Tem reforma, mas sem reformar

(*) Carlos Brickmann

Recordar é viver, cantava Gilberto Alves no Carnaval de 1955. E quem é que recorda os autores da marchinha, derivada de uma valsa vienense?

Recordar pode ser sofrer. Paulo Guedes, o Posto Ipiranga, superministro da Economia, fazia promessas: zerar o déficit público no primeiro ano, tocar as privatizações, reformar a Previdência, reformar e simplificar impostos, reformar a Administração, atrair investimentos. Bolsonaro dizia que Guedes, com ideias novas, seria o chefe supremo da Economia. Guedes acreditou.

A pandemia atrapalhou? Sim: mas a pandemia começou mais de um ano após a posse, quando o Posto Ipiranga já era Imposto Ipiranga. A reforma da Previdência que passou não era a dele, mas a do Congresso, e quem tocou a aprovação não foi ele, mas Rodrigo Maia. Privatizações, bem – deixa pra lá. A reforma tributária mais provável – se houver – não é a de sua equipe, mas a do deputado Baleia Rossi, do MDB, coordenada pelo economista Bernard Appy.

Ideias novas? Guedes trouxe a CPMF – tão nova que já foi aplicada, de 1997 a 2007, e não deu certo. Quanto à Reforma Administrativa, Bolsonaro guardou-a carinhosamente num arquivo. A promessa agora é do próprio Bolsonaro: enviará a reforma administrativa ao Congresso no dia 3, amanhã. Mas fez outra promessa, junto: “Que fique bem claro: não atingirá nenhum dos atuais servidores”. Depois que todos os atuais servidores se aposentarem, aí teremos uma administração mais eficiente. É só esperar.

Quem é quem

Os autores de Recordar é Viver são Aldacir Louro, Aluizio Marins e Adolfo Macedo. Quem decidiu desistir da luta pelas reformas foram alguns dos principais assessores de Guedes – que classificou as demissões de “debandada”. E quem disse claramente que as reformas não andam foi o próprio Guedes: “Eu, se pudesse, privatizava todas as estatais. Mas, para privatizar todas, tem de privatizar primeiro duas ou três. E nós não conseguimos privatizar duas ou três. É preocupante.”

As crises

A aprovação a Bolsonaro cresceu, as pesquisas mostram que, hoje, Sergio Moro seria seu único rival sério no segundo turno, mas o clima no Governo continua tumultuado. Há crises em andamento, em vários setores:

* O vice-presidente, general Hamilton Mourão, não concorda com a tese de que os militares que participam do Governo recebam mais do que o teto constitucional de salários, perto de R$ 40 mil mensais, juntando vencimentos das Forças Armadas e dos cargos que ocupam. “É uma questão ética e moral. Sou contra, no momento que estamos vivendo. Se a situação fosse normal, o país com recursos sobrando, tudo bem. Não é o que está acontecendo”. Mas é o que o Ministério da Defesa sustenta. Quer somar os salários, e pronto.

* O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, diante do corte de verbas, anunciou que seriam suspensos o combate ao desmatamento na Amazônia e aos incêndios no Pantanal. O Governo devolveu logo as verbas – mas dificilmente terá engolido o desafio. Não será surpresa se os militantes do Gabinete do Ódio começarem a divulgar ataques a Salles, como se já tivesse entrado no Governo para trair Bolsonaro. O general Mourão, responsável pela área amazônica, foi um dos que não gostaram da reação de Salles: acha que o ministro deveria ter conversado antes com ele, para que as verbas voltassem sem turbulência. Mas turbulência já houve – e agora?

* O ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, está jogando abertamente no time do desenvolvimento com investimentos estatais (tem apoio do ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho). Paulo Guedes, liberal, é contra. Onde irão buscar os recursos para investir? Tarcísio e Marinho têm apoio do general Braga Netto e acham que o projeto é um novo Plano Marshall. Guedes não reage, quer ficar ministro. Mas não gosta. E sabe que o Plano Marshall funcionou porque os EUA investiram nele.

Boa notícia

As ações da Polícia Federal contra o PCC, Primeiro Comando da Capital, maior esquema do crime organizado no país, já localizaram R$ 500 milhões, que podem ser bloqueados, mais carros, mansões e empresas ligadas a eles. É o maior golpe já sofrido pelo grupo, e o primeiro a atingir diretamente os recursos financeiros e empresariais que turbinam suas atividades.

Má notícia

De acordo com a Constituição, Título 8 (Da Ordem Social), Capítulo 5 (Da Comunicação Social), artigo 220, “a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição”. Isso na teoria. Na prática: o jornal digital GGN, editado pelo jornalista Luís Nassif, foi censurado. Foi obrigado, sob pena de multa diária de R$ 10 mil, a retirar matérias sobre a venda ao Banco BTG Pactual de carteiras de crédito do Banco do Brasil.

Vão dar outro nome, mas é censura.

(*) Carlos Brickmann é jornalista e consultor de comunicação. Diretor da Brickmann & Associados, foi colunista, editor-chefe e editor responsável da Folha da Tarde; diretor de telejornalismo da Rede Bandeirantes; repórter especial, editor de Economia, editor de Internacional da Folha de S. Paulo; secretário de Redação e editor da Revista Visão; repórter especial, editor de Internacional, de Política e de Nacional do Jornal da Tarde.

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