Debate entre presidenciáveis foi deprimente e acabou transformado em “fogo cruzado” de acusações

 
“A política é a arte do possível”, disse certa feita o diplomata e político prussiano Otto von Bismarck (1815-1898). Em sua essência a política é o meio para, através do diálogo, chegarmos a um modelo de existência como nação.

Na noite de quinta-feira (29) e madrugada de sexta, no debate entre presidenciáveis promovido pela TV Globo, os candidatos protagonizaram um espetáculo deprimente e sem vencedores. Ataques, ofensas, mentiras, vários pedidos de direito de resposta. Assim foi o último encontro entre os participantes da disputa presidencial antes do primeiro turno. Não houve vencedores, pois o debate tornou-se enfadonho.

Jair Bolsonaro

Como afirmamos em matéria anterior, Jair Bolsonaro foi covarde e leviano ao acusar Lula de ter sido o mentor intelectual da morte de Celso Daniel. Candidato à reeleição, Bolsonaro foi chamado de covarde por Simone Tebet, a quem o presidente fez tal afirmação.

Bolsonaro mentiu de forma acintosa ao negar a existência de corrupção no governo e ao dizer que os filhos não estão envolvidos em escândalos. Quem ouve o “passador da boiada”, nos bastidores, falar sobre corrupção no governo é convencido de que o banditismo político move o governo de Jair Bolsonaro.

Quando o programa de campanha de um candidato à reeleição foca nos feitos dos últimos três meses é porque nos mais de três anos anteriores nada foi feito. Bolsonaro mente de maneira escandalosa ao dizer que o Brasil tem a gasolina mais barata do planeta graças a seu governo. Os preços dos combustíveis foram reduzidos na esteira de uma medida inconstitucional que ignorou o direito dos estados de legislarem sobre o ICMS. A consequente queda da inflação foi fabricada para enganar os eleitores.

Que ninguém se deixe enganar pelo discurso visguento e mentiroso de Bolsonaro, já que a criminosa redução do ICMS sobre combustíveis prejudicará a população nos estados, que usam os recursos provenientes do imposto para custear inúmeros serviços aos cidadãos, como saúde e educação.

Jair Bolsonaro, sempre falastrão, disse em dois momentos do debate que seu governo permitiu que a gasolina seja a mais barata do planeta. Trata-se de uma sonora inverdade. Na vizinha Venezuela, país que Bolsonaro não menciona por ignorância ideológica, o litro da gasolina custa US$ 0,02, equivalente a R$ 0,11 (na cotação desta sexta-feira, 30 de setembro).

O preço da gasolina no Brasil está abaixo do praticado nos Estados Unidos, onde o litro do combustível é vendido pelo equivalente a R$ 5,67. Contudo, a gasolina brasileira é mas mais cara do que a de países vizinhos como Bolívia (R$ 2,90 ou US$ 0,54), Colômbia (R$ 3,00 ou US$ 0,56), Equador (R$ 3,39 ou US$ 0,63) e Argentina (R$ 5,23 ou US$ 0,98).

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Soraya Tronicke

Bolsonaro usou um patético e falso padre para provocar e atacar seu principal adversário, o petista Lula, seguindo orientação do staff da campanha. Lula, por sua vez, errou ao aceitar o jogo do dito religioso que na cena eleitoral substitui o bizarro e golpista Roberto Jefferson. O nível do debate foi tão ruim, que Kelmon foi chamado de “padre de festa junina” pela senadora Soraya Tronicke.

Provocada por Bolsonaro, que, com documentos em mãos, afirmou que a candidata do União Brasil o ataca, mas não se recorda de ter solicitado três cargos no governo. Na sequência, Tronicke disse que enquanto apoiadora do atual presidente conseguiu dois cargos, mas que não foram ocupados porque os indicados rechaçaram a prática da “rachadinha”. Soraya Tronicke tem mais quatro anos de mandato como senadora e a campanha serviu para ganhar visibilidade política e preparar o terreno para as eleições de 2026.

Ciro Gomes

Ciro Gomes (PDT) conseguiu ser patético ao apontar casos de corrupção nos governos do PT e no de Bolsonaro. Em que pese o fato de a acusação feita por Ciro ter sido uma bazófia desmedida, é importante voltar no tempo e esclarecer os fatos.

Em 2005, Márcio Lacerda, amigo de Ciro Gomes e à época ocupando o segundo cargo mais importante do Ministério da Integração Nacional, acabou exonerado depois que seu nome apareceu como beneficiário de R$ 457 mil do caixa dois do PT. De acordo com Marcos Valério, condenado à prisão no escândalo do Mensalão, o mencionado valor foi pago em duas parcelas, em 2003.

Lacerda afirmou à época que o dinheiro foi destinado à agência New Trade por serviços prestados no segundo turno da eleição presidencial de 2002. Ele disse ter pedido ajuda ao ex-tesoureiro petista Delúbio Soares para quitar pendência com agência que trabalhara para Ciro Gomes no primeiro turno da corrida presidencial daquele ano.

Não obstante, apesar do falso moralismo que destila, Ciro Gomes contratou para comandar as estratégias de sua campanha ninguém menos que João Santana, marqueteiro responsável pela campanha de reeleição de Lula e pela campanha de Dilma Rousseff.

Para quem não se recorda, Santana e Mônica Moura foram condenados a 7 anos e 6 meses de reclusão pelo crime de lavagem de dinheiro em ação penal decorrente da Lava-Jato. Ambos foram absolvidos do crime de corrupção.

João Santana e Mônica Moura fecharam acordo de delação premiada, o que permitiu a redução da pena para de 1 ano e 6 meses de prisão, cumprida em regime fechado diferenciado, ou seja, recolhimento domiciliar integral com o uso de tornozeleira eletrônica. De acordo com o processo judicial, do total de valores negociados (cerca de R$ 128 milhões) entre Palocci e a Odebrecht, US$ 10,2 milhões foram repassados para os marqueteiros, em troca de serviços eleitorais prestados ao PT.

Em maço passado, já na condição de pré-candidato do PDT à Presidência da República, Ciro Gomes foi questionado sobre o tema. Uma jornalista perguntou se a contratação de João Santana não “colocava em xeque” seu discurso contra a corrupção. Irritado, como sempre, o pedetista quis saber se a repórter “defende o nazismo, que é a condenação eterna?”.

“[João Santana] Pagou caríssimo por esse erro grave que cometeu. E depois de pagar caro o que se presta a um cidadão, a receção plena dos seus direitos à sociedade. O mais é nazismo, você defende isso? Você defende o nazismo, que é a condenação eterna? Eu acredito que você não defende isso não”, afirmou o presidenciável durante seminário sobre corrupção promovido pelo PDT.

Ciro Gomes, a cada quatro anos, toma pílulas de fingimento e tenta vender ao eleitorado uma falsa imagem de político coerente. Pois bem, se João Santana pode (e deve) ser contratado para coordenar uma campanha eleitoral porque cumpriu a pena imposta pela Justiça, o ex-presidente Lula não deveria ser atacado por Ciro, uma vez que os processos de que era alvo foram acertadamente anulados pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Isso não significa a inexistência de corrupção nos governos petistas.

Lula

Voltando a Lula… É inegável que os brasileiros mais pobres tiveram um “respiro” durante os governos do ex-presidente Lula, em especial no primeiro, mas é preciso cautela ao analisar alguns números apresentados pelo petista no debate da TV Globo. Por outro lado, é preciso reconhecer que nos governos do PT foram criados mecanismos que proporcionam transparência à gestão pública. No mesmo período não houve qualquer interferência das gestões petistas para impedir investigações.

Lula exagerou ao afirmar que quando saiu da Presidência deixou US$ 370 bilhões em reservas internacionais, quando na verdade a cifra correta é US$ 289 bilhões. Em 2014, no governo Dilma Rousseff, o Brasil ultrapassou a marca de R$ 379 bilhões em reservas internacionais, mas em agosto de 2016, por ocasião do impeachment da petista, o montante caiu para US$ 369 bilhões. O número citado por Lula é correto, mas a cifra não foi alcançada em seu governo.

O petista acertou ao dizer que há no Brasil 31 milhões de pessoas passando fome, enquanto o ministro Paulo Guedes (Economia), também conhecido como “Posto Ipiranga”, ser falaciosa tal informação. De acordo com o Inquérito Nacional Sobre Segurança Alimentar no Contexto da Pandemia Covid-19 no Brasil, de junho de 2022, 33,1 milhões de brasileiros estão em situação de insegurança alimentar grave, o equivalente a “passar fome”.

Lula errou ao afirmar que durante seus mandatos como presidente o contingente de estudantes universitários saltou de 3,5 milhões para 8 milhões. Quando Lula deixou a Presidência, o número de estudantes em universidades era de 6,3 milhões. Somente em 2015, último ano completo da segunda gestão de Dilma Rousseff, é que contingente de alunos matriculados em universidades chegu a 8 milhões.

Simone Tebet

Em relação à candidata do MDB, causou espécie o fato de Simone Tebet falar sobre preservação ambiental e criticar a inação do governo Bolsonaro no tocante à fiscalização no campo do desmatamento e garimpo ilegal.

Simone é filha de Ramez Tebet, ex-presidente do Senado e falecido em 2006, que chegou no Centro-oeste em 1975, investindo em terras. Ramez foi ministro da Integração Nacional por alguns meses, durante o governo Fernando Henrique Cardoso. Anos antes, foi acusado de desvio de dinheiro público quando esteve à frente da extinta Superintendência do Desenvolvimento do Centro-Oeste (Sudeco), entre 1987 e 1990.

Em 2012, o Ministério Público Federal investigava Simone por contratação ilegal de uma fundação para cuidar da saúde de Três Lagoas, quando era prefeita. Em 2016, a senadora teve os bens bloqueados por causa de outra ação do Ministério Público Federal, relativa ao desvio de verbas para a construção de um balneário no município. A Justiça, após recurso, manteve a decisão.

Juntamente com os três irmãos, Simone Tebet herdou do pai uma fortuna em imóveis no Mato Grosso do Sul, entre os quais estão três fazendas: uma em Três Lagoas, outra em Fátima do Sul e uma terceira em Caarapó, a Santo Antônio da Matinha, de 860 hectares, no extremo sul do estado, registrada entre os bens da senadora pelo modesto valor de R$ 457 mil.

Como se sabe, em termos ambientais, o Centro-Oeste foi parcialmente devastado para dar lugar a enormes propriedades rurais, que direta ou indiretamente têm conexão com o agronegócio. De tal modo, o discurso de Simone em prol do meio ambiente, durante o debate, perdeu força para quem conhece os bastidores da política.

No Senado, Simone se movimentou nos bastidores da reforma da Previdência. Sua mãe, Fairte Nassar Tebet, recebe R$ 31 mil mensais de pensão. Motivo: Ramez Tebet governou por dez meses o Mato Grosso do Sul, entre maio de 1986 e março de 1987.

Simone e o marido, o deputado estadual Eduardo Rocha (MDB-MS), têm suas campanhas financiadas pelo agronegócio. A campanha de 2014 da senadora arrecadou R$ 3 milhões entre empresas e pessoas físicas ligadas ao agronegócio, 94% do arrecadado naquele ano. O deputado estadual recebeu R$ 317 mil de um grupo similar de doadores, metade do valor de sua campanha.

Entre as empresas, a principal doadora em 2014 foi a JBS, com R$ 52 mil para Rocha e R$ 1,7 milhão para Simone. Após a delação premiada dos sócios da empresa, ambos participaram de Comissões Parlamentares de Inquérito na Assembleia e no Congresso. Rocha chegou a propor um acordo de leniência para resolver o bloqueio de R$ 115 milhões dos bens da JBS, determinado pela Justiça.

Luiz Felipe D’Ávila

Luiz Felipe D’Ávila, do Novo, dispensa maiores apresentações. No debate entre presidenciáveis realizado pela Band, D’Ávila insistiu de forma enfadonha em um discurso que pregava a privatização. O candidato disse na ocasião que só os filiados ao Novo sabem como fazer.

D’Ávila disse repetidas vezes durante o debate que seu propósito era discutir o futuro do País, mas para tanto usou dados que não condizem com a realidade. O candidato afirmou que entre 2011 e 2021 o PIB do agronegócio cresceu 34%, quando no período o crescimento foi de 7%.

Empacado no último pelotão da corrida presidencial, Luiz Felipe D’Ávila usa como referência nos debates as realizações do governador de Minas Gerais, Romeu Zema, e do prefeito de Joinville (SC), Adriano Silva. O que Zema e Silva fizeram como gestores públicos não garante que D’Ávila faria se fosse eleito presidente da República. Com menos de 1% das intenções intenção de voto nas pesquisas eleitorais, D’Ávila é no máximo um cabo eleitoral de luxo dos companheiros de legenda.


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