Quando a ficção debocha da realidade

(*) Gisele Leite

No pot-pourri de personagens já dantes encarnados a Secretária da Cultura, a senhora Regina Blois Duarte que em sua biografia traz fortes laços com os militares, tendo sido conferida à ela a alcunha de “Namoradinha do Brasil” em razão da telenovela “Minha Doce Namorada”, em 1971, quando interpretou a órfã Patrícia, na TV Globo.

Demonstrando bem pouca sensibilidade com o expressivo número de mortos por covid-19, em entrevista em 07.05.2020 na CNN Brasil. Entoou animadamente a canção a marcha intitulada “Pra frente, Brasil”, quando então fora advertida pelo jornalista que a música lembrava o período da ditadura. Quando a namoradinha retrucou, já encarnando a Porcina, – ” Sempre houve mortes”. E, ainda atalhou:- Sempre houve tortura.

E, apesar de Daniela Lima, desse a oportunidade para a Secretária da Cultura expressar seus sentimentos pelo falecimento de Aldir Blanc, disse ainda que não o conhecia. E, com a delicadeza de uma aliá prenha, ainda retrucou, que se tivesse que manifestar pêsames pela morte de cada artista, a secretaria que representaria um obituário.

Na mesma sombria ocasião, como autoridade relativizou a perseguição aos opositores do governo militar e deu risada quando lhe foi perguntado se estava enaltecer um período difícil da história pátria, quando muitos brasileiros morreram ou simplesmente desapareceram sem jamais se saber até hoje seu paradeiro.

Novamente encarnando agora, a Rainha da Sucata, percebe-se que a secretária é fiel partidária de Bolsonaro e, ainda, apontou que a dificuldade de gestão se devia ao fato de que a secretaria não tem fundo.

Incapaz sequer de ouvir opinião contrária à sua, inúmeros depoimentos criticaram e repudiaram a postura da então Secretária da Cultura. Há até quem cogite ser ex- atriz. Walcyr Carrasco perguntou o que aconteceu com a secretária depois de achar normal tantos óbitos e ainda chancelar a tortura. Ouso responder, que apenas apresentou a sua verdadeira face, sem a requintada maquiagem e sem o laborioso e inteligente script de seus riquíssimos personagens, que hoje, nós todos sabemos, eram apenas caricaturas.

O maior motivo da crise petiática da secretária foi o fato de Maitê Proença fazer um pedido para que ouvisse a classe artística que tanto sofre nesse momento atual devido ao isolamento social em face da pandemia de coronavírus, e então, desagradada, e debochando do tom de cobrança feita, abandonou o programa. Realmente é doloroso assistir ao silêncio do atual governo sobre a crise que se abate sobre a classe artística brasileira nesse momento. Inexplicável a inexistência de política para a cultura brasileira.

O mundo é um palco, já dizia o bardo. E na comédia “As you like it” (como você quiser) representa um irônico exercício de meditação sobre a passagem da vida humana, e um sincero estímulo para que não percamos muito tempo com seu “eu” inferior, a casaca, mas que busquemos viver em nosso “eu” superior.

Há uma especial passagem que merece ser citada literalmente: “Agora são dez horas e você pode ver como o mundo oscila; há uma hora eram nove, dentro de uma hora serão onze; a cada hora que passa nós amadurecemos; a cada hora apodrecemos; nisso há toda uma história”. Shakespeare sempre sábio, entenderia a Secretária, e ainda, lhe perdoaria a falta de consciência e empatia, pois, enfim, a cada instante apodrecemos e, nisso resume-se toda a história.

(*) Gisele Leite – Mestre e Doutora em Direito, é professora universitária.

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