o dramaturgo irlandês George Bernard Shaw, “a democracia é apenas a substituição de alguns corruptos por muitos incompetentes”. Eis o retrato do Brasil de hoje.
De trás para diante, a tríade discursiva de Bolsonaro é pífia e falida, pois nada do que foi dito é factível. Eliminar a esquerda do cenário político nacional é mera utopia, mas esse palavrório insano serve como anestésico para o inconsciente coletivo, que continua acreditando no impossível. A promessa de combater a corrupção foi pelos ares muito antes do início oficial do governo, com a nomeação de assessores envolvidos em escândalos. Sobre o resgate de valores, o que Bolsonaro e sua trupe desejam é levar o Brasil ao passado, na esteira da falsa sensação de que antes tudo funcionava, mesmo que à base do porrete e da violência.
No artigo 5º, inciso XIV, a Constituição de 1988 reza que “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”. Eis um dos pilares da nossa democracia, mas no Brasil atual ou pensa-se a favor de Bolsonaro ou aceita-se ser chamado de comunista e outros adjetivos. Em suma, o direito de discordar foi suprimido desde que o capitão decidiu ser candidato.
Diz a sabedoria popular “quem não tem competência que não se estabeleça”, mas Jair Bolsonaro não está preocupado com isso, pois quem discordar que procure sua turma ou se prepare para enfrentar suas crias ou seus truculentos seguidores. Até porque, o agora presidente disse, certa feita, que as minorias têm de se submeter à maioria, como se isso fosse democrático. Dane-se o que pensa o Sassá Mutema de quepe e seus pitbulls de plantão.
Em menos de dez dias de governo, Bolsonaro recuou inúmeras vezes, foi obrigado a desistir de algumas medidas adotadas, negou as próprias palavras outras tantas vezes. Apesar desse começo atabalhoado, seus eleitores creem que aqueles que discordam desse comportamento gangorra – talvez seja marcha à ré – têm o dever de se comportar como gado na fila do abate. Não faço parte de manada e continuarei emitindo minha opinião quando quiser e do jeito que quiser.
A mim não cabe ficar adulando Bolsonaro apenas e tão somente porque ele conseguiu derrotar o PT nas urnas. Lembro que durante a campanha questionei muitos eleitores sobre a decisão de votar no atual presidente porque ele representava um voto contra o PT. Cada um vota como quiser, mas votar contra o PT e a favor do quê? A favor desse governo trôpego que aí está?
Lamento, mas não me contento com pouco em termos políticos, pois não tenho complexo de vira-lata. Além disso, como jornalista não me cabe o conformismo, mas o mister de ser vigilante o tempo todo e crítico com a devida responsabilidade. Se a maioria dos brasileiros aceita o quadro que aí está, no melhor estilo trapalhões, que cada um faça o papel de vaca de presépio.
Não há na legislação brasileira, pelo menos por enquanto, crime de opinião. Sendo assim, continuarei escrevendo o que penso, gostem ou não os bolsonaristas, cujo pensamento torpe e a intolerância exacerbada fazem com que me acusem de ser comunista, petista, parente de Fernando Haddad e outros quetais. Não sou parente do Fernando, apesar do sobrenome coincidente – e se fosse não invalidaria minha opinião –, não sou comunista, pelo contrário, adoro tudo que o capitalismo tem a oferecer. Que não me mandem para Cuba ou Venezuela, já que nasci para viver em outras plagas. Como citei, não me contento com pouco.
Fossem verdadeiras as acusações que fazem os tresloucados defensores do James Bond de Pindorama, jamais teria denunciado o esquema de corrupção que derreteu os cofres da Petrobras durante uma década. Simplesmente teria embolsado suborno milionário que me foi oferecido e hoje estaria a viver em algum lugar nababesco, rodeado das muitas benesses do capitalismo, assistindo de binóculos a “companheirada” terminando de devorar o País.
A patuleia bolsonática pode disparar ofensas à vontade, pois, como profetizou Isaac Asimov, “a violência é o último refúgio do incompetente”. Ou, como disse o francês Jean-Jacques Rousseau, “as injúrias são as razões dos que não têm razão”. Fiquem à vontade e escolham aquele que lhes cai bem. Porque lutei de forma incansável e intermitente contra corruptos não significa que tenho o dever de aceitar passivamente um bando de estúpidos que acreditam ser herdeiros do gênio da lâmpada.
A cada dois anos, assim como fazem milhões de brasileiros, vou às urnas por obrigação. Um dia já fui votar com a falsa sensação de que era possível mudar, mas hoje não mais penso assim, porque das urnas sempre sai “mais do mesmo”. Por isso não torço a favor ou contra, até porque quem se candidata deve ser no mínimo competente. Por outro lado, se ao estádio já não vou para torcer pelo Corinthians, sempre altaneiro, por causa da violência, só me faltava ser obrigado a torcer por um rastaquera que acredita ser a faixa presidencial a escritura do universo.
(*) Ucho Haddad é jornalista político e investigativo, analista e comentarista político, escritor, poeta, palestrante e fotógrafo por devoção.