Por 9 votos a 1, STF proíbe dossiês sobre opositores do governo e manda duro recado a Bolsonaro

 
Sabiam os brasileiros conscientes que em algum momento o então candidato Jair Bolsonaro, se eleito, atentaria contra a democracia e o Estado de Direito. Durante a campanha presidencial de 2018, o UCHO.INFO alertou diversas vezes para tão preocupante fato, apesar das críticas, ofensas e ameaças por parte dos adoradores e aduladores do agora presidente da República, que por sobrevivência política deixou de lado o papel de líder de seita.

Apesar de um recuo estratégico, que visa evitar possível processo de impeachment no Congresso, Bolsonaro continua agindo nos bastidores com seu conhecido autoritarismo, como se o País não vivesse debaixo do manto democrático.

A produção, pelo Ministério da Justiça, de um dossiê sobre 597 servidores públicos e professores universitários que combatem o neofascismo no País é prova maior do despotismo bolsonarista. O caso acabou no Supremo Tribunal Federal (STF), que já formou maioria pela proibição de produção de dossiês pela pasta da Justiça – no caso em questão foi produzido pela Secretaria de Operações Integradas (Seopi) – ou qualquer órgão do governo, mesmo que o presidente queira monitorar críticos e adversários.

Nove dos onze ministros do STF decidiram não apenas pela suspensão da elaboração de dossiês, no melhor estilo “arapongagem”, mas também pela proibição do compartilhamento de informações sobre cidadãos “antifascistas”. A maioria dos magistrados do Supremo decidiu que a pasta comandada pelo ministro André Mendonça fica proibida de levantar dados sobre a vida pessoal, escolhas pessoais ou políticas e práticas cívicas exercidas por opositores do governo Bolsonaro que “atuam no limite da legalidade”.

Durante a votação, os ministros do STF afirmaram existir “desvio de finalidade” no episódio, concluindo que a Seopi promoveu uma “devassa” ao coletar informações de 579 servidores públicos.

Relatora do caso, a ministra Cármen Lúcia votou contra o monitoramento de opositores do governo e com seu voto mandou um duro recado ao Palácio do Planalto, onde a cúpula do governo acredita erroneamente que está acima de todos e da legislação vigente. A ministra afirmou que o “Estado não pode ser infrator” e que “não compete a ninguém fazer dossiê contra quem quer seja”. Cármen Lúcia elogiou a imprensa por ter revelado existência do relatório.

O ministro André Mendonça, da Justiça, que dedica nauseante sabujice ao presidente da República, negou que o governo tenha monitorado opositores, alegando o tal dossiê era fruto de trabalho de inteligência. Em qualquer país com doses mínimas de seriedade e com autoridades imbuídas de coragem, Mendonça já teria deixado a pasta e o presidente da República estaria respondendo a processo de impeachment por crime de responsabilidade. Afinal, Bolsonaro prometeu, no ato de posse, cumprir e respeitar a Constituição.

Até a publicação desta matéria, oito ministros acompanharam o voto da relatora Cármen Lúcia: Alexandre de Moraes, Luiz Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Luiz Fux e Dias Toffoli (presidente).

Em seu voto, o ministro Luís Roberto Barroso afirmou: “O passado do Brasil condena em matéria de utilização indevida dos órgãos de segurança. Esse tipo de monitoramento para saber o que fazem eventuais adversários é completamente incompatível com a democracia. A menos que se tivesse qualquer elemento para supor que eles tramavam contra o Estado ou instituições democráticas. Mas se a preocupação fosse verdadeiramente essa, talvez fosse o caso de monitorar os grupos fascistas e não os antifascistas”.

 
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A ministra Rosa Weber disse que relatórios de inteligência “não podem ter como alvo uma ideologia específica, ou sua ameaça, independentemente da ideologia que expressa”. “Em uma democracia, ninguém deve temer represálias por apenas expressar uma opinião, uma crença um pensamento não endossado por quem ocupa posição de autoridade. Um estado constitucional não admite que sejam as ações do estado orientadas pela lógica do pensamento ideológico”.

O ministro Luiz Edson Fachin ressaltou em seu voto o direito constitucional à livre manifestação e ao protesto, como o do movimento “antifascista”, não caracteriza infração penal e “não está, portanto, sujeita, seja à investigação penal, seja à atividade de inteligência”.

Vice-presidente do Supremo, o ministro Luiz Fux afirmou: “A defesa da liberdade de expressão também é muito importante na atração dos investidores estrangeiros. Os reflexos internacionais, quando se insinua esses relatórios que podem voltar nossa memória a um período bastante nebuloso, tem reflexos internacionais”.

“O STF tem dado exemplos extremamente significativos de que liberdade de expressão é algo que combina com a democracia. Uma investigação enviesada, que escolhe pessoas para investigar, revela uma inegável finalidade intimidadora do próprio ato de investigação. Esse efeito, como a própria ministra Rosa acaba de mencionar, de medo, efeito silenciador, inibe servidores públicos e professores e difunde, o que é pior de tudo, a cultura do medo. Esse relatório é a cultura do medo baseada em um nada político, em um nada jurídico”, completou Fux.

O ministro Ricardo Lewandowski enfatizou em seu voto a importância de o Supremo estabelecer parâmetros para a atividade de inteligência, algo mandatório se levada em conta a declaração do presidente da República, durante a fatídica reunião ministerial de 22 de abril, de que se vale de um sistema particular de informações.

“O que não se admite é que num Estado democrático de Direito se elabore dossiês sobre cidadãos dos quais constem informações quanto a suas preferências ideológicas, políticas, religiosas, culturais, artísticas ou, inclusive e especialmente, de caráter afetivo. Se isso ocorreu, e de gato num passado recente sob o regime militar isto se deu, ou se ainda ocorre é algo que será ainda avaliado”, disse Lewandowski.

Já o ministro Alexandre de Moraes desceu aos pormenores ao revelar as entranhas do dossiê ilegal. “Uma coisa é estabelecer, através de troca de informações, em tese, que há uma possibilidade de greve de policiais que possa gerar insegurança pública. Isso é importante nos relatórios de inteligência para se evitar o caos social. Uma coisa é a troca de informações, relatórios de inteligência para se verificar eventuais manifestações que possam interromper, como houve na greve dos caminhoneiros, o abastecimento. São fatos – você analisa fatos. Outra coisa é começar a planilhar, Estado por Estado, policiais militares, civis, que são lideranças eventualmente contra o governo, lideranças contra manifestações realizadas a favor do governo”, disse Moraes.

Alexandre de Moraes foi além e ressaltou que não importa se o policial, independentemente da categoria, é “a favor politicamente A ou B, se vota em A, B, C, se professa determinada religião ou crença filosófica”. “Desde que ele exerça sua função dentro dos limites legais, tem absoluta liberdade para aderir. Não são os órgãos de inteligência do Estado que podem fiscalizar, intuir se ele é a favor ou contra (ao governo)”, observou.

Com a decisão dos ministros da Corte, a pretensão de André Mendonça de conquistar uma cadeira na mais alta instância do Judiciário nacional foi seriamente comprometida, já que seus possíveis pares poderão ficar desconfortáveis com a presença de alguém que, ao arrepio da lei, avaliza a “arapongagem” deliberada porque cumpre ordens de um totalitarista.

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