Só faltou quem tinha de ir

(*) Carlos Brickmann

Tentaram, mas nem os mais radicais bolsonaristas entraram nessa: atribuíram a Bolsonaro a façanha de ter evitado a 3ª Guerra Mundial, usando para isso uma falsificação da CNN; e publicaram uma capa falsa da Time, com a foto de Bolsonaro e a informação de que ele seria Prêmio Nobel da Paz de 2022. Tão inacreditável que nem os olavistas conseguiram acreditar.

A visita de Bolsonaro a Putin foi combinada antes da crise da Ucrânia, com dois objetivos: ampliar a compra de fertilizantes russos (e ampliar a venda à Rússia de carne de porco e de frango), e buscar cooperação técnica para a construção do submarino nuclear brasileiro. A expansão do comércio de fertilizantes e carnes não tem grandes dificuldades: é só negociar. Já o caso do submarino é mais complexo. Um dos problemas mais difíceis de um submarino nuclear é o casco: são dois cascos, interno e externo, que nunca podem tocar um no outro. O Brasil comprou essa tecnologia da França. O reator está sendo produzido em Aramar, com tecnologia brasileira. Restam problemas de eletricidade – mas não são os franceses que irão colaborar com o Brasil, pelo menos enquanto Bolsonaro, que fez desfeitas à França (e até à esposa do presidente Macron) estiver no poder.

Nem americanos ou ingleses, que dominam o Atlântico Sul. Restam chineses e russos – mas nessa época, de crise aberta entre o pacto russo-chinês e o Ocidente, ficar ao lado dos russos cria problemas. O Brasil, lembremos, é aliado preferencial da OTAN.

Solução condenada

Claro que há soluções para esse tipo de problema – mas são normalmente definidas em acordos secretos. E quem cuidava dos problemas atômicos do Brasil, o almirante Othon Luiz Pinheiro da Silva, agindo à margem do que era convencional, acabou sendo preso pela Operação Lava Jato, como se fosse corrupto. O almirante e equipe eram capazes de buscar equipamento sem revelar seu destino. Sem sua ação, fica tudo muito mais difícil: depende da boa vontade das grandes potências ocidentais. Na missão de Bolsonaro à Rússia, não há ninguém com o know-how do almirante Othon.

Pior: não há empresários que possam produzir ou comprar material para o submarino.

A comitiva

A estrela do ministério, Teresa Cristina, da Agricultura e Pecuária, ficou por aqui. Ninguém melhor que ela para cuidar ao mesmo tempo das importações de fertilizantes e exportações de carne. Com Bolsonaro, viajaram dois exportadores de carne, um importador de fertilizantes, um exportador de frutas e um representante da União Química, que se propôs há tempos a produzir no Brasil a vacina russa anti-Covid Sputnik V.

Para o submarino, ninguém: nem o ministro da Marinha, almirante Garnier, nem representante.

Em caso de guerra

Caso a Rússia efetivamente ataque a Ucrânia, deve vencer, a menos que, como ocorreu na Segunda Guerra Mundial, os aliados da Ucrânia entrem na luta – o que é muito pouco provável. Os russos vencem, mas não será uma vitória fácil. A Ucrânia tem mais de 40 milhões de habitantes (bem menos do que a Rússia, mas o suficiente para criar problemas). As tropas da Ucrânia têm foguetes portáteis, fornecidos por americanos e ingleses, capazes de atingir o alvo a mais de 3 km de distância. Os russos ganham pelo poder aéreo: têm mais aviões, mais modernos, com pilotos mais bem treinados. Em poucos dias devem dominar os ares e, sem obstáculos, destruir os focos ucranianos de resistência. Mas terão problemas sérios com a guerra de guerrilha, onde mobilidade, conhecimento do terreno e armas leves são preponderantes. Em poucas palavras, ganham, mas o custo será alto.

Quem segura…

Problema a caminho: a Amil, uma das maiores empresas de seguro-saúde do país, controlada pela americana United Health, está-se desfazendo de sua carteira de segurados individuais. São duas vendas: primeiro, a APS, também pertencente à United Health, comprou a carteira; depois, a APS a vendeu a uma empresa recém-criada. Assustados, grupos de segurados recorreram à ANS e ao Procon, que analisam o caso. E temem que a United Health queira vender também a rede de hospitais e a carteira de segurados em grupo.

Quem garante, perguntam, que o padrão atual seja mantido por eventuais novos donos? Como são negócios de alguns bilhões de reais, a tramitação é lenta. Mas é preciso acompanhar tudo de perto: gente que passou décadas pagando seu seguro precisa de garantias agora que, com mais idade, terá dificuldades para buscar um novo plano, pagá-lo e superar as carências exigidas.

…os seguradores

Há uma saída simples para garantir o bom atendimento dos segurados: só autorizar a venda para uma grande seguradora já existente. Mesmo assim, a concorrência no mercado ficará menor, o que facilita aumento de preços. É questão difícil de resolver – vai exigir muita negociação e atenção por parte das agências governamentais. E justo num ano de eleições!

(*) Carlos Brickmann é jornalista e consultor de comunicação. Diretor da Brickmann & Associados, foi colunista, editor-chefe e editor responsável da Folha da Tarde; diretor de telejornalismo da Rede Bandeirantes; repórter especial, editor de Economia, editor de Internacional da Folha de S. Paulo; secretário de Redação e editor da Revista Visão; repórter especial, editor de Internacional, de Política e de Nacional do Jornal da Tarde.

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