Denúncia contra Glenn Greenwald atropela a democracia, o Estado de Direito e a liberdade de imprensa

Após a chegada de Jair Bolsonaro ao Palácio do Planalto, o Brasil iniciou, a largos passos, uma preocupante caminhada na direção do retrocesso e do obscurantismo, colocando à beira do precipício a democracia e o Estado de Direito. A lufada de autoritarismo que sopra na direção do País é inaceitável, mas parte da sociedade, que age à sombra de uma estupidez típica de fãs clubes, endossa medidas que atentam contra as liberdades individuais e atropelam as garantias constitucionais.

A decisão do Ministério Público Federal de denunciar o jornalista Glenn Greenwald no âmbito da Operação Spoofing, que investigou o hackeamento de celulares de políticos e autoridades, é uma prova inconteste de que a escalada do autoritarismo tem agentes do Estado como patrocinadores.

Se a própria Polícia Federal, no âmbito das investigações, não encontrou qualquer indício de participação de Greenwald na ação dos hackers, só resta concluir que se trata de uma retaliação, cujo objetivo é tentar preservar a irrecuperável imagem do procurador Deltan Dallagnol e do agora ministro da Justiça, Sérgio Moro, então juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba.

Responsável pelo caso, o delgado federal Luiz Flávio Zampronha escreveu em seu relatório: “Pelas evidências obtidas até o momento, não é possível identificar a participação moral e material do jornalista Glenn Greenwald nos crimes investigados. Do mesmo modo, em relação ao crime de receptação, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que, para a configuração do tipo penal, o objeto material do crime deve possuir valor econômico intrínseco, o que não é verificado no caso”.

A conclusão de Zampronha encontra-se em um trecho do relatório logo após a transcrição da conversa que serviu como base para a denúncia do procurador Wellington Divino Marques de Oliveira.

Na denúncia, Oliveira afirma que um arquivo de áudio encontrado em computador apreendido na Operação Spoofing mostra que Glenn Greenwald orientou os hackers a apagarem as mensagens, o que, na opinião do representante do MPF, caracteriza “clara conduta de participação auxiliar no delito, buscando subverter a ideia de proteção a fonte jornalística em uma imunidade para orientação de criminosos”.

Denunciar alguém que sequer foi investigado é uma clara violação dos mais básicos conceitos de Direito Penal, pois é evidente a ausência de uma justa causa que garanta a persecução penal. O procurador Wellington Oliveira ou desconhece o Direito Penal ou foi impelido pelo espírito corporativista, uma vez que a denúncia em questão é um escárnio jurídico que só teve lugar durante a ditadura militar.

A ignorância jurídica do procurador da República fica patente quando em cena entra a sanha persecutória, uma vez que o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), já havia decidido que o jornalista, fundador do site The Intercept Brasil, não pode ser investigado no escopo da Operação Spoofing. E quem não é investigado não pode ser denunciado, conceito elementar do Direito Penal.

Porém, se o procurador Wellington de Oliveira encontrou algum elemento que comprova a participação de Glenn Greenwald, deveria ter solicitado ao STF autorização para investigar o jornalista e, provas sobre a mesa, oferecer a denúncia. Em suma, a denúncia oferecida pelo MPF serviu apenas para, mais uma vez, mostrar que a força-tarefa da Lava-Jato em Curitiba e Sérgio Moro são avessos à democracia e ao Estado de Direito.

Não obstante, faz-se necessário ressaltar que ninguém, independentemente de cargo, está acima da Carta Magna, que garante de maneira tácita e cristalina o direito à liberdade de expressão e o sigilo da fonte. De tal modo, se o procurador da República que denunciou o jornalista está a sofrer de amnésia jurídica, seja de conveniência ou não, o melhor é voltar a esquentar o banco da escola.