Crônica da tragédia anunciada

(*) Carlos Brickmann

Os números são da Grande São Paulo, região metropolitana mais rica do Brasil: mais de 132 mil construções foram erguidas em áreas de risco alto ou muito alto de deslizamentos e enchentes. Nessas áreas morreram 24 pessoas no fim de semana. Há casos notáveis, levantados pelo O Estado de S. Paulo em publicações de um organismo oficial, o Instituto Geológico do Estado. Um bom exemplo é uma rua – uma rua só – no Embu das Artes, com 278 construções em área de risco muito alto. Uma dessas construções foi coberta por um deslizamento no domingo. Nela morreram mãe e dois filhos.

Desta vez, o presidente Bolsonaro ao menos sobrevoou a área atingida. Criticou duramente as administrações que permitiram construções em áreas de risco. Mas foi ele que reduziu à metade a verba federal para combater esse tipo de calamidade. Foi ele também que substituiu o programa Minha Casa, Minha Vida, que investiu a média de R$ 11,5 bilhões ao ano de 2009 a 2019, entregando pouco mais de 4 milhões de habitações, pelo Casa Verde e Amarela. No primeiro ano, 2020, destinou R$ 1,5 bilhão ao projeto. No segundo ano, 2021, a verba caiu para R$ 27 milhões. O melhor ano do Minha Casa, Minha Vida, 2013, coincidiu com o primeiro ano do mandato de Dilma e o último ano de orçamento preparado por Lula. Daí em frente, o ritmo caiu. E Bolsonaro deu-lhe o tiro final.

O fato é que os governos raramente mostram coragem para desocupar áreas de risco. Preferem lamentar os mortos.

Aqui eu não pago aluguel

O fenômeno não é exclusivo de São Paulo nem de Bolsonaro. No Rio, o governador Carlos Lacerda tentou remover favelas em encostas de morros e transferir os moradores para área mais seguras, mas distantes de seus locais de trabalho. Houve resistência, um espetáculo de sucesso (Opinião, com Nara Leão e que, em seguida, lançou Maria Bethânia), músicas lembradas até hoje (“Podem me prender, podem me bater (…) daqui do morro eu não saio, não”), Lacerda desistiu. Hoje os milicianos tomaram conta de boa parte da região, cobram aluguel dos moradores e constroem prédios altos em áreas de risco. Mas quem irá combatê-los, ainda mais com os amigos que têm?

Estou pertinho do céu

A discussão não é ideológica: o fato é que, com a liberação de fato da moradia em locais de risco, vai continuar morrendo gente. Jayme Lerner fez um bom trabalho também nessa área em Curitiba e levou o projeto ao Rio. A ideia é urbanizar áreas que possam sair da condição de risco, gerando condições de vida mais decentes.

Mas isso custa caro. Dar o nome de Verde e Amarelo sai mais barato. E, afinal de contas, um dia todos morrem mesmo.

Guerra paulista

Por enquanto, o governador João Doria é candidato à Presidência, o vice Rodrigo Garcia sai para governador e alguém (o plano era Alckmin, antes de virar aliado de Lula) para o Senado. Pela oposição ao PSDB, há Haddad, do PT, e Márcio França pelo PSB – ambos querem se aliar, um tendo o apoio do outro, mas nenhum quer desistir. Eduardo Suplicy pode ir para o Senado. Os bolsonaristas falam em Tarcísio Freitas, aquele ministro que continua procurando São Paulo no mapa; Abraham Weintraub, ex-ministro da Educação, também quer se candidatar.

Eduardo Bananinha Bolsonaro já prometeu há tempos apoio a Weintraub; mas manterá a promessa, sabendo que o pai prefere Tarcísio? Janaína Paschoal, que foi a deputada estadual mais votada do país, quer o Senado. Só que os bolsonaristas duvidam das suas probabilidades de repetir a votação. E enfrentar Suplicy é complicado: ele ficou 24 anos no Senado e só perdeu as últimas eleições na onda de votos bolsonaristas. Mas essa onda irá se repetir? Em resumo, reina a confusão. Até mesmo no PSDB: se Doria não se sentir com apoio suficiente para disputar a Presidência, vai para casa ou se candidata à reeleição?

Hora das promessas

Os bolsonaristas não estão preocupados com Tarcísio: têm certeza de que ele, ouvindo especialistas como Carla Zambelli e estudando um pouco, logo estará inteirado dos problemas de São Paulo. Para alguém como Tarcísio, que conseguiu ser alto funcionário de Dilma e ministro de Bolsonaro, não é difícil. E certamente mudará o nome do Aeroporto de Campinas, para não homenagear adversários: Viracopos, onde já se viu?

Melhor algo mais bolsonarista, tipo Espalhafarofa. Ou Zé Carioca, que é verde e amarelo.

Dúvida pertinente

No tempo em que o capetão era ainda capetinha, um achocolatado entrou no mercado com o slogan “Gostoso como uma tarde no circo”. Há 60 anos, o Grão Circo Norte-Americano foi incendiado e morreram 503 pessoas. O anúncio mudou rapidamente: “Gostoso como ele só”.

A propósito, dado o desempenho de Paulo Guedes como superministro, aquela rede de postos de combustível mantém os anúncios (aliás, ótimos) em que prometia resolver qualquer problema de seus clientes?

(*) Carlos Brickmann é jornalista e consultor de comunicação. Diretor da Brickmann & Associados, foi colunista, editor-chefe e editor responsável da Folha da Tarde; diretor de telejornalismo da Rede Bandeirantes; repórter especial, editor de Economia, editor de Internacional da Folha de S. Paulo; secretário de Redação e editor da Revista Visão; repórter especial, editor de Internacional, de Política e de Nacional do Jornal da Tarde.

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