Desacato em depoimento no STF

(*) Gisele Leite

O Ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes ameaçou prender o ex-ministro da Defesa Aldo Rebelo durante o depoimento como testemunha ocorrido na apuração da elaboração do plano de golpe de Estado. O Ministro do STF advertiu o depoente que caso não se comportasse, iria prendê-lo por desacato. E solicitou que respondesse sim ou não.

O depoente fora ministro de Estado durante o mandato da ex-Presidente Dilma Rousseff e foi questionado a respeito da reunião que o Almirante Garnier teria colocado suas tropas à disposição de Bolsonaro, após a derrota eleitoral de 2022.

“É preciso levar em conta que, na língua portuguesa, conhecemos aquilo que é força da expressão. Ela nunca pode ser tomada literalmente. Quando alguém diz: estou à disposição, isso não pode ser lido literalmente”, respondeu o ex-ministro.

O Ministro Moraes indagou se ele estava presente na reunião em que a declaração de Garnier teria ocorrido. A resposta de Aldo foi negativa. “Então o senhor não tem condições de avaliar o teor da língua portuguesa naquele caso.

Atenha-se aos fatos”, advertiu o ministro do STF, que é também o relator do caso na Primeira Turma. “A minha apreciação da língua portuguesa é minha. Não vou admitir censura”, rebateu Aldo Rebelo.

Foi então que o Ministro Moraes ameaçou prendê-lo por desacato. “Se o senhor não se comportar, vou lhe prender por desacato. Responda minha pergunta. Sim, ou não?”, frisou.

O ex-ministro, no entanto, disse que não poderia responder com “sim” ou “não”. Aldo Rebelo depõe como testemunha de defesa de Garnier. Em janeiro do ano passado, disse em entrevista que a tentativa de golpe era uma “fantasia” entoada por petistas para manter viva a polarização política.

O que não é verdade em face da fartura de prova documental e testemunhal provida pela Polícia Federal e por Mauro Cid.

O procurador-geral da República, Paulo Gonet, responsável pela acusação contra Garnier, mas que também não havia iniciado suas perguntas, endossou a questão: “isso”.

Aldo Rebelo sinalizou que não estava presente e, então, Moraes o repreendeu: “então, o sr. não tem condições de avaliar a língua portuguesa”.

Aldo Rebelo, então, se recusou a continuar respondendo. “Não posso responder ao sr.”, disse, dirigindo-se a Moraes. “O ministro vai permitir que eu faça minha apreciação?”.

Moraes respondeu que Aldo Rebelo não poderia fazer valor de juízo em depoimento, apenas responder sobre “matéria fática”.

Aldo Rebelo então passou a responder que, dentro da Marinha, qualquer mobilização de tropas precisa passar por toda a cadeia de comando. Depois, o ex-ministro da Defesa passou a questionar se a própria investigação do caso levou isso em conta.

“O que eu gostaria de saber é se o inquérito apurou essa estrutura de comando…”, disse, durante o depoimento, realizado por videoconferência.

Nesse momento, Paulo Gonet interrompeu Aldo Rebelo. “Quem faz a pergunta é o advogado e a testemunha responde”, disse o procurador-geral. “Eu não fiz nenhuma pergunta”, rebateu Aldo Rebelo. “Quem tem que saber alguma coisa somos nós”, treplicou Gonet.

Percebe-se que a referida testemunha de defesa somente fez piorar o quadro acusatório contra o Almirante Garnier.

O Ministro Moraes, então, interveio para repreender Rebelo novamente. “Se o sr. quiser saber, o sr. vai ler na imprensa”, disse o ministro do STF ao ex-deputado.

O advogado Demóstenes Torres, que defende Almir Garnier Santos, então perguntou a Aldo Rebelo se a Marinha possuiria condições para dar um golpe de Estado. Quando o Ministro Moraes, então, repreendeu o advogado.

“Ele não tem conduções técnicas para saber. O ex-ministro Aldo Rebelo é historiador, sabe que em 1964 não foi acionada toda a cadeia de comando para dar o golpe. É um civil. Vamos levar isso com regularidade!”, disse o ministro.

A PGR representada por Gonet, depois, perguntou então se, sem apoio do Exército, a Marinha “poderia romper com a normalidade institucional”, numa referência a um golpe.

“Não pode, não senhor, o senhor não tem prova para isso. Não acredito”, respondeu Aldo Rebelo.

Dr. Gonet tentou esclarecer melhor a pergunta, supondo que Aldo Rebelo não havia compreendido o questionamento. Depois, sem saber que estava sendo gravado e com a mão na boca, comentou para assessores mais próximos, rindo: “fiz uma cag*** agora”, afirmou o PGR.

Cumpre esclarecer que o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que o crime de desacato, tipificado no artigo 331 do Código Penal, é constitucional, ou seja, não contraria a Constituição Federal brasileira vigente. Essa decisão foi tomada em junho de 2020, após a Corte negar provimento a uma ação que pedia a inconstitucionalidade do delito.

O STF enfatizou que a aplicação do crime de desacato deve ser restritiva, considerando que a liberdade de expressão e a crítica à atuação dos funcionários públicos são importantes para a democracia. Para que se configure o crime, é necessário que a conduta da pessoa seja um ato de desrespeito, humilhação ou descredibilização do funcionário público no exercício da função, ou em razão dela.

(*) Gisele Leite – Mestre e Doutora em Direito, é professora universitária.

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