Bateu, levou (e sem VAR)

(*) Carlos Brickmann

O Supremo Tribunal Federal é uma entidade coletiva: cada ministro vota de acordo com suas convicções e a decisão é por maioria. Não há instituição superior ao STF, que possa desempatar quando um ministro declara extinto um caso e outro decide julgá-lo. Como julgar um caso que foi extinto? Como extinguir um caso que está sendo julgado? Se cada um julga por si, e vale, e muitas decisões se referem a procedimentos, em onze processos há onze chances de que onze decisões determinem procedimentos diferentes. Não há VAR no Judiciário. Qual decisão irá se sobrepor às outras? A do ministro que fale mais alto? Digamos que um decida, num processo, que todos os casos julgados em Curitiba por um juiz cujas iniciais sejam SM estão anulados. Em outro processo, outro ministro decide que a anulação deixa de valer se o apelido do juiz se referir a outra cidade, talvez MdM, Marreco de Maringá. Em outro processo, outro ministro decide que, inobstante a opinião dos nobres colegas, data venia, o risco de confusão pede que Curitiba não mais emitirá sentenças. E os casos que já estão em andamento? Simples: para um ministro, haverá extinção do processo. Para outro, o juiz do caso poderá emitir sentença desde que o faça em Brasília.

Este colunista deve ter dito uma série de bobagens, mas com a vantagem de não ter estudado Direito, com pós-graduações no Exterior, nem dispor de funcionários que lhe coloquem a toga. E quem estuda, como faz essas coisas?

É ou não é

Fachin decidiu pela anulação das condenações de Lula e reinício dos processos contra ele não mais na Vara Federal de Curitiba, mas na Vara Federal de Brasília. Se as condenações foram anuladas, diz Fachin, não há como julgar a suspeição de Moro. A Segunda Turma do STF não concordou e fez o julgamento (Moro perdeu). Mas pode ser suspeito se sua sentença foi anulada? Há quem diga que sim, há quem diga que não. Quem decide?

Um país previsível

Atribui-se ao ministro da Fazenda de Fernando Henrique, Pedro Malan, a frase segundo a qual no Brasil até o passado é imprevisível. Malan está certo: nosso passado muda conforme as conveniências. Mas o futuro é facilmente previsível: se a anulação das condenações de Lula for vitoriosa, o processo terá acabado. Até começar tudo de novo, as acusações estarão prescritas.

Duelo de tantans

Em O Rei Lear, de Shakespeare (LP&M, tradução de Millor Fernandes), o conde de Gloucester diz: “Desgraçado do tempo em que os loucos guiam os cegos.” Pois não é que tanto petistas quanto bolsonaristas ficaram felizes com a possibilidade de impor ao país outro segundo turno entre um e outro?

Pois bem, caros leitores, a quem estou me referindo?

1 – “sem qualquer altivez, presta vassalagem pública a governantes estrangeiros”.

2 – “o filho enriqueceu de repente. Os seguidores do pai dizem que o rapaz é bom de negócios”.

3 – Quem não admite que, em questões financeiras, falem da esposa?

Lá e cá

Este é um problema sério: quando procuradores investigam, sabendo que depois vão cuidar da acusação, a tendência a minimizar provas em favor da defesa é muito forte. E acaba de acontecer um caso interessantíssimo, nos EUA, revelado pelo ótimo Consultor Jurídico. O Departamento de Justiça americano pediu o trancamento de uma ação judicial, em que o réu já havia sido condenado, depois que se soube que os procuradores não haviam se conduzido corretamente e tinham mentido no julgamento. Como de hábito, havia mensagens de computador revelando o mau procedimento.

O caso: Ali Sadr Hashemi Nejad foi acusado de violar sanções dos EUA ao Irã, por ter enviado à sua família alguns milhões de dólares, utilizando o sistema bancário americano. Foi condenado por fraude bancária, lavagem de dinheiro e conspiração para violar as sanções. Mas a juíza federal Alison Nashan, que recebeu as denúncias de má conduta, investigou o caso. Soube que os procuradores tinham mentido; deixado de entregar à defesa provas de importância.

Detalhe saboroso: atribuíram a um procurador novato a ideia de “enterrar documentos” importantes, misturando-os em pilhas de papel, para que passassem despercebidos pela defesa, na pressa do julgamento.

A juíza exigiu cópias de todas as provas escondidas da defesa, durante e depois do julgamento, com explicações sobre como foram obtidas e o nome dos integrantes da Procuradoria Geral responsáveis pelas falhas.

E agora…

O caso foi encaminhado pela juíza pra o Escritório de Responsabilidade Profissional, do Departamento de Justiça; e ordenou ao FBI que investigue outras alegações de má conduta de procuradores federais, no mesmo caso. A reportagem é de João Ozório de Melo, correspondente do Conjur nos EUA.

(*) Carlos Brickmann é jornalista e consultor de comunicação. Diretor da Brickmann & Associados, foi colunista, editor-chefe e editor responsável da Folha da Tarde; diretor de telejornalismo da Rede Bandeirantes; repórter especial, editor de Economia, editor de Internacional da Folha de S. Paulo; secretário de Redação e editor da Revista Visão; repórter especial, editor de Internacional, de Política e de Nacional do Jornal da Tarde.

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