Investigações, assim como qualquer assunto, têm suas obviedades. O curto-circuito envolvendo o acordo de colaboração premiada de Mauro César Barbosa Cid, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro é explicável também tem suas obviedades. Quem conhece as catacumbas da política brasileira sabe que o áudio vazado, em que Cid critica o ministro Alexandre de Moraes (STF) e a Polícia Federal, é “missa encomendada”.
Cid forneceu à PF informações relevantes sobre escândalos protagonizados por Bolsonaro, como, por exemplo, a fracassada tentativa de golpe de Estado, a fraude nos cartões de vacinação contra Covid-19 e o caso das joias e relógios de luxo presenteados pelo governo saudita.
Algumas das informações fornecidas por Cid, no abito da trama golpista, coincidem com os depoimentos dos ex-comandantes do Exército e da Aeronáutica, general Marco Antônio Freire Gomes e tenente-brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Júnior, respectivamente.
No polêmico áudio, que pode mandar pelos ares a delação premiada, Mauro Cid diz a um suposto interlocutor que foi pressionado pelos investigadores a confirmar o que não sabe ou o “que não aconteceu”.
“Você pode falar o que quiser. Eles não aceitavam e discutiam. E discutiam que a minha versão não era a verdadeira, que não podia ter sido assim, que eu estava mentindo”, afirma Cid no áudio divulgado pela revista Veja.
O ex-ajudante de ordens da Presidência pode falar o que quiser, mas é importante ressaltar que os depoimentos à PF são gravados, ou seja, o tal áudio tem o objetivo de minimizar a pecha de “traidor” que corre entre a cúpula golpista.
“O Alexandre de Moraes é a lei. Ele prende, ele solta, quando ele quiser, como ele quiser. Com Ministério Público, sem Ministério Público, com acusação, sem acusação”, diz.
Em relação às decisões de Alexandre de Moraes, Mauro Cid – ou qualquer investigado que se sinta prejudicado – pode recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF), com pedido para que o caso seja analisado em plenário. Entre dez ministros, exceto Moraes, haverá discordâncias.
“O Alexandre de Moraes já tem a sentença dele pronta, acho que essa é que é a grande verdade. Ele já tem a sentença dele pronta. Só tá esperando passar um tempo. O momento que ele achar conveniente, denuncia todo mundo, o PGR [procurador-geral da República] acata, aceita e ele prende todo mundo”, alega na gravação.
O tenente-coronel Mauro Cid deveria saber que não são confiáveis pessoas que publicamente dizem defender a democracia e nas coxias do poder tramam um golpe de Estado. Além disso, o histórico do líder da malta golpista, Jair Bolsonaro, dispensa apresentações.
Execução de miliciano
Não se deve descartar a possibilidade de Cid ter chegado à conclusão que é grande a possibilidade de algum tipo de represália por parte dos delatados, talvez de forma indireta, apenas por saber demais e ter revelado aos investigadores além do que deveria.
É importante lembrar o caso do ex-policial militar Adriano Magalhães da Nóbrega, um dos braços de Fabrício Queiroz no esquema criminoso das “rachadinhas” que funcionava no gabinete do então deputado estadual Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj).
Ex-capitão do Bope do Rio de Janeiro, miliciano e um dos integrantes do grupo de matadores de aluguel conhecido como “escritório do crime”, Adrian da Nóbrega foi executado a tiros no interior da Bahia, em fevereiro de 2020.
Nóbrega foi morto não apenas por ter informações comprometedoras a respeito do esquema das “rachadinhas”, mas por ter informações relevantes sobre a conduta criminosa de pessoas que gravitavam na órbita de alguns políticos.
Em suma, o vazamento do áudio de Mauro Cid parece proposital, pois com isso o acordo de delação é cancelado e ele volta para a prisão. Atrás das grades, mesmo com a liberdade cerceada, o ex-ajudante de ordens estará em segurança, pelo menos em tese.
No depoimento que prestará nesta sexta-feira (22) no gabinete de Moraes, para esclarecer o conteúdo do áudio vazado, Cid terá de decidir entre correr riscos ou contemplar o nascer do Sol de forma geometricamente distinta.
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