A longa estrada da morte

(*) Carlos Brickmann

A arrancada dos russos não chegou a ser sensacional: aquela guerra que se ganha em dois dias está-se prolongando. Mas, nesta primeira fase, se a guerra continuar mais algum tempo, os russos devem vencer. Seu poder de fogo é muito maior que o dos ucranianos. O problema é que uma guerra nunca é só a etapa inicial, uma corrida de cem metros rasos, que exige arranque e velocidade: guerra é maratona, pede fôlego.

Aparentemente, os russos já sentem as represálias, que ainda nem foram aplicadas de maneira integral. O objetivo das sanções que o Ocidente está impondo é exatamente este: fazer com que a economia dos agressores se desgaste, levando a negociações ou a uma derrota militar.

Fora a pressão econômica, há a inesperada resistência dos ucranianos. Se os russos ocuparem o país, terão guerrilha, terão franco-atiradores, terão uma tarefa difícil. As armas pesadas que a OTAN prometeu, como canhões, não devem chegar em tempo. Caças exigem uma infraestrutura que os russos já estão destruindo. Mas bazucas antitanque, fuzis, mísseis Stinger (terra-ar, e portáteis) são armas excelentes para infernizar a vida de eventuais ocupantes. As situações não são comparáveis, mas a disposição é: russos e americanos foram tocados do Afeganistão. Some-se a isso o desgaste da economia russa, que reduz o padrão de vida da população, e os prejuízos dos maiores empresários do país.

Eles são Putin desde criancinhas, mas até quando?

As surpresas

É provável que Putin tenha se surpreendido com a resistência das tropas ucranianas, com a disposição de luta da população e com a rapidez dos países da OTAN em concordar com sanções que prejudicarão seus próprios interesses. Todos pagarão mais pelo petróleo. A Alemanha, consumidora ávida de gás natural russo, terá de buscar novos fornecedores a preços bem mais altos.

Outros fatos surpreendentes: a Alemanha, pela primeira vez desde o fim da Segunda Guerra, concordou em vender armas para área de conflito (e multiplicou por três seu orçamento de defesa). A Suíça, neutra desde os tempos de Napoleão, aderiu às sanções; Suécia e Finlândia, tão cautelosas diante dos russos que não entraram na OTAN, estão do lado da Ucrânia.

Impenetrável

Ninguém se atreve a imaginar limites para o comportamento de Putin. Ele é obstinado, bem preparado, e – como diria Bolsonaro – por coincidência ou não, muitos de seus ex-aliados morreram em circunstâncias estranhas. Sua aparência é impenetrável, seu pensamento só é revelado por ele mesmo, em pequenas porções. Deve ter excelentes assessores, seu serviço de informação desfruta de ótima fama. Circunstâncias que talvez o tenham surpreendido já devem estar analisadas e com soluções previstas. É esperar para ver.

Lembranças

Uma coisa não deve ser esquecida: antes da entrada de tropas russas na Ucrânia, os dois últimos países que invadiram outros países soberanos na Europa foram a Alemanha e a União Soviética, no finalzinho dos anos 30 do século passado. Seus líderes eram Adolf Hitler e Joseph Stálin.

Jogo duro

Mikhail Fridman, nascido na Ucrânia e bilionário na Rússia, onde é dono do Alfa-Group, declarou-se publicamente, e por escrito, contra a invasão. É uma atitude absolutamente incomum na Rússia. Na declaração, Fridman cita o que chama de “deterioração progressiva” da segurança no Leste europeu; diz que as preocupações russas a respeito desse tema foram desconsideradas, abrindo caminho para a crise.

E completa: “Deixe-me ser claro, no entanto: essa situação de forma nenhuma justifica o uso da força contra a integridade territorial e a soberania de qualquer Estado-membro. Isso vai de encontro aos mais básicos princípios e normas que todos respeitamos e é uma clara violação à Carta da ONU”. Os pais de Fridman moram na Ucrânia, em Lviv.

As lágrimas de Portugal

Do poeta português Fernando Pessoa: “Ó mar salgado, quanto do teu sal / São lágrimas de Portugal! / Por te cruzarmos, quantas mães choraram, / quantos filhos em vão rezaram! / Quantas noivas ficaram por casar / para que fosses nosso, ó mar! / Valeu a pena? / Tudo vale a pena se a alma não é pequena. / Quem quer passar além do Bojador / Tem que passar além da dor. / Deus ao mar o perigo e o abismo deu, / mas nele é que espelhou o céu.”

O grande Pessoa não sabia que boa parte deste sal seria gasto nas seguidas férias de Jair Bolsonaro (está em Guarujá, pela décima vez desde que chegou à Presidência – isso fora as vezes que ficou em São Francisco do Sul, Santa Catarina, local também de belíssimas praias). Da última vez em que se expôs às lágrimas de Portugal, gastou R$ 900 mil reais – dados oficiais. Foi quando se atirou tão avidamente ao prato de frutos do mar que engoliu um camarão sem mastigá-lo. Foi para o hospital, mandou buscar seu médico no Exterior. E não seguiu as recomendações de, por exemplo, evitar as motos aquáticas.

(*) Carlos Brickmann é jornalista e consultor de comunicação. Diretor da Brickmann & Associados, foi colunista, editor-chefe e editor responsável da Folha da Tarde; diretor de telejornalismo da Rede Bandeirantes; repórter especial, editor de Economia, editor de Internacional da Folha de S. Paulo; secretário de Redação e editor da Revista Visão; repórter especial, editor de Internacional, de Política e de Nacional do Jornal da Tarde.

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