De Marielle a Fabrício Queiroz, coincidências na vida de Bolsonaro merecem sessão de descarrego

Diz a lenda que um raio não cai duas vezes no mesmo lugar, mas a política brasileira é capaz de produzir situações que até a natureza chega a duvidar. Durante quase três décadas integrando o chamado “baixo clero” da Câmara dos Deputados, Jair Bolsonaro só chegou ao Palácio do Planalto porque alguém no seu entorno enxergou a possibilidade de transformá-lo na materialização do discurso antipetista.

Longe de ter competência e capacidade de realização para fazer das absurdas promessas de campanha uma realidade minimamente viável, Bolsonaro vive à sombra de polêmicas que insiste em protagonizar nas redes sociais, muitas delas com ataques a adversários ideológicos e à imprensa. Isso porque o presidente da República precisa cada vez mais manter a aura do bom-mocismo que o levou à Presidência da República.

Crente de que sua chegada ao Palácio do Planalto seria uma espécie de escudo contra tudo e todos, Jair Bolsonaro não esperava que o mundo pudesse cair sobre sua cabeça em tão pouco tempo. O que vem ocorrendo de forma contínua, como se fosse novela de horrores à espera de uma benzedeira.

Jair Bolsonaro ainda não tinha tomado posse quando estourou o escândalo envolvendo Fabrício Queiroz, flagrado pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) por causa de “movimentações atípicas”. Ex-assessor parlamentar de Flávio Bolsonaro na Alerj, Queiroz desapareceu após divulgação de relatório do Coaf, mas na primeira entrevista disse que era o dinheiro que movimentou em sua conta bancária (R$ 1,2 milhão) era fruto de negócio paralelo – compra e venda de veículos usados.

Tudo teria passado em brancas nuvens se na movimentação de Fabrício não constasse um depósito no valor de R$ 24 mil em favor de Michelle Bolsonaro, atual primeira-dama do País. Bolsonaro, o presidente, apressou-se em explicar o caso e disse que o depósito era pagamento de parte de empréstimo (R$ 40 mil) que concedera a Queiroz, seu amigo de longa data. Desde então, Bolsonaro não comprovou o tal empréstimo feito ao ex-assessor do filho mais velho. Por outro lado, o mesmo Fabrício Queiroz disse em entrevista que era um fazedor de dinheiro. E quem faz dinheiro, supõe-se, não precise recorrer a empréstimos.

A situação piorou sobremaneira quando Fabrício Queiroz foi intimado pelo Ministério Público do Rio de Janeiro para depor, mas não compareceu sob a alegação de que enfrentava problemas de saúde. E o ex-assessor e até então dublê de vendedor de carros estava foragido na comunidade de Rio das Pedras, na Zona Oeste carioca, região dominada por milicianos. Queiroz faltou a quatro depoimentos marcados pelo MP fluminense.

Na movimentação bancária de Queiroz foi constatado que servidores do gabinete de Flávio Bolsonaro faziam repasses sistemáticos para a conta do ex-assessor. Isso colocou o filho do presidente da República em situação de dificuldade, principalmente depois que ele próprio (Flávio) depositou de forma fracionada R$ 96 mil na sua conta bancária, usando o caixa eletrônico existente na Alerj.

Exonerado do cargo de assessor em outubro de 2018 e vivendo apenas da aposentadoria que recebe da Polícia Militar do Rio de Janeiro, Fabrício Queiroz, que após exames médicos descobriu um câncer no intestino, decidiu submeter-se a cirurgia para a retirada do tumor no Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo, um dos mais caros do País. Sem plano de saúde, Queiroz disse que pagou a conta da cirurgia e da internação (R$ 100 mil) do próprio bolso. Coincidência ou não, Jair Bolsonaro foi operado no mesmo hospital.

Queiroz, que parece não saber que no Rio Janeiro também há excelentes hospitais e médicos, preferiu fazer o tratamento quimioterápico na capital paulista, para onde levou toda a família. Ou seja, o ex-assessor parlamentar de Flávio Bolsonaro de fato não tem problemas financeiros.


Diante do quadro de saúde, Queiroz depôs ao MP fluminense por escrito. Aos procuradores afirmou que o dinheiro arrecadado junto aos servidores do gabinete (operação conhecida como “rachadinha”) era usado para ampliar a base política de Flávio Bolsonaro no estado. O que contraria o depoimento de um dos servidores, que afirmou ao MP que repassava parte do salário a Queiroz para agiotagem.

Entre idas e vindas, o escândalo que tinha apenas Fabrício Queiroz na proa começou a mirar em Flávio Bolsonaro, que viu seu calvário aumentar com a notícia que a mãe e a esposa de Adriano da Nóbrega, miliciano procurado pela polícia e que encontra-se foragido, trabalharam durante anos em seu gabinete na Alerj.

Adriano da Nóbrega, que comanda a milícia na comunidade de Rio das Peras, onde Fabrício Queiroz ficou escondido, é fundador do “Escritório do Crime”, grupo de matadores de aluguel que age no Rio de Janeiro e sempre esteve na mira das autoridades por suspeita de envolvimento no assassinato de Marielle Franco.

Nas primeiras horas desta terça-feira (12), a Polícia Civil do Rio de Janeiro e o Ministério Público fluminense prenderam Ronnie Lessa, sargento aposentado da PM, e Élcio Vieira de Queiroz, ex-policial militar, por envolvimento direto no assassinato de Marielle Franco.

Tido como exímio atirador e conhecido nos meios policiais por sua atuação em crimes de mando e principalmente por sua frieza ao agir, Ronnie Lessa foi preso em um condomínio na Barra da Tijuca, o mesmo onde o mora o presidente Jair Bolsonaro. Até então, nada de mais, pois coincidências existem e Bolsonaro tem agido de forma bizarra a ponto de acender a faísca dos fãs da teoria da conspiração.

Mas não foi preciso esperar muito tempo para que um novo capítulo surgisse para colocar mais combustível na flamejante e ardente fogueira que tira o sono da família presidencial, que luta para manter a aura impoluta.

Durante entrevista coletiva concedida na manhã desta terça-feira (12), no Rio de Janeiro, o delegado Giniton Lages, responsável pela investigação do caso Marielle, ao ser questionado por um jornalista se um filho de Jair Bolsonaro namorou com uma filha de Lessa, respondeu positivamente.

“Mas isso, para nós, hoje, não importou na motivação delitiva. Isso vai ser enfrentado num momento oportuno. Não é importante para esse momento”, emendou Lages.

Não se trata de especulação, mas de elaboração da cronologia dos principais fatos de uma ópera criminosa que parece não ter fim e vem tirando o sono do clã Bolsonaro.

Se o raio, pelo menos na seara política, cai inúmeras vezes no mesmo lugar, como prova o caso em questão, Jair Bolsonaro precisa urgentemente passar por uma sessão de descarrego, antes que a situação piore ainda mais. Até porque, o presidente parece ter entrado na fila do azar mais de uma vez.