A fogueira de vaidades do STF e a falta de coragem dos ministros da Corte no caso de “André do Rap”

 
A sessão plenária do Supremo Tribunal Federal (STF) que discute a decisão do presidente da Corte, ministro Luiz Fux, que anulou liminar em habeas corpus concedida pelo agora decano Marco Aurélio Mello em favor do narcotraficante André Oliveira Macedo, conhecido no mundo do crime como “André do Rap”, mostra ao País o jogo de cena da mais alta instancia do Judiciário nacional.

Depois do flagrante desrespeito de Fux ao artigo 13 do Regimento Interno do STF, que não concede ao presidente do tribunal s prerrogativa de atravessar liminar em HC, os magistrados da Suprema Corte decidiram, nos bastidores, buscar uma solução para a polemica que se criou em torno do narcotraficante, sem dar poderes excessivos ao chefe do Judiciário.

Diante desse entendimento, a solução seria discutir o artigo 316 do Código de Processo Penal (CPP), aprovado pelo Congresso Nacional e sancionado pelo presidente da República em 2019. O mencionado artigo estabelece a necessidade de se renovar, de forma fundamentada, a prisão preventiva a cada 90 dias. O texto é claro ao determinar que a renovação da preventiva é ato de ofício, ou seja, não exige

“Decretada a prisão preventiva, deverá o órgão emissor da decisão revisar a necessidade de sua manutenção a cada 90 (noventa) dias, mediante decisão fundamentada, de ofício, sob pena de tornar a prisão ilegal.”

O texto é claro ao determinar que a renovação da preventiva é ato de ofício, ou seja, mesmo que com exigência de fundamentação, dispensa requerimentos acessórios. Em outras palavras, a primeira instância da Justiça, em especial a Vara de Execução Penal, falhou no caso de “André do Rap” ao não cumprir o que determina o mencionado artigo do CPP.

Em vez de os ministros do Supremo discutirem em plenário a redação do artigo em si, preferiram levar à baila o caso do traficante, que de alguma maneira concede poderes adicionais a Luiz Fux, que sempre despejou doses de histrionismo em seus votos como magistrado da mais alta instância do Judiciário.

É de conhecimento de muitos que o STF, disposto a jogar para a opinião pública, decidiria pela manutenção da prisão preventiva de “André do Rap”, mesmo que o criminoso tenha empreendido fuga logo após deixar o sistema penitenciário paulista. A Corte já formou maioria a favor do retorno do traficante ao sistema penal – além de Fux, votaram os ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber e Dias Toffoli.

Há no caso em questão uma sequência de erros, mas antes de qualquer menção a eles é preciso destacar a coragem e a coerência do ministro Marco Aurélio Mello, que não titubeou ao cumprir o que determina a legislação vigente. Em um país embalado pelo punitivismo e pela condenação a qualquer preço, como tem acontecido com maior ímpeto desde o advento da Operação Lava-Jato, um fermentado cipoal de equívocos jurídicos, o Estado Democrático de Direito está cada vez mais ameaçado.

 
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Aos erros… O primeiro deles é da lavra de deputados e senadores, que com o objetivo específico de proteger os corruptos da classe colocou um “jabuti” (artigo 316 do CPP) no pacote anticrime enviado ao Parlamento pelo então ministro Sérgio Moro (Justiça), aprovando-o ao arrepio dos alertas feitos por especialistas. O segundo, ainda mais grave, coube ao presidente Jair Bolsonaro, que mesmo diante de vários pedidos de veto ao respectivo trecho do projeto sancionou a lei que ora agita o País.

O terceiro erro, inaceitável, foi do Ministério Público, que só veio a saber quem era André Oliveira Macedo há dias, por intermédio da imprensa. Não fosse o noticiário, o MP continuaria sem conhecer o grau de periculosidade de “André do Rap”.

Quando um Legislativo debruça-se sobre a feitura de leis que exigem sessões do STF para garantir a interpretação do texto legal, é porque a política brasileira, sempre surpreendente, cambaleia perigosamente à beira do precipício do absurdo.

Nas fronteiras do “imbróglio” que se formou a partir da decisão do ministro Marco Aurélio, muitos integrantes do Judiciário e operadores do Direito tentam escapar à responsabilidade, demonizando o ato do decano, que em 79 outros casos adotou o mesmo entendimento para colocar em liberdade cidadãos presos que não tiveram a prisão preventiva renovada de acordo com o que determina o artigo do CPP.

Contudo, o escárnio maior fica a cargo de setores da grande imprensa, que deixa de dar destaque à importância do respeito ao ordenamento jurídico para se dedicar ao sensacionalismo midiático, que, por questões óbvias, é mais vantajoso em termos econômicos. Além disso, a imprensa arrasta ao caldeirão da maledicência aqueles que defendem o Estado de Direito, jogando ao vento insinuações torpes e covardes, como a que alcançou o ministro Marco Aurélio, acusado levianamente de ter decidido em favor do traficante porque um ex-assessor é sócio do escritório de advocacia responsável por sua defesa. Essa conivência criminosa de alguns veículos de comunicação com os Poderes constituídos se explica (sic) pela necessidade de muitos jornalistas manterem suas fontes de informação ativas.

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De igual modo, reconhecemos o perigo que representa a liberdade de um narcotraficante condenado por tráfico transnacional de drogas e chefe da principal facção criminosa do País, mas perigo maior é a sociedade se calar diante de um Parlamento pífio e de um presidente da República populista e adepto da fanfarronice oficial, preocupado em usar o cargo para proteger os filhos.

Isso posto, este portal de notícias mais uma vez destaca a importância de cada brasileiro se preocupar ininterruptamente com as questões relacionadas à política, pois se isso já estivesse acontecendo o artigo 316 do CPP sequer teria sido proposto. Quem conhece a fundo os bastidores do Congresso sabe como se dá a gestação de um “jabuti” legislativo.

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