Delegado e faxineira desmontam discurso do governador do RJ sobre operação policial

Governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL) está usando o discurso oficial sobre a megaoperação policial nos complexos do Alemão e da Penha, na última terça-feira (28), para faturar politicamente. Pesquisas de opinião mostram que os índices de aprovação de Castro cresceram após a investida contra a facção criminosa Comando Vermelho, que deixou 121 mortos.

Como afirmamos em matérias anteriores, não se combate o crime organizado com tiros, mas com inteligência policial, estratégia e planejamento, a começar pelo sufocamento financeiro da facção, o que no caso não ocorre porque policiais estão envolvidos com os criminosos.

Responsável pelo caso do pedreiro Amarildo, que desapareceu após ser levado por policiais militares para a base da Unidade de Polícia Pacificadora na Rocinha, o delegado Orlando Zaccone afirmou em entrevista que a Operação Contenção foi uma emboscada para matar traficantes, tática conhecida no Rio de Janeiro como “troia”, em referência à lenda grega do Cavalo de Troia.

“Troia é uma técnica de se preparar homicídios pela polícia. A polícia entra na comunidade com antecedência e espera o momento de fuga de traficantes para matar. Por isso que a polícia do Rio chama traficante de ganso, por causa daquela brincadeira de tiro ao alvo. Então era isso que eles queriam fazer, matar os traficantes em fuga”, disse Zaccone.

Sobre o caso Amarildo, Zaccone é claro ao afirmar: “Queriam construir Amarildo como traficante para legitimar o seu desaparecimento e a sua execução, com uma tentativa de fraude de um inquérito que apurava o tráfico. Porque se Amarildo fosse identificado como traficante, o seu desaparecimento e morte não seria crime, seria uma função normal da polícia no Rio de Janeiro”.

O governo do bolsonarista Cláudio Castro e as forças de segurança do Rio de Janeiro negam que tenha ocorrido emboscada ou matança, mas alegam que a tática de confrontar os traficantes na mata foi planejada para evitar tiroteio dentro da comunidade. Tal justificativa é falaciosa, pois a irresponsável operação aconteceu em área que abriga 280 mil moradores.

A faxineira Gabriela Cristina Elias de Jesus, moradora do Complexo da Penha, foi presa na manhã da megaoperação policial contra o Comando Vermelho por não permitir que policiais sem mandado entrassem em sua casa e por gravar uma live que mostra que no local só havia mulheres, crianças e um adolescente.

O Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro informou que Gabriela foi solta posteriormente, mas responderá a processo por desacato aos policiais e por suposta associação ao tráfico. Ninguém, no Estado Democrático de Direito, responde a processo com base em suposição.

Relatório produzido pela Ouvidoria Geral da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro revela que “mais de 95% dos identificados tinham ligação comprovada com o Comando Vermelho e 54% eram de fora do estado. Apenas dois laudos resultaram em perícias inconclusivas.”

O comunicado oficial da Ouvidoria reconhece que outras 17 pessoas “não apresentaram histórico criminal”, mas segundo as investigações posteriores, “12 apresentaram indícios de participação no tráfico em suas redes sociais.”

O fato de determinada pessoa ter ligação com facção criminosa não é senha para execução. O dever do Estado é prender o suspeito, apurar os indícios no âmbito de investigação isenta e submeter o acusado, se for o caso, ao devido processo legal. Execução sumária é inaceitável, mesmo com provas contra o suspeito.

O delegado Orlando Zaccone afirma que no Rio de Janeiro não existe crime (desvio de função) quando a polícia mata pessoas identificadas como traficantes, prática ilegal referendada pelo sistema jurídico. “O Estado brasileiro diz que essas mortes estão dentro da lei”, destaca.

“No Brasil, essa política de extermínio não é só um desvio de função das polícias – é uma política de Estado”, completa Zaccone.