Diante de um governo canalha, a ordem é resistir com coragem e reagir com firmeza e rapidez

(*) Ucho Haddad

Muito além de vocação, o ofício de jornalista no Brasil exige doses tão elevadas de perseverança e resistência, que acabou transformando-se em profissão de fé. E quem não tiver fé para valer, que não se arrisque, principalmente em tempos de retrocesso e obscurantismo, como os que vivemos agora.

Quando, ainda na corrida presidencial de 2018, afirmava que Jair Bolsonaro, se eleito, em algum momento passaria a flertar com o autoritarismo, a súcia de bajuladores se rebelava com fúria, como se minhas afirmações não fossem uma antecipação dos fatos. Não sou especialista em futurologia nem tenho no criado-mudo uma bola de cristal, mas os longos anos de profissão me permitem fazer análises com boas doses de acerto. E por conhecer a trajetória de Bolsonaro como parlamentar – pífio, é bom dizer – não hesitei em fazer as afirmações que fiz.

Despreparado e populista, além de ignorante e boquirroto incorrigível, Bolsonaro está à frente de um governo propulsado pela canalhice. Se algum integrante do governo sentir-se ofendido com tal afirmação, desde já peço desculpas, pois sempre há exceções, mas o governo, gostem ou não, é canalha. E a canalhice do governo – na verdade é um desgoverno – decorre do pensamento, das atitudes e das declarações de seus atores.

Não faz muito tempo, Bolsonaro, irritado com as perguntas dos jornalistas que diariamente o esperam à porta do Palácio da Alvorada, disse a um dos profissionais de imprensa: “Você tem uma cara de homossexual terrível. Nem por isso eu te acuso de ser homossexual. Se bem que não é crime ser homossexual”. Eu pensei que a última eleição era para presidente da República, mas pelo jeito foi para escolher o chefe de uma casa de alterne qualquer.

Em 5 de fevereiro passado, também ao deixar a residência oficial da Presidência, Jair Bolsonaro, ao defender proposta da ministra Damares Alves que tem a abstinência sexual como política de prevenção à gravidez na adolescência, abusou da sua insana verborragia e disparou: “Uma pessoa com HIV, além do problema sério para ela, é uma despesa para todos no Brasil”.

Na esteira da repercussão negativa da declaração, Bolsonaro viu-se encurralado e passou a acusar a imprensa de ter deturpado suas palavras. Ora, se o presidente não sabe o que fala, assim como não tem massa cinzenta com condições mínimas para garantir uma declaração de improviso e livre de efeitos colaterais desastrosos, que adote o silêncio obsequioso e deixe a imprensa em paz.

Em 27 de julho de 2019, logo após a divulgação da primeira tranche de diálogos entre o ex-juiz Sérgio Moro – agora ministro da Justiça e dublê de Batman tupiniquim – e os histriônicos procuradores da Lava-Jato em Curitiba, pelo site The Intercept Brasil, Bolsonaro deixou explícito em sua fala que o fato de o jornalista Glenn Greenwald ser casado com um homem – o deputado federal David Miranda (PSOL-RJ) – e ter adotado duas crianças no Brasil seria “malandragem”.

“Ele é casado com outro homem e tem meninos adotados no Brasil. Malandro, malandro, para evitar um problema desse, casa com outro malandro e adota criança no Brasil”, disse. A declaração do presidente se deu no escopo da Portaria nº 666 do Ministério da Justiça, que versa sobre “o impedimento de ingresso, a repatriação e a deportação sumária de pessoa perigosa”.

Quando alguém lhe pergunta sobre a possível transferência da embaixada do Brasil para Jerusalém, Bolsonaro reage com violência verbal, possivelmente porque o assunto já deveria ter ficado para as calendas. Não faz muito tempo, o presidente respondeu a um repórter que ousou (sic) questioná-lo sobre o tema: “Você pretende se casar comigo um dia? Não seja preconceituoso! Você, você não gosta de loiro de olhos azuis? Isso é homofobia, vou te processar por homofobia. Não admito homofobia! Seu homofóbico! Você pretende se casar comigo? Responde! Não pretende? Nós inauguramos o escritório da Apex [Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos] com a presença de Benjamin Netanyahu [primeiro-ministro de Israel].”

Pergunto: qual é a relação entre a pergunta do repórter e a resposta do presidente da República. Nenhuma, zero, nihill e outros tantos termos que representam nulidade.

Que Bolsonaro é racista, homofóbico, misógino e xenófobo o mundo já sabe, mas sua imperiosa necessidade de demonstrar macheza e virilidade esconde algo canhestro nas entrelinhas. Talvez nem mesmo Sigmund Freud, se vivo estivesse, seria capaz de explicar. Mesmo assim, recorro à Psicologia, que considera a projeção um mecanismo de defesa no qual os atributos indesejados de determinada pessoa são transferidos a terceiros. Talvez fosse o caso de Jair Bolsonaro procurar um confortável divã ou um chaveiro competente.

Outro assunto que tira o presidente do sério é o escândalo das “rachadinhas”, que tem na proa o filho Flávio e o amigo de longa data – irmão-camarada e companheiro de pescarias – Fabrício Queiroz, a quem Bolsonaro disse ter emprestado R$ 40 mil. No apagar das luzes de 2019, um jornalista perguntou a Bolsonaro sobre o comprovante do empréstimo. Como de costume, a resposta foi um coice: “Porra rapaz, pergunta para sua mãe o comprovante que ela deu para o seu pai, tá certo? Pelo amor de Deus. Comprovante, querem comprovante de tudo. Eu empresto R$ 2 mil. Ah, pelo amor de Deus. Você empresta, você empresta. Fica quieto, eu estou respondendo.”

Deixo de lado o “jeito estúpido de ser” do presidente da República e passo para os que gravitam na sua órbita. Paulo Guedes, ministro da Economia, o tal “Posto Ipiranga”, é o que se pode chamar de “fulanização” da delinquência intelectual. Em pouco mais de um ano no governo, o que o ministro deveria ter feito na economia acabou fazendo na seara do besteirol. Ou seja, proezas mil.

Para ser econômico (pode ser coincidência, mas não é), até porque a paciência do leitor tem limites, passo para os destampatórios de Paulo Guedes. Em setembro de 2019, durante palestra para empresários, em Fortaleza, Guedes resolveu bancar o engraçado (sic) e decidiu fazer galhofa com a aparência da primeira-dama da França, Brigitte Macron: “O presidente falou mesmo, e é verdade mesmo. A mulher é feia mesmo”, disse o ministro, arrancando gargalhadas da submissa plateia.

Em seguida, o titular da Economia tentou se desculpar, mas já era tarde. “Não existe mulher feia. O que existe é mulher vista pelo ângulo ruim”. Na minha modestíssima opinião esse comportamento foge à delinquência intelectual e flerta com a canalhice. Mesmo assim, continuo torcendo para que Guedes faça valer esse conceito burro e chauvinista dentro da própria família. E aqui abstenho-me de citar nomes, pois o ministro sabe quantas “lindas” sentam-se ao seu lado na noite de Natal. Resumindo, na sala de estar do modorrento Paulo Guedes tem urubu pensando que é pavão.

Paulo Guedes mostrou sabujice nauseante quando, em novembro de 2019, na capital norte-americana, disse que não deveria ser motivo de surpresa caso alguém pedisse a volta do AI-5. Na ocasião, o ministro criticou um pedido do ex-presidente Lula para que o povo fosse às ruas protestar contra um governo que, além de autoritário, hoje se mostra canalha.

“Sejam responsáveis, pratiquem a democracia. Ou democracia é só quando o seu lado ganha? Quando o outro lado ganha, com dez meses você já chama todo mundo para quebrar a rua? Que responsabilidade é essa? Não se assustem então se alguém pedir o AI-5. Já não aconteceu uma vez? Ou foi diferente? Levando o povo para a rua para quebrar tudo. Isso é estúpido, é burro, não está à altura da nossa tradição democrática”, disse o ministro.

Há dias, Guedes, em palestra no Rio de Janeiro, comparou os servidores públicos a “parasitas”. A declaração provocou estrago tão grande, que o Palácio do Planalto já sinalizou que pode adiar o envio da reforma administrativa ao Congresso. Em outras palavras, para colocar alguns setores da máquina federal para funcionar é preciso contratar por meio de concursos. Sem a reforma administrativa continuará prevalecendo os status quo. Trocando em miúdos, o burro do Shrek querendo entrar à força na lâmpada maravilhosa do Aladim.

Como se sua genialidade (sic) tivesse chafurdado no cocho da velhacaria, Paulo Guedes, sem ter como explicar o solavanco no mercado de câmbio neste 12 de fevereiro de 2020, disse em evento na capital dos brasileiros que com o dólar baixo “até empregada doméstica estava viajando para a Disneylândia”. Uma declaração elitista e preconceituosa, típica de um delinquente intelectual que ousa dizer que é economista e liberal. Um discurso tosco que agradou banqueiros e especuladores.

O ponto alto da canalhice oficial ficou por conta do deputado Eduardo Bolsonaro, que continua acreditando que pelo fato de ter fritado hambúrguer no frio do estado norte-americano do Maine tinha o direito de ser alçado ao posto de embaixador em Washington. O “mimadinho 03”, que age como príncipe herdeiro do papai ditador, não precisou de ajuda para regurgitar misoginia e estupidez em audiência na CPI das Fake News, na terça-feira, 11 de fevereiro.

Bolsonaro, o baby, aproveitou a ocasião e, pegando carona na fala criminosa do depoente Hans River do Rio Nascimento, afirmou: “Eu não duvido que a senhora Patrícia Campos Mello, jornalista da Folha, possa ter se insinuado sexualmente, como disse o senhor Hans, em troca de informações para tentar prejudicar a campanha do presidente Jair Bolsonaro”.

Talvez o deputado não saiba – ele não sabe de muitas coisas –, mas um jornalista sério e comprometido, como é o caso de Patrícia Campos Mello, não exerce o ofício para prejudicar alhures, mas, sim, para com ética e responsabilidade levar à sociedade a informação com base na verdade. E se a verdade incomoda alguns setores da sociedade, incluindo o clã, lamento.

Sobre insinuar-se sexualmente, como citou o nobre (sic) parlamentar, o melhor é não estender o assunto, pois o que alguns poucos sabem – poucos, mesmo – acerca dos bastidores poderia mandar a república pelos ares – a rés pública também. Afinal, há quem insista em posar como “bela, recatada e do lar”, mas que por certo seria reprovada no Enem do bataclã da esquina mais próxima.

Sem dúvida o governo que aí está é canalha, apesar de ludibriar o cidadão com o falso bom-mocismo. E diante de um governo comprovadamente canalha só resta resistir com coragem e resiliência, não sem antes reagir com firmeza e rapidez. Calhordas com mandatos ou nomeados por seus iguais não me metem medo. Que venham!

(*) Ucho Haddad é jornalista político e investigativo, analista e comentarista político, escritor, poeta, palestrante e fotógrafo por devoção.

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