Bolsonaro mantém Fábio Wajngarten na Secom para não admitir gravidade da denúncia da Folha

Quando utilizou a tribuna da Câmara dos Deputados, em 1998, época em que cumpria mandato parlamentar, para defender os então presidentes Hugo Chávez, da Venezuela, e Alberto Fujimori, do Peru, e para cobrar a libertação do ex-ditador chileno Augusto Pinochet e destacar o direito do general paraguaio Lino Oviedo (condenado por um tribunal militar) de concorrer à Presidência do país sul-americano, Jair Bolsonaro escancarou suas entranhas totalitaristas, algo que desde janeiro de 2019 ganhou notoriedade com o mandato presidencial. Ou seja, Bolsonaro sempre foi fã de regimes totalitários e jamais escondeu seu apreço por ditadores.

Duas décadas depois, faltando uma semana para o segundo turno da corrida presidencial de 2018, Bolsonaro, em pronunciamento transmitido por vídeo para apoiadores que se aglomeravam na Avenida Paulista, na cidade de São Paulo, disse: “Somos amantes da liberdade, queremos a democracia e queremos viver em paz”.

Bolsonaro, como qualquer cidadão brasileiro ou que vive no País, tem o direito constitucional à livre manifestação do pensamento, o que lhe permite acionar a qualquer momento seu conhecido besteirol, mas a única coisa pela qual o presidente não tem apreço é a democracia, o que remete à liberdade.

Naquele 21 de outubro de 2018, um inflamado Jair Bolsonaro, que já contava com a vitória nas urnas da segunda volta, não poupou palavras para atacar o jornal “Folha de S.Paulo”, publicação que passou a ser alvo de investidas covardes e criminosas por parte do chefe do Executivo, que como bom e disfarçado ditador não aceita a imprensa livre, mas apenas os profissionais de imprensa que se colocam em posição genuflexa diante do Palácio do Planalto.

“Sem mentiras, sem fake news, sem Folha de S.Paulo. Nós ganharemos esta guerra. Queremos a imprensa livre, mas com responsabilidade. A Folha de S.Paulo é o maior (sic) fake news do Brasil. Vocês não terão mais verba publicitária do governo. Imprensa livre, parabéns. Imprensa vendida, meus pêsames”, disse Bolsonaro na ocasião.

Há uma diferença considerável entre discordar da linha editorial da Folha e afirmar que o jornal recorre a notícias mentirosas, mas Bolsonaro, que como suposto amante da democracia deveria aceitar o contraditório, a realidade dos fatos e as notícias desfavoráveis, prefere partir para o ataque, mesmo não tendo razão.

Reportagem da Folha sobre o conflito de interesses na Secretaria de Comunicação da Presidência (Secom), comandada pelo empresário Fábio Wajngarten, levou o presidente a mais uma atitude irresponsável.

Alvo de investigação da Polícia Federal por peculato, corrupção passiva e advocacia administrativa, Wajngarten é sócio majoritário de agência de propaganda e marketing que tem como clientes empresas que recebem verbas oficiais do governo através da Secom. Nesse escandaloso conflito de interesses estão emissoras de televisão (Band e Record) e agências de publicidade contratadas pelo governo.

Na manhã desta quarta-feira (5), ao deixar o Palácio da Alvorada, o presidente, ao responder perguntas dos jornalistas sobre o caso envolvendo a Secom, disse não ter visto algo “criminoso” na atitude de Wajngarten.

“Dá a entender que ele é um criminoso. Não é criminoso, eu não vi nada que atente contra ele”, respondeu Bolsonaro. “Wajngarten continua mais firme do que nunca”, completou.

Tivesse o governo doses mínimas de seriedade, como alega o próprio Bolsonaro, o chefe da Secom já teria sido afastado, dando à PF total liberdade para avançar com as investigações, cuja abertura foi solicitada pelo procurador Frederick Lustoza, do Ministério Público Federal (MPF) em Brasília. Não se trata de condenar Wajngarten por antecipação, mas de preservar a imagem do governo, se é que isso ainda é possível, e permitir que o secretário tenha tempo e condições de se defender de forma adequada.

O presidente da República não cede em relação a uma eventual exoneração de Fábio Wajngarten, pois isso representaria, no seu modo de entender, render-se à Folha, algo que sequer passa pelo pensamento do presidente, um déspota convicto travestido de falso amante da democracia.

O saudoso presidente Itamar Franco, certa feita, diante de acusação de corrupção contra Henrique Hargreaves, então chefe da Casa Civil, afastou o amigo de longa do cargo para preservar a imagem do governo e o currículo do colaborador, não sem dar à PF carta branca para uma devassa. Itamar combinou com o amigo que se nada ficasse provado retornaria ao comando da Casa Civil. A investigação concluiu ser infundada a acusação e Henrique Hargreaves voltou ao posto mais forte do que antes.