Cooperminas: ANM age de forma covarde e sorrateira para impedir retorno de carbonífera – Parte I

Quando foi às urnas em 2018, na eleição mais polarizada dos últimos tempos, o brasileiro acreditou que o sentimento de vingança bastaria para sepultar o recente período de desmandos e corrupção que marcou a história nacional. Com a ascensão do radicalismo ao Poder, o cidadão passou a apostar na falácia que todos os problemas seriam resolvidos em um passe de mágica, como se necessário não fosse redobrar a atenção para os costumeiros oportunistas que devoram criminosa e sorrateiramente a estrutura do Estado.

Com a opinião pública preocupada com os quase intermináveis e sempre insanos debates nas redes sociais, pelejas que nada mais são do que teimosos epílogos da corrida presidencial, os especialistas em dilapidação da máquina pública continuam a agir de forma deliberada, ao largo dos olhos da população. Ser patriota vai muito além da cartilha dos que saem às ruas com a bandeira brasileira no dorso e gritando palavras de ordem, pois a eterna vigilância é mais do que necessária.

Esse introito serve para tratar do escárnio de que é vítima a Cooperativa de Extração de Carvão Mineral dos Trabalhadores de Criciúma (Coooperminas), de Santa Catarina, oriunda da Companhia Brasileira Carboquímica de Araranguá (CBCA), fundada em 1917. Sete década depois de surgir no cenário empresarial brasileiro, mais precisamente em 1987, a CBCA passou a esgrimar contra dificuldades financeiras e, sem fôlego e destreza, foi à bancarrota após funcionários deflagrarem greve em razão do não pagamento de três meses de salários.

Com a possibilidade de estatização da CBCA, os ex-funcionários da carbonífera e de outras mineradoras da região levaram a cabo um movimento jamais visto na região. Os mineiros montaram acampamento sobre os trilhos da ferrovia, impedindo o escoamento de toda a produção de carvão de Criciúma, que depende basicamente dessa atividade.

Aos poucos, o movimento dos trabalhadores começou a dar os primeiros resultados, pois conquistou a opinião pública local, reforçando as principais reivindicações. Na prática, a investida dos mineiros resultou no pagamento de um mês de salários atrasados e na autorização para o sindicato da categoria assumir como síndico da massa falida da CBCA. Em agosto de 1987, os mineiros começaram a administrar a empresa. Os novos gestores receberam do governo alguns recursos para explorar nova mina de carvão da CBCA, mas esse aporte se resumiu ao pagamento do vale-alimentação e das contas de energia e água. Tudo o mais ficou por conta da movimentação do próprio negócio, que só foi possível com o esforço e a dedicação dos funcionários.

Apesar das dificuldades, os trabalhadores avançavam na gestão da Cooperminas, sucessora da CBCA, o que permitiu, no prazo de cinco anos (até 1992) regularizar o pagamento dos salários, mesmo que com pontuais atrasos de alguns dias ou eventuais parcelamentos, em razão do fluxo de caixa. Considerando que um período de três meses sem salários levou os trabalhadores a um movimento inédito na região, esse novo cenário era considerado uma grande conquista.

A recuperação de empresas em dificuldades financeiras ou situação falimentar por trabalhadores deveria ser adotada com mais frequência no Brasil, pois funcionários que conhecem o negócio como um todo assumem o comando de companhias sob o manto da autogestão, sem a necessidade de um período de readequação quando há mudança no controle acionário ou de proprietário.

Recuperada em 1987, como mencionado acima, a Cooperminas foi umas das primeiras empresas a ingressarem nesse rol de autogestão no País. Atualmente, a carbonífera conta com cinco centenas de trabalhadores e tem capacidade de produzir 4 mil toneladas de carvão bruto por dia.

Contudo, em 1994 um novo episódio volta a assombrar a Cooperminas. Naquele ano, a Justiça decidiu arrendar a mina da companhia para um empresário da região, decisão essa que desconsiderou a questão social envolvendo os trabalhadores e suas famílias, além do plano de autogestão da empresa, que até aquele momento apresentava resultados positivos. Essa decisão judicial foi o bastante para a geração de novos conflitos, uma vez que os mineiros se uniram para impedir a retomada da empresa.

Os trabalhadores abriram trincheiras no caminho que leva à Cooperminas e, com os corpos envoltos por “bananas” de dinamite, ameaçavam mandar tudo pelos ares. A Justiça voltou atrás na decisão de arrendar a mina da carbonífera, permitindo que uma quase normalidade voltasse a reinar na empresa e entre seus trabalhadores.

Apesar dessas vitórias no campo da gestão da empresa, os mineiros convivem até hoje com alguns fantasmas, algo inerente à profissão e que se repete em várias partes do planeta, produzindo às vezes desfechos nem sempre agradáveis, pelo contrário. Entre esses temores estão a possibilidade iminente de desabamento das minas – mesmo com o avanço da tecnologia –, escuridão persistente nas galerias localizadas a 150 metros abaixo da superfície, as caminhadas diárias (média de 5 Km) durante o processo de exploração, o barulho ensurdecedor das furadeiras e o calor extenuante, além da visível poluição decorrente da extração do carvão.

Em um país com mais de 210 milhões de habitantes e cuja maioria da população recebe menos de dois salários mínimos por mês, é impossível falar em recuperação econômica sem pensar, de chofre, na melhoria das condições de vida do cidadão, que começa obrigatoriamente pela geração de oportunidades e pelo incremento salarial. Uma das bandeiras da Cooperminas, faz-se necessário ressaltar, é promover o desenvolvimento para a sociedade da região carbonífera de Santa Catarina, para os mineiros de Criciúma e para trabalhadores da empresa, que ao longo da sua história empregou mais de 14 mil trabalhadores em suas mais distintas operações, entre cooperados e celetistas.

Na fábula “O Lobo e o Cordeiro”, o escritor e poeta francês Jean de La Fontaine discorre com maestria para, ao final, levar os leitores à conclusão de que a razão do mais forte é sempre a que prevalece, em que pese o fato de não ser a melhor, a verdadeira e a lógica. Citamos La Fontaine para ilustrar o cenário atual da Cooperminas, que desde 2017 vem enfrentando o lobo chamado “Poder Público”, nesse caso específico representado pela Agência Nacional de Mineração, que, como sucessora do DNPM, insiste na sua essência de covil.

Em setembro de 2017, a Cooperminas foi alvo de interdição por parte do então Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), regional de Santa Catarina, órgão substituído às pressas e no apagar das luzes do governo Temer pela Agência Nacional de Mineração (ANM), que carregou na bagagem os vícios e desmandos da estrutura da antecessora. É importante destacar que o DNPM foi alvo de diversas denúncias do UCHO.INFO, muitas das quais levaram os outrora ocupantes do Palácio do Planalto a rever decisões, muitas das quais noticiadas pela grande imprensa após nossa corajosa e destemida iniciativa. Outrossim, até hoje a Casa Civil do governo Bolsonaro aciona o sinal de alerta quando o nome deste portal de notícias é mencionado em reuniões organizadas para tratar de questões relacionadas ao setor da mineração.

A interdição da Cooperminas pelo DNPM-SC se deu em razão de as licenças ambientais da empresa estarem vencidas. Desde então, a Cooperminas tem se empenhado e investindo recursos com o objetivo de atender às exigências impostas pelo capítulo catarinense da Agência Nacional de Mineração (ANM-SC), mas vem se deparando com dificuldades sequenciais que remetem a uma eventual falta de vontade do Poder Público para viabilizar a retomada das suas atividades. Em um país que tem a corrupção como mola propulsora, é o caso do Brasil, esse paredão de dificuldades imposto à Cooperminas sugere que algo escuso existe nos bastidores. O que não será novidade, caso confirmado.

Sem poder operar desde a interdição determinada pela ANM, órgão presidido pelo polêmico e escorregadio Victor Hugo Bicca, a Cooperminas interrompeu a extração de carvão e, ato contínuo, suspendeu sua atividade comercial, o que comprometeu as questões salariais e trabalhistas, como se o caos social interessasse a alguém. É preciso pensar coletivamente caso queiramos, em algum momento, alcançar um país minimamente justo e igualitário. E não será com ações questionáveis, como as que têm sido adotadas pela ANM, que o brasileiro poderá sonhar com dias melhores, muito menos se ver livre de desmandos.

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