Fala de Mourão sobre alta nos preços de alimentos é covarde e ignora tragédia social que corrói o Brasil

 
Entre os muitos pontos detestáveis existentes na política, um dos piores certamente é o agente público descolado da realidade, mas que insiste em dar declarações absurdas para eventualmente salvar um governo que até o momento não mostrou a que veio.

É o caso do vice-presidente Hamilton Mourão, que nesta quarta-feira (9) afirmou que a alta nos preços dos alimentos é decorrente do auxílio emergencial pago pelo governo desde abril (vai até dezembro) para minimizar os efeitos da pandemia do novo coronavírus.

A declaração de Mourão é descabida, pois um benefício de R$ 600 configura atentado à dignidade humana, mesmo sabendo que o governo, por pressão do Congresso Nacional, aceitou elevar o valor do auxílio emergencial para evitar uma generalizada insatisfação popular. O valor proposto pelo governo era de R$ 200, pelo período de três meses.

Em um país onde o salário mínimo (R$ 1.045) é quatro vezes menor do que a remuneração ideal (R$ 4.366,51, dado do Dieese), acreditar que o auxílio emergencial provocou elevou os preços de alguns alimentos, como arroz, por exemplo, é ignorar a realidade dos fatos.

A disparada do preço do arroz – em muitas cidades brasileiras chegou a R$ 8 por quilo – é fruto de uma conjunção de fatores, alguns dos quais decorrentes da incompetência do governo atual. Ciente de que os estoques do produto em todo o País estão em queda há aproximadamente dez anos, o governo de Jair Bolsonaro simplesmente ignorou o fato de os produtores de arroz terem exportado o grão em maiores volumes nos últimos dois meses (julho e agosto).

 
Facilitou a exportação a desvalorização do Real frente à moeda-norte-americana, já que nesse cenário as commodities brasileiras alcançam preços competitivos no mercado internacional. Além disso, a China, a segunda maior economia do planeta, comprou grandes quantidades de arroz brasileiro.

Outro fator que contribuiu para o preço do arroz nos supermercados ficar mais caro é que a maior parte da produção brasileira do grão está concentrada no Rio Grande do Sul, onde a área de plantio vem diminuindo com o passar dos anos. Além disso, a colheita de arroz em território gaúcho está prevista para fevereiro.

Para piorar um quadro que já se deteriorava, o governo Bolsonaro dificultou na última semana as negociações para redução da tarifa de importação do arroz. Somente com o caos instalado é que a equipe econômica, liderada pelo ainda ministro Paulo Guedes, decidiu nesta quarta-feira isentar temporariamente a importação de arroz das tarifas existentes. Ou seja, falta de capacidade para planejar a economia com um mínimo de antecedência.

Enquanto Hamilton Mourão exalta o auxílio emergencial, até porque o tema tem impulsionado a popularidade do presidente da República, a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, garante que não faltará arroz no mercado interno. A questão não é apenas a escassez do produto, que alavanca a engrenagem da oferta e procura, mas o preço do produto para o consumidor final.

Preocupado com os efeitos negativos da inflação do setor de alimentos, Bolsonaro acionou o Ministério da Justiça, que por sua vez cobrou dos produtores e dos supermercados uma explicação para o aumento de preços do arroz e de outros itens da cesta básica. A resposta, que não poderia ser outra, foi que os brasileiros devem substituir o arroz por macarrão.

Não se pode negar que uma ligeira alta no consumo de alimentos, em razão do isolamento social, contribuiu para a alta de preços, mas triste do país cuja população deve se contentar com arroz. A pandemia do novo coronavírus colocou uma enorme e potente lupa sobre a tragédia social que existe no Brasil, mas Hamilton Mourão consegue tratar o assunto com declarações ufanistas e que fogem à realidade.

Se você chegou até aqui é porque tem interesse em jornalismo profissional, responsável e independente. Assim é o jornalismo do UCHO.INFO, que nos últimos 20 anos teve participação importante em momentos decisivos do País. Não temos preferência política ou partidária, apenas um compromisso inviolável com a ética e a verdade dos fatos. Nossas análises políticas, que compõem as matérias jornalísticas, são balizadas e certeiras. Isso é fruto da experiência de décadas do nosso editor em jornalismo político e investigativo. Além disso, nosso time de articulistas é de primeiríssima qualidade. Para seguir adiante e continuar defendendo a democracia, os direitos do cidadão e ajudando o Brasil a mudar, o UCHO.INFO precisa da sua contribuição mensal. Desse modo conseguiremos manter a independência e melhorar cada vez mais a qualidade de um jornalismo que conquistou a confiança e o respeito de muitos. Clique e contribua agora através do PayPal. É rápido e seguro! Nós, do UCHO.INFO, agradecemos por seu apoio.