Livre do coronavírus, por enquanto, Bolsonaro precisa tentar desvencilhar-se do vírus da mitomania

 
Muito tardiamente, o presidente Jair Bolsonaro tenta desfazer o estrago produzido por suas irresponsáveis atitudes no âmbito da pandemia do novo coronavírus, que começa a deixar mortos no Brasil. Depois de tratar com deboche e chistes uma doença contagiosa, classificando as medidas adotadas por governadores como fruto de histeria, Bolsonaro decidiu vestir a capa do bom-mocismo na esperança de que a opinião pública embarcaria em mais um engodo oficial.

Durante a entrevista coletiva que concedeu nesta quarta-feira (18), o Palácio do Planalto, acompanhado de uma equipe de ministros e assessores, o presidente da República teceu elogios ao Legislativo e ao Judiciário, como se ele próprio não tivesse convocado seus apoiadores para os protestos contra o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal (STF).

Muito pior do que a incompetência que o acompanha desde sempre é a desfaçatez com que nega as próprias palavras. Diante dos jornalistas, ladeado por um time de ministros que ostentavam máscaras de proteção, o presidente negou que tenha incentivado os protestos do último domingo, 15 de março, ignorando o que dissera em Boa Vista (RR), oito dias antes, por ocasião da escala técnica que o avião presidencial fez antes de seguir viagem para Miami.

Em 7 de março, na capital roraimense, Bolsonaro discursou para um grupo de apoiadores e pediu para que todos fossem às ruas no último domingo para um movimento “espontâneo”, de acordo com palavras do próprio presidente.

 
“Dia 15 agora, tem um movimento de rua espontâneo e o político que tem medo de movimento de rua não serve para ser político. Então participem, não é um movimento contra o Congresso, contra o Judiciário, é um movimento pró-Brasil. É um movimento que quer mostrar pra todos nós, presidente, Poder Executivo, Poder Legislativo, Poder Judiciário, que quem dá o norte para o Brasil é a população”, disse Bolsonaro na ocasião.

Pois bem, se o movimento era espontâneo, como disse o presidente, não precisaria da convocação do presidente da República. Ademais, o movimento surgiu depois que o irresponsável chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência (GSI), Augusto Heleno, sugeriu a Bolsonaro para que chamasse a população às ruas contra o Congresso e o STF. Feito o estrago, de nada adiantaria afirmar que o movimento era espontâneo.

Jair Bolsonaro, na condição de cidadão, tem o direito de mentir, mas como presidente da República não deveria faltar com a verdade, apesar de a mentira ser inerente ao exercício da política em muitas ocasiões. Há quem diga que é uma questão de sobrevivência.

Pelo que se sabe, suspeita de Covid-19 não afeta a memória – nem mesmo a doença instalada –, mas Bolsonaro parece disposto a passar vergonha em rede nacional. Resumindo, o presidente negou ter dito o que disse a respeito dos protestos.