Presidente do STM reage com deboche às gravações com relatos sobre tortura na ditadura militar

 
Que militares reagiriam com deboche e indiferença aos áudios de sessões do Superior Tribunal Militar (STM) com relatos sobre a prática de tortura durante a ditadura já era de conhecimento dos brasileiros de bom-senso. Contudo, a fala do presidente do STM, general Luiz Carlos Gomes Mattos, foi nauseante e merece a reação da parcela da sociedade que defende a democracia em sua inteireza.

Gomes Mattos rompeu o silêncio em sessão de julgamento nesta terça-feira (19) e afirmou não ter “resposta a dar”. “Não estragou a Páscoa de ninguém”, disse o general, em referência à data da divulgação dos áudios.

Como se não bastasse o comportamento vil, o general classificou como “tendenciosas” as notícias sobre as gravações. “A gente já sabe os motivos, do porquê isso vem acontecendo nesses últimos dias, seguidamente, por várias direções, querendo atingir as Forças Armadas, o Exército, a Marinha, a Aeronáutica, nós que somos quem cuida da disciplina, da hierarquia. Não temos resposta nenhuma para dar, simplesmente ignoramos uma notícia tendenciosa daquela, que nós sabemos o motivo”, declarou.

As gravações revelam um período obscuro e truculento da história brasileira que não pode ser ignorado ou minimizado como fazem os militares de agora, que não apenas defendem o golpe militar, mas exaltam a memória de torturadores conhecidos, como Carlos Alberto Brilhante Ustra, o delinquente que comandou o DOI-Codi em São Paulo, onde torturou opositores do regime e patrocinou perseguições covardes.

Mesmo alegando desprezo em relação às gravações, Mattos disse ter ficado incomodado com o escrutínio público do passado torturador de setores das Forças Armadas. “Não têm nada para buscar hoje, vão buscar no passado, rebuscar o passado. Só varrem um lado. Não varrem o outro. É sempre assim, já estamos acostumados com isso”, afirmou. Segundo ele, as sessões do STM sempre foram “transparentes”.

Se as sessões do STM sempre foram “transparentes”, como diz o general, não havia motivo para o tribunal ter negado acesso a mais de 10 mil horas de gravações, as quais foram liberadas ao advogado criminalista e ao pesquisador Fernando Fernandes e pelo historiador Carlos Fico, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), após decisão do Supremo Tribunal Federal (STF).

O acesso aos áudios demorou duas décadas para ser liberado. Em 2006, Fernando Fernandes solicitou acesso ao material, mas o STM negou. Cinco anos depois, a ministra Cármen Lúcia, do STF, determinou a entrega imediata do material, ordem cumprida apenas após o plenário da Corte confirmar seu voto, em 2015.

 
Ademais, se a aludida transparência tivesse prevalecido no STM, a sociedade não teria se indignado diante dos relatos sobre crimes cometidos por militares nos porões da ditadura. Em que pese o fato de os crimes terem ocorrido há décadas, somente quem foi alvo da barbárie que brotou do regime militar sabe o ainda significa o mais trágico capítulo da história nacional.

Se a Lei da Anistia, que passou a vigorar em 28 de agosto de 1979, mandou para a vala do esquecimento os crimes cometidos pelos militares, que a sociedade tenha garantido o direito de saber o que fizeram aqueles que hoje são lembrados equivocadamente como defensores da democracia.

Ao general Gomes Mattos está assegurado o direito de concordar com o desgoverno de Jair Messias Bolsonaro, um delinquente intelectual que faz da truculência verbal e das seguidas ameaças à democracia uma forma de se manter no poder e salvar um projeto de reeleição que aterroriza o País. Contudo, normalizar desmandos à sombra da expressão torpe “dentro das quatro linhas da Constituição” é dar endosso ao totalitarismo moderno.

Quando o presidente da República e seus filhos e capachos de plantão adotam discursos que remetem à ditadura militar é porque a democracia corre sérios riscos. Quando Jair Bolsonaro afirma que as Forças Armadas não mandam recados e sabem o que fazer para garantir o regime sob o qual a sociedade deseja viver, a democracia está ameaçada.

Não obstante, os crimes cometidos contra os opositores do regime não podem ser varridos para debaixo da alcatifa da história apenas porque militares acreditam estar acima da lei e de todos. Se os opositores de então cometeram crimes, como de fato aconteceu, é porque os militares ignoraram os princípios democráticos e os direitos humanos. Esse modus operandi criminoso foi incorporado pelas polícias militares estaduais.

Nada justifica a violência, em especial a que marcou a era plúmbea. Em suma, o STM precisa ser extinto, pois trata-se de um tribunal que julga na esteira do corporativismo.

O general Gomes Mattos deixará o STM em 28 de julho. Para sua vaga o presidente da República indicou o general Lourival Carvalho Silva, conhecido defensor da ditadura militar. Em 2019, em evento para comemorar o golpe de 64, Carvalho Silva disse que “o regime foi um clamor da população”.

“Diante de um cenário de graves convulsões, foi interrompida a escalada em direção ao totalitarismo. As Forças Armadas, atendendo ao clamor da ampla maioria da população e da imprensa brasileira, assumiram o papel de estabilização daquele processo”, disse o general. Traduzindo para o bom idioma da terra mater, o STM continuará o mesmo grupelho de compadrio e condescendência com ilícitos cometidos debaixo da farda.

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