Fux diz que “André do Rap” debochou da Justiça, mas ignora deboches do Congresso e do chefe do Executivo

 
Presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Luiz Fux se esforçou para, na sessão plenária desta quarta-feira (14), minimizar a sua decisão de “atravessar” liminar em habeas corpus concedida pelo decano Marco Aurélio Mello em favor do narcotraficante “André do Rap”, com base no artigo 316 do Código de Processo Penal (CPP).

Fux exagerou na oratória ao fazer uso da palavra logo após manifestação do procurador-geral da República, Augusto Aras, chegando ao ponto de abusar de figuras de linguagem desnecessárias e que não cabem na verborragia de um magistrado da mais alta instância do Judiciário, onde a formalidade é regra primeira.

Convencido de que jogar para a opinião pública pode lhe render popularidade, em especial no momento em que o STF começa a se desvencilhar da artilharia insana da extrema direita nacional, Luiz Fux, que votou pela manutenção da prisão do narcotraficante, disse que o criminoso “debochou da Justiça”, pois se aproveitou da decisão “para evadir-se imediatamente” e “cometeu fraude processual ao indicar endereço falso”.

Um ministro do STF, no caso Luiz Fux, deveria saber que a fuga é um direito do preso reconhecido constitucionalmente. No CPP não há pena para quem empreender fuga, exceto se para isso fizer uso de violência (artigo 352). O mesmo Código de Processo Penal, no artigo 366, estabelece: “Se o acusado, citado por edital, não comparecer, nem constituir advogado, ficarão suspensos o processo e o curso do prazo prescricional, podendo o juiz determinar a produção antecipada das provas consideradas urgentes e, se for o caso, decretar prisão preventiva, nos termos do disposto no art. 312”.

 
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“André do Rap” deixou o presídio à sombra de decisão judicial e empreendeu fuga por ter ciência de que a medida seria alvo de discussão no âmbito do Judiciário, correndo o risco de ser anulada, como aconteceu. De tal modo, a fuga do traficante não pode ser considerada um “deboche”, como sugeriu o presidente do Supremo.

Se há nesse episódio algum deboche, esse partiu do Congresso Nacional, onde foi enxertado um artigo malicioso no projeto de lei embasado no pacote anticrime, devidamente aprovado por deputados federais e senadores, sempre preocupados com a preservação da classe política, que nas últimas décadas chafurdou na lama da corrupção.

Outro deboche teve o presidente da República como protagonista, que sancionou a mencionada lei sem vetar o polêmico artigo que vem movimentando a seara do Direito nos últimos dias. Jair Bolsonaro fez ouvidos moucos aos pedidos de veto ao artigo 316, pois por ocasião da sanção já flertava com o que há de pior na política nacional, o chamado “Centrão”, que abriga muitos investigados por corrupção e outros crimes, principalmente no escopo da Operação Lava-Jato.

Deboche acessório ficou a cargo da primeira instância da Justiça, a quem cabe, por força de lei, renovar a prisão preventiva a cada 90 dias e de forma fundamentada, e ao Ministério Público, que abusou da letargia e da morosidade no caso de “André do Rap”. Não há deboche maior do que o MP tomar conhecimento sobre o “currículo” (sic) do narcotraficante através da imprensa, depois de sua soltura.

Contudo, o deboche final fica para o próprio STF, que sem ter reagido a tempo ao texto do artigo 316, à época da sanção da lei, agora deixa de discutir a legalidade do texto legal, dedicando-se apenas a fermentar a decisão que, respaldada no CPP, colocou em liberdade o traficante e líder de facção criminosa. Quando a feitura de uma lei depende de sessão plenária do Supremo para que possa ser interpretada, jamais ao pé da letra, é porque cresceu o status de “paraíso do faz de conta” que o Brasil carrega. Enfim…

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