Mesmo que aparentemente incômoda, nossa insistência para que o brasileiro acompanhe de forma contínua as questões relacionadas à política continuará avançando, pois assuntos que merecem a atenção da sociedade não podem ser abandonados à sorte, com o risco de comprometer a democracia.
Esse introito serve para informar que a Advocacia-Geral da União (AGU) protocolou nesta quarta-feira (14) recurso no Supremo Tribunal Federal (STF) para esclarecer o alcance do julgamento de junho de 2019, ocasião em que os magistrados decidiram enquadrar como crimes de racismo atos de homofobia e transfobia.
No documento, a AGU quer saber se a decisão da Corte atinge a liberdade religiosa; a divulgação em meios acadêmicos, midiáticos ou profissionais de toda e qualquer ponderação acerca dos modos de exercício da sexualidade; o controle do acesso a determinados lugares abertos ao público (banheiros, vestiário, transporte público); e objeções por motivo de convicção filosófica ou política.
Em 2019, o Supremo equiparou atos de homofobia e transfobia ao crime de racismo, ao reconhecer omissão do Congresso Nacional para criminalizar atos que atentam contra direitos fundamentais dos integrantes da comunidade LGBT.
De acordo com a decisão do STF, a indução, a incitação e a discriminação em razão de orientação sexual é crime passível de três anos de prisão e multa (mesma pena prevista para o crime de racismo), podendo ser aumentada para até cinco anos se ocorrer a divulgação do ato homofóbico nas redes sociais , por exemplo. A decisão do Supremo estará vigente até que o Parlamento decida se debruçar sobre lei que trate do tema.
No recurso apresentado ao Supremo, a AGU alega que a proteção de pessoas identificadas com o grupo LGBTI+ não pode servir como justificativa para criminalizar a divulgação de comentários e pensamentos acerca da sexualidade. Ou seja, a AGU, que deveria se pautar pelo texto constitucional, parece patrocinar a intolerância, atitude que configura clara ameaça à democracia.
“Assim como a reflexão relativa a hábitos da sexualidade predominante deve ser garantida, também é necessário assegurar liberdade para a consideração de morais sexuais alternativas, sem receio de que tais manifestações sejam entendidas como incitação à discriminação”, enfatiza o recurso da AGU.
Esse movimento da Advocacia-Geral da União não passa de “missa encomendada” pelo presidente Jair Bolsonaro, que não consegue esconder sua essência homofóbica e tenta agradar a porção ultraconservadora do eleitorado, em especial os evangélicos.
Não obstante, o advogado-geral da União, José Levi Mello do Amaral Júnior, deveria saber que a Constituição Federal, no artigo 5º (caput), estabelece que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”. Ademais, a laicidade do Estado está recepcionada de forma clara pela Carta Magna. Em outras palavras, não será a reboque da desculpa da fé que os fundamentalistas religiosos escaparão do rigor da lei.
Sem capacidade política para atuar no Congresso a ponto de conseguir aprovar lei que contraria o entendimento do Supremo, o governo Bolsonaro recorre à AGU para jogar para a plateia em ano de eleições municipais. Além disso, o recurso da AGU foi protocolado um dia após a aposentadoria compulsória do ministro Celso de Mello, que teve participação decisiva no julgamento que enquadrou homofobia e transfobia como crimes de racismo.
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